quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Saber acadêmico e analfabetismo cultural...

                                                                    Pinturas de Comonian, aqui...
Não é fácil assumir que, de fato, somos analfabetos culturais. É difícil aceitar que o conhecimento enciclopédico e os títulos acadêmicos que porventura temos não são garantia de que sejamos culturalmente alfabetizados. Sabemos ler e escrever, podemos conhecer as teorias, dominar os conceitos filosóficos, políticos, etc., mas isto, longe de nos aproximar do outro e da nossa própria humanidade, pode, paradoxalmente, ter um efeito inverso e perverso: o distanciamento do mundo real, da mísera realidade que nos cerca. Tendemos a tudo racionalizar e nada sentir. O adágio “Penso, logo existo” sugere uma questão: existir para quê? Para além do pensar, que nos dá a certeza do existir, é preciso sentir que existimos.

O especialista tende a separar a palavra do mundo, o conceito da realidade. As palavras dissociam-se da vida real, das contradições, sofrimentos e esperanças dos que vivem no mundo. Se quisermos ir além do saber livresco, do formalismo titulado, enfim, do “balé dos conceitos”[1], precisamos superar os limites da fria racionalidade e assumirmos uma postura diante do mundo.[2] É preciso sentir, indignar-se, comprometer-se. Os que dominam a palavra escrita iludem-se em equivaler conhecimento formal e alfabetização cultural. O ser humano cujas condições sócio-econômicas não lhe permitiu freqüentar os bancos universitários tem o que ensinar. Para compreender este fato singelo é mister desmistificar a noção de cultura, predominante e arraigada em nossos corações e mentes, que confunde cultura com saber acadêmico.

O saber racionalista e eurocêntrico é importante, mas também é fator de colonização das nossas mentes e herança introjetada em nosso ser. Se nos atermos a isto, nos tornamos analfabetos culturais. O resultado é a cegueira da consciência, a anulação da subjetividade e da intersubjetividade. Só superando esta cegueira é que teremos condições de estabelecer o diálogo com o outro. Portanto, o comprometimento intelectual, ou o engajamento, não nos torna necessariamente melhores nem indica que estejamos alfabetizados culturalmente.

A alfabetização cultural é parte da construção da utopia que respeita a subjetividade e estabelece o dialogo entre as diferentes manifestações étnicas, de gênero e de classe. Isto pressupõe uma concepção não elitista da cultura e uma postura pedagógica apoiada na autodeterminação. É preciso, portanto, incorporar uma nova atitude fundada na compreensão de si e no diálogo com o outro, uma atitude que persiga a coerência entre os meios e os fins, entre o discurso e a prática.

Para continuar a leitura de Antonio Ozaí da Silva, Professor do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá...