sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Um Belo Ano Novo...

Feliz Ano Novo com a Expressão do meu Expressar...

                                                               Imagem MSN
Por fim...
Vivo num Universo
Tecendo Imagens
Conjugando esforços
Em nuances
Que compõem
Tramas intrigantes
Com traços marcantes
Em faces nunca desenhadas...

Mergulho na instigante potencialidade
Dum infinito ser corrosivo
Que emerge e desvenda-me
Verdades...

Desestruturo-me...
No mundo subjetivo
Da reiteração
duma linguagem universal
Buscando na solidão do poeta
Um Tempo:
Na suavidade dos ventos
No amanhecer das flores
No entardecer dos pássaros
Na fonte das águas
No infinito das estrelas...

Adormeço na beleza da Aurora Boreal
Contemplando este Brilho
Sonho: com o azul do Oceano
No celeste Céu
Fugindo sem os pés no chão
Sigo os passos dos Planetas
Piso na Sombra da Lua
Sou na Luz do Sol...

Caminho entre campos verdes
Das estradas além da Estrada
Ando sozinha sem direção
na Imensidão indiferente
Do Mar de Amar...

Desejo a Todos em 2011 um Ano Transbordando de Felicidades!... 

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

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Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.
A ver se isto renasce ou volta ás cinzas…

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Como lidar e entender pessoas difíceis...

Desculpe-me pela ausência de postagem nessas últimas semanas. É que estive realmente sem tempo e com problemas de relacionamento. Não. Não é meu namoro que anda mal, mas meu relacionamento com pessoas difíceis. Seja porque elas pensam muito diferente de mim (o que é bom e normal), seja porque elas se parecem mais com um mineiro em especial - o Zangado. Hoje vamos falar de pessoas difíceis e o que podemos aprender sobre elas.

Não dá para deixar de ser teórico ao falar do tema. E ficar dando dicas de como se comportar não ajuda muito, pois somos submetidos a diversas situações complicadas causadas por pessoas problemáticas. Então vamos falar de princípios!

1 – Princípio do Bem - Ninguém é destrutível porque quer. Claro que todos somos em alguns momentos, seja por raiva, tristeza ou frustração. O problema é quando a maldade é permanente ou continua. Isso pode acontecer, por exemplo, quando o pai amado morre ou o cara nunca teve a afetividade familiar desejada na infância, e essa carência é preenchida por este sentimento - a maldade - que causa a sensação de bem estar e de que não lhe falta nada.

2 - Princípio da Alegria - Ninguém é triste porque quer. As vezes somos, mas passa. Porém, pessoas negativas não conseguem ser felizes por si mesmas e buscam a felicidade no prazer de humilhar outras pessoas, ficando dependente dessas situações para ter um pouco de bem estar, esquecendo que a felicidade está dentro de cada um e não fora. A felicidade é contagiante, é mais fácil ser feliz perto das pessoas felizes. Quando estiver com alguém que só consegue ser feliz causando desgraça alheia lembre-se: ela não é assim porque quer, mas porque não consegue enxergar a vida como ela é.

3 - Princípio do Amor - Ninguém odeia porque quer. O ódio nasce cresce e se instala quando sofremos algum tipo de humilhação. O ódio é como uma planta, que quando se rega cresce. O ódio só fica anormal quando não vai embora. Quando impede que a gente perdoe quem nos humilhou. Então começa uma roda viva em que, cada ato movido pelo ódio gera mais ódio, quando somos incapazes de perdoar significa que: quem nos maltratou é superior a nós, tanto que os seus atos tem o poder de definir nossos sentimentos, na verdade essas pessoas cheias de ódio se sentem inferiores, imcapazes de amar, de perdoar.

4 - Princípio da Ação Positiva - Ninguém age negativamente por quer. Primeiro, agir de maneira negativa é não agir de acordo com que somos, mas que estamos. Não somos vingativos, em alguns momentos estamos ou ficamos vingativos. Este sentimento de vingança é temporário e é uma reação involuntária à ação de quem nos provocou. Isto significa que quem está decidindo a nossas ações não somos nós, mas o provocador. Se você reage, você faz o que a pessoa quer, mas se você agir (com consciência e não com a raiva). Você prova que é dono de si mesmo. Nossas ações devem vir de dentro de nós e não como reação ao que vem de fora. Não reaja, aja.

E para finalizar, que tal ler o livro Como lidar com pessoas difícies (Editora Nova Cultural)?

Fonte: Faz-me rir!com

domingo, 19 de dezembro de 2010

A ESCOLHA DE SOFIA...

A história dramática de Sofia (Meryl Streep), sobrevivente de um campo de concentração nazista que vive em Nova York, poucos anos depois do fim da Segunda Guerra. Ela vive com Nathan (Kevin Kline), um homem mentalmente desequilibrado e obcecado com o holocausto. Vizinho dos dois, o escritor Stingo (Peter MacNicol) se apaixona por Sofia e é para ele que ela vai contar sua triste história. O filme é narrado em flashback por Stingo. Baseado no romance de Wiliam Styron.

Fonte: CineClick

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

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Modo diferente de falar do amor...

                                                                                                  Imagem Bing
Frequentemente sou convidado para falar sobre o amor. Sinto certo constrangimento porque esta palavra – amor - é uma das mais desgastadas de nossa linguagem. E como fenômeno inter-pessoal, um dos mais desmoralizados. Para não repetir aquilo que todo mundo já sabe e ouve, costumo fazer uma abordagem inspirado num dos maiores biólogos contemporâneos: o chileno Humberto Maturana. Em suas reflexões o amor é contemplado como um fenômeno cósmico e biológico. Expliquemos o que ele quer dizer: o amor se dá dentro do dinamismo da própria evolução desde as suas manifestações mais primárias, de bilhões e bilhões de anos atrás, até as mais complexas no nível humano. Vejamos como o amor entra no universo.

No universo se verificam dois tipos de acoplamentos (encaixes) dos seres com seu meio, um necessário e outro espontâneo. O primeiro, o necessário, faz com que todos os seres estejam interconectados uns aos outros e acoplados aos respectivos ecosistemas para assegurar sua sobrevivência. Mas há um outro acoplamento que se realiza espontaneamente. Os topquarks, a primeira densificação da energia em matéria, interagem sem razões de sobrevivência, por puro prazer, no fluir de seu viver. Trata-se de encaixes dinâmicos e recíprocos entre todos os seres, não vivos e vivos. Não há justificativas para isso. Acontecem porque acontecem. É um evento original da existência em sua pura gratuidade. É como a flor que floresce por florescer.

Quando um se relaciona com o outro (digamos dois prótons) e assim se cria um campo de relação, surge o amor como fenômeno cósmico. Ele tende a se expandir e a ganhar formas cada vez mais inter-retro-relacionadas nos seres vivos, especialmente nos humanos. No nosso nível é mais que simplesmente espontâneo como nos demais seres; é feito projeto da liberdade que acolhe conscientemente o outro e cria o amor como o mais alto valor da vida.

Nessa deriva, surge o amor ampliado que é a socialização. O amor-relação é o fundamento do fenômeno social e não sua consequência. Em outras palavras: é o amor-relação que dá origem à sociedade; esta existe porque existe o amor e não ao contrário, como convencionalmente se acredita. Se falta o amor-relação (o fundamento) se destrói o social. Sem o amor o social ganha a forma de agregação forçada, de dominação e de violência, todos sendo obrigados a se encaixar. Por isso sempre que se destrói o encaixe e a congruência entre os seres, se destrói o amor-relação e com isso, a sociabilidade. O amor-relação é sempre uma abertura ao outro e uma con-vivência e co-munhão com o outro.

Não foi a luta pela sobrevivência do mais forte que garantiu a persistência da vida e dos indivíduos até os dias atuais. Mas a cooperação e o amor-relação entre eles. Os ancestrais hominídios passaram a ser humanos na medida em que mais e mais partilhavam entre si os resultados da coleta e da caça e compartilhavam seus afetos. A própria linguagem que caracteriza o ser humano surgiu no interior deste dinamismo de amor-relação e de partilha.

A competição, enfatiza Maturana, é anti-social, hoje e outrora, porque implica a negação do outro, a recusa da partilha e do amor. A sociedade moderna neoliberal e de mercado se assenta sobre a competição. Por isso é excludente, inumana e faz tantas vítimas como a atual crise revelou. Ela não traz felicidade porque não se rege pelo amor-relação. A atual crise se originou, em parte, pela excessiva competição e pela falta de cooperação. Vale uma sociedade com mercado mas não só de mercado.

Como se caracteriza o amor humano? Responde Maturana: “o que é especialmente humano no amor não é o amor, mas o que fazemos com o amor enquanto humanos; é a nossa maneira particular de viver juntos como seres sociais na linguagem; sem amor nós não somos seres sociais”.

Como se depreende, o amor é um fenômeno cósmico e biológico. Ao chegar ao patamar humano ele se revela como um projeto da liberdade, como uma grande força de união, de mutua entrega e de solidariedade. As pessoas se unem e recriam pela linguagem amorosa, o sentimento de benquerença e de pertença a um mesmo destino.

Sem o cuidado essencial, o encaixe do amor-relação não ocorre, não se conserva, não se expande nem permite a consorciação entre os demais seres. Sem o cuidado não há atmosfera que propicie o florescimento daquilo que verdadeiramente humaniza: o sentimento profundo, a vontade de partilha e a busca do amor. Estimo que falar assim do amor faz sentido porque nos faz mais humanos.

Por Leornado Boff
 
Fonte: Dom Total

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A aurora boreal cada vez mais intensa...

                                                                                 Imagem Bing
A aurora boreal, fenômeno luminoso que ocorre no pólo Norte geralmente na época dos equinócios, está se intensificando desde 2007 e deve atingir o ápice de luminosidade em 2012, segundo a Nasa...

O fenômeno é causado pelos ventos solares que carregam um fluxo contínuo de partículas elétricas liberadas pelas explosões que ocorrem na superfície do Sol. Quando estas partículas atingem os campos magnéticos da Terra algumas ficam retidas provocando a luminosidade intensa pela liberação de energia ocorrida com a colisão destas partículas com as moléculas e átomos presentes na atmosfera.
                                                        Imagem MSN  
O fotógrafo islandês Orvar Thorgiersson, 35, está registrando a evolução do fenômeno. "Agora há dias em que as luzes são tão claras que você pode ler um livro à noite. Elas são mais claras que a lua", diz.

O evento será causado pelo máximo solar, período em que o campo magnético no equador do sol roda num ritmo ligeiramente superior ao dos seus pólos.

O ciclo solar leva em média 11 anos entre um máximo solar e o outro.
                                                                                       Imagem MSN  
O último máximo solar ocorreu em 2000. Segundo a Nasa, o próximo, que ocorrerá em 2012, deve ser o maior desde 1958, quando a aurora boreal surpreendeu os habitantes do México com três ocorrências.
                                                              Imagem MSN  
Em 2012, espera-se que as luzes da aurora possam ser vistas até a latitude de Roma. No entanto, caso seja de fato tão intenso, o fenômeno poderá causar problemas a telefones celulares e sistemas de GPS pela liberação de energia num grau mais elevado.

Fonte: MSN

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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sublime...

Mulheres que Amaram Demais...

. Helena Sacadura Cabral regressa à biografia, género que desenvolve com mestria e apresenta-nos Mulheres que Amaram Demais.

. Marie Curie amou a ciência, Gala Dalí entregou-se à arte, a actriz Marlene Dietrich amou homens, mulheres e a sétima arte e Madre Teresa de Calcutá entregou-se a Deus

. A autora conta-nos a história destas extraordinárias 9 mulheres, com a sua visão sempre actual e irónica da realidade.

Sinopse:

O amor é um conceito intrigante. Existem diversas formas de amar, diferentes objectos de amor, formas díspares de viver e sentir este sentimento universal.. São mulheres que, durante o século XX, algumas delas muito à frente do seu tempo, amaram sem limites, nem preconceitos, desafiando convenções e modelos estabelecidos, entregando-se de corpo e alma à sua paixão. Depois do enorme sucesso de As Nove Magníficas, Helena Sacadura Cabral apresenta-nos Mulheres que Amaram Demais. Marie Curie amou a ciência acima de tudo, Gabrielle Chanel, a moda, Marguerite Yourcenar, a sua literatura, a extravagante Gala Dalí entregou-se à arte, Jacqueline Kennedy Onassis viveu sempre perto de homens de poder, a misteriosa Wallis Simpson deixou-se fascinar pelo estatuto e pela riqueza, Golda Meïr amou a terra, o povo e um projecto político, a actriz Marlene Dietrich amou homens, mulheres e a sétima arte, já Madre Teresa de Calcutá entregou-se a Deus e ao outro, sem limites. É a história destas extraordinárias mulheres, o modo como se entregaram ao amor físico, carnal, erótico e sensual, como viveram ao lado de homens e mulheres, companheiros que nunca lhes fizeram sombra, mas que serviram os seus propósitos, a forma como perseguiram os seus objectivos profissionais e de vida.

Sobre a autora:

O que é que define uma vida profissional? No caso de Helena Sacadura Cabral, é difícil dizê-lo. Economista de formação, ensinou na universidade o que, enquanto tal, aprendeu. Mas temperou esse ofício com aquilo que a vida lhe ensinou. Por gosto, é também cronista na imprensa e na rádio. E ainda escreve livros. Até à data, nove já publicados. Sobre aspectos variados da sociedade que nos rodeia que vão da economia à política, da sociologia à gastronomia, enfim, do reflectir ao sentir.

Qual é, então, a profissão que lhe deve ser atribuída? A esta pergunta, Helena responde que a sua carreira se define numa palavra: «existir»!

Fonte: Blog Clube dos Livros

domingo, 12 de dezembro de 2010

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A Retórica do Amor...



                                                                                               Imagem Grethopes
Roland Barthes e a retórica do amor...  Aos estilhaços, intertextualidades e vozes, como em O Prazer do texto, o livro Fragmentos de um discurso amoroso (1977), de Roland Barthes oferece-se à leitura distraída do amor. O leitor, ao folheá-lo, escolhe múltiplas formas para caminhar entre os aforismos, entre os fragmentos, entre “as rajadas de linguagem, que lhe brotam graças a circunstâncias íntimas, aleatórias” (FDA, p.12)*

Nessa rede de “dis-cursos” ou vozes romanescas tudo, no livro, surge como “algo que se leu, ouviu, experimentou”. (FDA, p.12). “Pouco importa, no fundo, que a dispersão no texto seja rica aqui e pobre ali: há tempos mortos, muitas figuras modificam-se; algumas, sendo hipóstases de todo o discurso de amor, possuem a própria raridade - a pobreza - das essências: que dizer da Languidez, da Imagem, da Carta de Amor, uma vez que é todo o discurso de amor que está tecido de desejo, de imaginário e de declarações?” (FDA, p.12-13).

No “inexprimível amor” é pois um apaixonado que fala e diz: “querer escrever o amor é enfrentar a desordem da linguagem: esta terra de loucura em que a linguagem é ao mesmo tempo muito e muito pouco excessiva (pela expansão ilimitada do eu, pela subversão emotiva) e pobre (devido aos códigos com os quais o amor a rebaixa e avilta)”. (FDA, p.128-130).

A escrita da paixão, composta de várias outras escrituras e fragmentos, no livro comporta e se inscreve em estratégias de espetáculo do/sobre o amor, seus riscos, glórias, seus lugares-comuns e esquizofrenias, concebida para ser feita em uma situação análoga ao apaixonado. Nesse jogo discursivo do amor entre a forma e o conteúdo, entre desafios e alegrias dos atores, que se garante o espetáculo amoroso.

Apesar de não ser um texto dramático, Roland Barthes (1915-1980), propõe uma semiologia dramática do amor para apresentar a sua “enunciação” (é ele que o define, enunciação e não análise) do discurso amoroso. O livro, como um diário da paixão, inicia com a seguinte frase: “é pois um apaixonado que fala e diz”, e, até ao final, percebemos de fato surgir em palavras, numa estrutura quase cênica, aquilo que todos já viveram - “o elogio das lágrimas”, “o ciúme”, “Que fazer?”, “O coração”, “A ressonância” e outros.

Arrumados assim, feito verbetes lúdicos de um dicionário do amor, o livro, contraditoriamente, tenta extrapolar esse discurso instaurando o amor pelo viés semiológico da leitura literária, pela vida, pela imaginação, pela linguagem que assume vários caminhos. Talvez, porque, o viés amoroso seja o que faz as pessoas se moverem e acreditarem em alguma coisa.

Por outro lado, os estilhaços de textos, feito um homem diante de um espelho, recuperasse em fragmentos constantes. Fragmentos de desejos, de realizações, de percepções. O homem diante da iniciativa de se autobiografar no discurso ou nos discursos do amor do outro. Como em Roland Barthes por Roland Barthes (1977), livro também escrito em fragmentos, Fragmentos de um discurso amoroso assinala a tentativa perturbadora, mas persistente, de dar voz a um coração que se descobre vazio.

Entre verbetes e significâncias do amor, o leitor, diante de vários enxertos, deve-se perceber como mais um personagem de romance e deve se permitir brincar, uma brincadeira séria de quem está submerso no texto, na linguagem, atento às armadilhas do sentimento e do discurso amoroso. Assim, Fragmentos de um Discurso Amoroso é, além de o “valor passado ao grau suntuoso do significante”, também uma experiência de leitura. Um prazer absoluto diante do texto e do homem que nele se mostra. “Escrever por fragmentos: os fragmentos são então perdas sobre o contorno do círculo: espalho-me à roda: todo o meu pequeno universo em migalhas; no centro, o quê?” (BARTHES, 1977, p.108).

O amor como desejo e representação presente nos fragmentos barthesianos, não se esgota nas palavras, nem se refere a realidade como tal. O discurso amoroso e romanesco, ao colocar-se como literatura e crítica semiológica ao mesmo tempo, libertasse das imposições da lógica tradicional e adquire a liberdade de estruturar-se segundo seus códigos. O texto barthesiano é algo feito com a linguagem, portanto a partir da linguagem, algo ao mesmo tempo a transforma, acresce, aperfeiçoa, interrompe ou a reduz. É vivo e desejante.

O leitor, acompanhando vertiginosamente o texto do amor, vai entrar em diálogo com a escritura, produzindo outra escritura (como esse ensaio). É, segundo o semiólogo francês, o lugar em que o texto ou discurso do amor se reescreve ao ser recebido e interpretado. O diálogo é uma escritura onde, segundo Bakthin, se lê o Outro. O diálogo bakthiniano designa aos olhos dessa escritura simultânea, como subjetividade e como comunicabilidade, ou melhor, como intertextualidade, um diálogo amoroso cujos actantes são outros textos.

A noção de sujeito amoroso da escritura começa a dar lugar a uma outra, a da ambivalência da escritura. Nesse sentido, Fragmentos do Discurso Amoroso é um texto em constante destruição onde se esconde/desvela o jogo do signo. O deciframento estilhaçado, como fragmentos metalingüísticos, aparece ao leitor como uma escolha. O discurso do amor, sempre à deriva e instigador, só existe a partir de uma recriação numa leitura subjetiva e individualíssima. A cada fruidor o livro despedaçado apresenta-se diferente de si mesmo, ao mesmo tempo completo e incompleto, pois “os signos não são provas, pois qualquer pessoa os pode produzir, falsos ou ambíguos. Daí resulta depreciar-se, paradoxalmente, a omnipotência da linguagem: uma vez que a linguagem nada garante, tomarei a linguagem por única e última garantia: não acreditarei mais na interpretação”. (FDA, p.234).

Nesse plano ou palco do amor, Fragmentos de um discurso amoroso (espécie de "miseen-scéne" amorosa) é um texto de objeto de prazer que está constantemente estruturando-se, mantendo-se num estatuto da enunciação amorosa de seus leitores.

Essa estruturação infinita do discurso, Barthes chama de significância - espaço específico onde se redistribui a ordem da língua - faz-se sensorial: o sentido das coisas, essencialmente da palavra amorosa, nasce de nossos sentidos, é sentido produzido sensualmente, o corpo e sua vivência, fragmentação da cultura, disseminação amorosa de suas características segundo fórmulas desconhecidas e virulentas.

Na "escritura-leitura do amor", "quem pretende a verdade só e encontra respostas com imagens fortes e vivas, que se tornam ambíguas, flutuantes quando as tenta transformar em signos: como em toda mântica, o cosultante apaixonado deve criar a sua própria verdade" (FDA, p.234). Nessa brincadeira de discursos, nos fragmentos justapostapostos, e em forma de palimpsesto, nasce um novo texto. Um texto múltiplo do amor, uma constante busca de significações já que " a função da escritura é colocar a máscara e, ao mesmo tempo, apontá-la". (BARTHES, 1974, p.136)

Feito o conto Amor, de Clarice Lipector , Barthes cria o discurso ou recorta fragmentos de amor em que o personagem depreende-se do mundo e experimenta a perda do eu. Em constantes buscas internas dos personagens no discurso imagético do amor, tanto Ana, como também outras vozes e o leitor, caracterizam-se pelo desdobramento do eu que se vê no ato de produção, ator e espectador de sei mesmos, sujeitos do espetáculo e objeto de gozo, captando uma consciência em fracionamento pela dissolução do eu nos vários fragmentos.

Eros-cupido capta, em Clarice, a protagonista do conto na alegoria do cego, enquanto Barthes, no espaço do discurso amoroso, faz do leitor rodopios de perda e busca, reencontro na linguagem da obra. Enamorados, Ana, do conto Amor e os leitores de Fragmentos de um discurso amoroso ficam encantados com as máscaras do discurso que ora se esconem, ora se revelam. O mundo e os signos amorosos são descobertos pelos seus avessos, o irreal e o mágico o reelaboram.

Nessa poética em fragmentos, com extrema delicadeza dos signos, Roland Barthes propõe uma aventura semiólogica em torno do amor que se dedica a desfazer o "tecido" amoroso para montar como nele se superpõem na escritura palimpsêstica os diversos códigos e os seus sentidos. O mundo semiológico do amor, fragmentado e intertextual, carente de entranhas. Ler o mundo dos signos e dessas entranhas amorosas, portanto, é conseqüentemente, ter as "chaves" desse código. Na perspectiva semiológica, ler e escrever o amor, como o ato de leitura em Barthes, são de tal sorte, momentos simultâneos de uma mesma ação semiótica.

A leitura comparada a um ato de amor, merece ou requer, como o ser amado, atenção, carinho, cuidado. A criação é um caminho para se chegar até o outro, para compartilhar sentimentos, experiências amorosas, sonhos, enfim: para compartilhar a vida. Por esse motivo a linguagem foi comparada por Bathes à experiência amorosa, quando ele diz: “a linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem contra o outro. É como se eu tivesse ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um duplo contacto: de um lado, toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indiretamente, colocar em evidência um significado único que ‘é eu te desejo’, e liberá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir ( a linguagem tem prazer de se tocar a si própria); por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, acaricio-o, toco-lhe, mantenho este contato, esgoto-me ao fazer o comentário ao qual submeto a relação.” (FDA, p. 98).

Escrever, para Barthes, "é colocar-se num imenso intertexto, quer dizer: colocar a própria liguagem, a sua própria produção de linguagem, no próprio infinito da linguagem”. (BARTHES, 1975, p.15). A noção de escritura amorosa barthesiana e os seus efeitos de textualidade advém, pois, dessa concepção sinuosa e à deriva, mas extremamente insinuante e reveladora. Tudo sugere um texto que pulsa e, sob a pela da linguagem amorosa, o texto-mundo deseja vorazmente. A leitura dos fragmentos, ao acompanhar a trajetória intertextual e labiríntica do discurso romanesco, lança-se na aventura semiológica da escritura barthesiana, habitando com o corpo vários discursos ficcionais, atendendo aos apelos dos signos literários.

Barthes, transgressoramente, nesse livro, parece estar no limiar de um romance, "ele toma, literalmente, notas para um romance que não escreveu, notas que são ao mesmo tempo a transcrição do seu livro que, afinal, não é um romance". (CALVET, 1993, p.244).

O que faz do livro uma espécie de metalinguagem do amor, "uma prática de imitação, de cópia infinita" (BARTHES, 1975, p.14). "[...] uma espécie de carrocel de linguagens imitadas. É a própria vertigem da cópia, devido ao fato de as linguagens se imitarem sempre uma às outras, de a linguagem não ter fundo, de não haver um fundo original da linguagem, de o homem estar perpetuamente embaraçado por códigos de que nunca atinge o fundo. A literatura é, de certo modo, essa experiência" (BARTHES, 1975, p.16).

De fato, tudo sugere o tempo todo as indagações: quais serão os códigos do amor? Haverá uma linguagem do amor? Barthes-escritor, combinando citações e suprimindo aspas parece confirmar que "não se copiam obras, copiam-se linguagens" (BARTHES, 1975, p.22). Na linguagem dos enamorados como seres solitários e incompletos, o discurso do amor surge como sentimento incompreensível. O livro, através de inúmeras citações e exemplos do tema confirma que é como o próprio ser amado descrevendo-se: lê-lo é conhecer o desconhecido eternamente. "[...] tudo se representa, pois, como uma peça de teatro". (FDA, p.133)."O apaixonado é, portanto, artista e o seu mundo é bem um mundo às avessas, pois toda a imagem é o seu próprio fim (nada para lá da imagem)" (FDA, p.170).

Em cada verbete, o sujeito do discurso amoroso registra as angústias mais veementes de um coração apaixonado e nos faz refletir acerca de ações banais, como a espera de um telefonema (ou a dúvida quanto a ligar ou não), o ciúme inexplicável que sentimos a ver um terceiro falando do nosso ser amado ou simplesmente o delírio da paixão amorosa.

Ciúmes, posses, discursos, signos, o desejo amoroso - trata-se de um livro para quem ama poder amar ainda mais. Para quem amou, sentir saudades e querer amar novamente. Ou para quem ainda desacreditado no amor, queira um dia voltar a amar, mas que não se contente com qualquer amor, e sim procure um amor ao menos parecido com aquele descrito por Barthes. "Os signos do amor alimentam uma imensa literatura: o amor é representado, reposto numa ética das aparências". (FDA, p.145).

Gozo da palavra romanesca, gozo por articular significantes - ao lado da leitura barthesiana que desvenda sentidos, gozo de criar, de reinventar o objeto do prazer, o prazer do texto, o prazer de ler, o prazer de amar puro e simplesmente!


Notas:
* todas as citações foram alusão a abreviatura FDA - Fragmentos de um Discurso amoroso.

Por Rodrigo da Costa Araújo

Fonte: Intenet doc pdf

sábado, 11 de dezembro de 2010

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Os Desentendidos da Paixão...

Valho-me de Roland Barthes, em Fragmentos de um discurso amoroso (o que   está entre aspas): “O lugar mais sombrio, diz um provérbio chinês, é sempre embaixo da lâmpada”.

O apaixonado não se entende e nem se faz entender. O que diz é sempre a repetição de seu estado de encantamento, eivado de quereres que o faz patinar na tentativa da expressão de si. Nunca apreendido pelo outro. Se xinga, elogia. Se elogia, solicita. Se cobra, arde na contradição. Em silêncio, berra. Gritando, nada em a dizer. O apaixonado está dentro da lâmpada, que, complicada, o atravessa. Ele nem sempre vê a própria luz projetada no próprio entendimento e no do outro.

“’Estou apaixonado? – Sim, pois espero.’ O outro não espera nunca. Às vezes quero representar aquele que não espera; tento me ocupar em outro lugar, chegar atrasado; mas nesse jogo perco sempre: o que quer que eu faça, acabo sempre sem ter o que fazer, pontual, até mesmo adiantado. A identidade fatal do enamorado não é outra senão: sou aquele que espera”.

O apaixonado sempre espera porque nunca se sente completo, pleno, satisfeito. Está condenado a se virar com o contentamento descontente (Camões) ininterrupto de sua lúcida loucura. A paixão é saco sem fundo, mundo sem fim. É opção? Escolha dele? É arrebatamento? Seqüestro racioemocional? Sabe-se lá! E ele se culpa. Culpam-no. Mas... por quê? O que há de errado em só esperar?

“Dizem-me: esse gênero de amor não é viável. Mas como avaliar a viabilidade? Por que o que é o viável é um Bem? Por que durar é sempre melhor que inflamar?” O durar é amor estabelecido na relação. O inflamar é intensidade: nada mais característico da paixão. Ela não entende o meio-termo, certa sensatez ou maneira pensada de conduzir as coisas. O apaixonado sempre pensa pelos hormônios, nervos, vísceras, coração. Aí, não há negar: o querer é rei e manda!... Obedece quem não tem nada a perder. Foge aquele que não sabe que essa cor integra o arco-íris da vida: personalíssima, frágil, rebelde e curta demais para alienar, aparentar robustez, ser conformada ou sobejamente longa para esnobar.

Os desentendidos da paixão, “Encontro pela vida milhares de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo”. O apaixonado sabe que o mundo existe, mas o representa a seu modo. Se não se acomoda ao encantado, que se dane o mundo! Essa fase de uma relação é isto: o apaixonado e o ser da paixão. Claro! O universo não se resume aos dois.

Ele, o universo, torna-se coadjuvante. Talvez o lance seja saber lidar com a paixão. Bem conduzida, pode virar amor, o lado pé-no-chão de um encontro. Sofrer o apaixonado talvez traga contratempos. Mas se não vivê-lo, como sabê-lo? Como saber o sabor de um querer que pode ser o porto seguro de um mundo no qual dois seres constroem-se na troca, num projeto de vidas que se confundem de forma simples, doce, gentil?

Na sombria luz do sentimento, o apaixonado nem sempre a vê nessa perspectiva. Fora da sombra ou da luz, os estranhos não enxergam. Isso não é para o entendimento dos desentendidos da paixão. Eles não podem compreender.


Autor: Wilson Correia

Fonte: Internet doc  pdf

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A Ética da Crença...

Muitos descrentes pensam que há algo de errado em crer em Deus sem provas; muitos crentes pensam que não há nada de errado. Quem tem razão? Este é o problema central de uma área importante da filosofia da religião chamada «ética da crença». Este livro apresenta três textos sobre o tema: os clássicos de W. K. Clifford e de William James, que deram origem à discussão actual, e um texto de Alvin Plantinga, um dos mais importantes filósofos da religião. O quarto texto, do organizador, fornece os instrumentos necessários para que forme a sua própria opinião, assim como uma análise do conceito de fé. De máximo interesse para professores e para estudantes de Filosofia, e também de Religião, este livro é de leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada em reflectir cuidadosamente sobre a crença religiosa.

Autor(s): Desidério Murcho, W. K Clifford, William James , Alvin Plantinga
Editora: Bozancio
Páginas: 208

Fonte: http://www.mulherportuguesa.com/index.php

Estava enfermo e me visitastes...

A pastoral dos enfermos pertence à mais lídima tradição do Cristianismo desde os inícios. Encontramos reflexos na carta de São Tiago: "Algum de vós está doente? Mande chamar os anciãos da Igreja e que estes orem, depois de tê-lo ungido com óleo em nome do Senhor" (Ti 5, 14). E a prática da Igreja primitiva atualizava, no fundo, o sermão escatológico de Mateus. No dia do juízo, quando o Filho do homem vier na sua glória, dirá às pessoas que visitaram os enfermos: "estava doente e me visitastes e com tristeza dirá aos que não visitam nunca os doentes o contrário: "estava doente e na prisão e não me visitastes". Todos conhecemos o jogo de surpresa de que o texto se reveste - quando Senhor te visitamos? – e Jesus responde identificando-se com os doentes (Mt 25, 31-46).

Até aqui as palavras da Escritura. Não soam injunção exterior que se nos impõe. Elas desvelam o interior das pessoas que visitam e são visitadas. Há uma beleza dos dois lados. Levam-se aos enfermos o óleo da graça e a palavra do conforto. Eles se alegram com a presença de pessoas de Igreja que chegam até eles com cantos, com a leitura da Escritura. São oásis de graça.

A cultura em relação à visita aos doentes tem modificado muito nos últimos tempos por força das transformações sociais. Fatores absolutamente fora do nosso alcance configuram nova situação. Refletir sobre ela ajuda-nos a ir ao encontro de saídas criativas.

Na cultura familiar tradicional, o hospital representava solução de emergência e última instância por breve tempo de modo que a casa permanecia o lugar privilegiado da visita aos enfermos. Famílias numerosas possibilitavam revezamento entre os filhos ou parentes no cuidado diário de enfermos ou anciãos.

A vida moderna em que homem e mulher trabalham fora dificulta presença contínua de algum parente junto ao enfermo. Daí a solução fácil do hospital ou do asilo. E quando isso acontece, o provérbio popular nos alerta: "longe dos olhos, longe do coração". E assim muitos corações se esfriam, se esquecem e lá estão os doentes entregues à triste solidão.

Acrescente-se ainda a sobrecarga de trabalho que a vida atual impõe a todos. Depois de 8 horas na labuta, sem contar aquelas perdidas no transporte público ou nos engarrafamentos cotidianos, as pessoas voltam exaustas para casa. Como ter energia ainda para cuidar de enfermos?

Quanto mais difícil se torna esse mister, tanto mais heroísmo exige das pessoas. Ainda existem anjos da guarda que cuidam com carinho e desvelo os parentes fragilizados.

A doença e a idade provocam duplo efeito. Abrem e fecham os corações paradoxalmente. A fragilidade em que se encontra a pessoa dispõe-na para receber mensagens de conforto e esperança. A fé cristã tem o maravilhoso anúncio pascal. Por mais trágica que seja a situação em que o enfermo esteja, Deus se mostra propício como aquele que se põe a seu lado na luta contra o mal físico e espiritual. Ele é o primeiro interessado a consolar quem se aflige com as dores e fraquezas. E Deus consola de duas maneiras. Por meio de nossas palavras humanas e por uma presença misteriosa dele no íntimo do ser humano. As visitas se tornam verdadeiros sacramentos. Sinais visíveis da graça invisível de um Deus atuante.

Às vezes o efeito da doença é oposto. A pessoa se fecha no mutismo, na solidão. Não deseja visita nenhuma. Sofre porque ela é a vítima. Diz-se a si mesmo: “por que eu? por que não podia ser outro"? Somam-se revolta, inveja, ressentimento. Projeta a raiva sobre outras coisas, pessoas. Torna-se difícil lidar com o paciente nesta fase. As palavras de consolo podem soar como anestésico sem efeito a longo prazo.

Nesse momento, requer-se tato pastoral. Antes de abordar o enfermo, mergulhemos um instante em Deus e peçamos-lhe a palavra adequada. À medida que nos aproximamos com essa transparência divina, com a gratuidade de quem só deseja o bem, há esperança de que o coração se abra. Nada como um olhar de bondade, uma voz de acolhida, uma palavra de compreensão. O risco são os lugares comuns, os discursos feitos que repetimos sem convicção e sem unção.

Ouçamos para concluir a São João que nos fala da unção, do Espírito que nos dá a palavra verdadeira de consolo aos irmãos necessitados: ”A unção, que dele recebestes, permanece em vós e não necessitais de ninguém para vos ensinar. Pois como a unção vos ensina tudo e é verdadeira e não mentirosa, permanecei nele conforme ela vos ensinou (1Jo 2, 27). No Espírito a nossa palavra será verdadeira.

Por João Batista Libâno

Fonte: Dom Total

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Devoro-te...

É a treva: rumo ao desastre...

                                                                                         Ilustração desconhecida
Uma jovem e talentosa atriz de uma novela muito popular, Isabelle Drummond, sempre que fracassam seus planos, usava o bordão:”É a treva”. Não me vem à mente outra expressão ao assistir o melancólico desfecho da COP 15 sobre as mudanças climáticas em Copenhague: é a treva! Sim, a humanidade penetrou numa zona de treva e de horror. Estamos indo ao encontro do desastre. Anos de preparação, dez dias de discussão, a presença dos principais líderes políticos do mundo não foram suficientes para espancar a treva mediante um acordo consensuado de redução de gases de efeito estufa que impedisse chegar a dois graus Celsius. Ultrapassado esse nível e beirando os três graus, o clima não seria mais controlável e estaríamos entregues à lógica do caos destrutivo, ameaçando a biodiversidade e dizimando milhões e milhões de pessoas.

O Presidente Lula, em sua corajosa intervenção no dia mesmo do encerramento, 18 de dezembro, foi a único a dizer a verdade:”faltou-nos inteligência” porque os poderosos preferiram barganhar vantagens a salvar a vida da Terra e os seres humanos. Obama não trouxe nada de novo. Foi imperial, ao impor minuciosas condições aos pobres.

Duas lições se podem tirar do fracasso em Copenhague: a primeira é a consciência coletiva de que o aquecimento é um fato irreversível, do qual todos somos responsáveis, mas principalmente os paises ricos. E que agora somos também responsáveis, cada um em sua medida, pelo controle do aquecimento para que não seja catastrófico. Depois de Copenhague mudou a consciência coletiva da humanidade. Se irrompeu essa consciência por que não se chegou a nenhum consenso?

Aqui surge a segunda lição que importa tirar da COP 15 em Copenhague: o grande vilão é o modo de produção capitalista, mundialmente articulado, com sua correspondente cultura consumista. Enquanto for mantido, será impossível um consenso que coloque no centro a vida, a humanidade e a Terra. Para ele o que conta é o lucro, a acumulação privada e o aumento de poder de competição. Faz tempo que ele distorceu a natureza da economia como técnica e arte de produção dos bens necessários à vida. Ele a transformou numa brutal técnica de criação de riqueza por si mesma sem qualquer outra consideração. Essa riqueza nem sequer é para ser desfrutada mas para produzir mais riqueza ainda, numa lógica obsessiva e sem freios.

Por isso, ecologia e capitalismo se negam frontalmente. Não há acordo possível.O discurso ecológico procura o equilíbrio de todos os fatores, a sinergia com a natureza e o espírito de cooperação. O capitalismo rompe com o equilíbrio ao sobrepor-se à natureza, estabelece uma competição feroz entre todos e pretende tirar tudo da Terra, até extenuá-la. Se assume o discurso ecológico é para ter mais ganhos

Ademais, o capitalismo é incompatível com a vida. A vida pede cuidado e cooperação. O capitalismo sacrifica vidas, cria trabalhadores que são verdadeiros escravos “pro tempore” e pratica trabalho infantil em vários paises.

Os negociadores e os líderes políticos em Copenhague ficaram reféns deste sistema. Esse barganha, quer ter lucros, não hesita em pôr em risco o futuro da vida. Sua tendência é autosuicidária. Que acordo poderá haver entre o lobo e o cordeiro, quer dizer, entre a natureza que grita por respeito e aquele que a devasta sem piedade?

Por isso, quem entende a lógica do capital, não se surpreende com o fracasso da COP 15. O único que ergueu a voz, solitária, como um “louco” numa sociedade de “sábios”, foi o presidente Evo Morales, da Bolívia: “Ou superamos o capitalismo ou ele destruirá a Mãe Terra”.

Gostemos ou não gostemos, esta é a pura verdade. Copenhague tirou a máscara do capitalismo, incapaz de forjar consensos porque pouco lhe importam a vida e a Terra mas antes as vantagens e os lucros materiais.

Por Leonardo Boff

Fonte Dom Total

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A Tempestade...

Uma história de dor e reconciliação - Última peça escrita por Shakespeare, A tempestade é Uma história de vingança, é uma história de amor, é uma história de conspirações oportunistas, e é uma história que contrapõe a figura disforme, selvagem, pesada dos instintos animais que habitam o homem à figura etérea, incorpórea, espiritualizada de altas aspirações humanas, como o desejo de liberdade e a lealdade grata e servil.

Uma Ilha é habitada por Próspero, Duque de Milão, mago de amplos poderes, e sua filha Miranda, que para lá foram levados à força, num ato de traição política. Próspero tem a seu serviço Caliban, Um escravo EM terra, homem adulto e disforme, e Ariel, o espírito servil e assexuado que pode se metamorfosear em ar, água ou fogo.

Os poderes eruditos e mágicos de Próspero e Ariel combinam-se e, depois de criar um naufrágio, Próspero coloca na Ilha seus desafetos (no intuito de levá-los à insanidade mental) e um príncipe, noivo em potencial para a filha. Se o amor acontece entre os dois jovens, se a vingança de Próspero é bem-sucedida, se Caliban modifica-se quando conhece os poderes inebriantes do vinho numa cena cômica com outros dois bêbados, tudo isso Shakespeare nos revela no enredo desta que por muitos é considerada sua obra-prima.

(Willian Shakespeare)

Fonte:



domingo, 5 de dezembro de 2010

Barco...

Trova do Vento que Passa...

Pergunto ao vento que passa
Notícias do meu país
E o vento cala a desgraça
O vento nada me diz.
O vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
Tanto sonho à flor das águas
E os rios não me sossegam
Levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
Ai rios do meu país
Minha pátria à flor das águas
Para onde vais? ninguém diz.

[se o verde trevo desfolhas
Pede notícias e diz
Ao trevo de quatro folhas
Que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
Por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
Quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
Direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
Vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
Ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
Nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
Dos rios que vão pró mar
Como quem ama a viagem
Mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
Vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
E fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
Nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
Só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
À beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
Se notícias vou pedindo
Nas mãos vazias do povo
Vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
Dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
E o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
Liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
Aqueles pra quem eu escrevo.]

Mas há sempre uma candeia
Dentro da própria desgraça
Há sempre alguém que semeia
Canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
Em tempo de servidão
Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não.

(Manuel Alegre)

Fonte: Poemas do Mundo

Quem tem poder...

Tem poder toda pessoa ou instituição capaz de decidir os rumos de nossas vidas. Isto é poder: é capaz de empregar-nos ou desempregar; aumentar ou reduzir o salário; oferecer ou não melhores sistemas de saúde e educação.

Não me interessa o poder dos marajás da Índia ou dos biliardários árabes. Não influem em minha existência. Sou indiferente ao poder do presidente da França ou do primeiro-ministro da Itália. Porém, toca-me o poder do presidente dos EUA, tamanha a influência econômica, ideológica e militar deste país no planeta. Vale adicionar à lista seu peso no meio ambiente, no avanço da ciência e no aprimoramento da tecnologia.

Poderoso é aquele que me salva ou condena, insere ou exclui, gratifica ou pune.

Posso prescindir do poder do chefe de uma empresa, desde que não trabalhe nela. Mas não posso prescindir de quem detém o poder político. Ainda que ele não tenha sido eleito pelo meu voto. Toda decisão política influi no conjunto da sociedade. Para o bem ou para o mal, depende do ponto de vista de quem é beneficiado ou prejudicado.

Por isso convém estar atento: quem tem nojo de política é governado por quem não tem. E tudo que os maus políticos querem é a maioria da população indiferente ao fato de fazerem na vida pública o que fazem na privada...

Como me relaciono com a pessoa que, próxima a mim, detém poder sobre meu destino? Eis uma questão que, infelizmente, Freud e seus sucessores não aprofundaram tanto como o fizeram os dramaturgos gregos na Antiguidade, Shakespeare e nosso Machado de Assis.

A tendência é o subalterno, quando mais apegado à função que a seu espírito crítico, se infantilizar frente ao superior: ri do que não tem a menor graça, elogia o que não merece consideração, procura adivinhar-lhe gostos e preferências. Trata-se de um jogo típico de criança que se esforça por seduzir o adulto para, em troca, obter carinho e realização de suas aspirações.

Muitos que detêm o poder nutrem seus egos graças à corte de bajuladores. E tendem a não aceitar que o critiquem. Se alguém se atreve a fazer-lhes crítica, há que, primeiro, escolher cuidadosamente as palavras, de modo a não ferir-lhes a sensibilidade, assim como uma agulha é capaz de fazer estourar um balão.

A maioria se cala diante do poderoso, ainda que lhe conheça contradições e defeitos. Raras as pessoas que, em cargos de chefia, ousam repetir a iniciativa de um gerente de empresa que, uma vez ao mês, reservava uma hora para ouvir críticas de seus subordinados. E ainda mantinha uma caixa de correspondência para quem preferisse fazê-lo anonimamente.

Segundo ele, a opinião que temos de nós mesmos e de nosso desempenho quase nunca confere com a de quem conosco convive. Saber ouvir críticas é um ato de humildade e tolerância. Humildade deriva de húmus, terra; humilde não é o bobo e sim quem mantém os pés no chão, sem voos egolátricos nem se deixar atolar na baixa autoestima.

Muitos defeitos poderiam ser corrigidos em instituições e empresas se os funcionários e subalternos tivessem canais para expressar críticas e sugestões. Em que hospital os pacientes avaliam os médicos? Em que escola os alunos dão notas aos professores? Em que igreja os fiéis questionam seus bispos e pastores?

Há pessoas, em especial na esfera da política, que só se sentem bem imantadas pela aura do poder. Quando estão próximas, demitem-se de qualquer consciência crítica e agem ridiculamente como papagaios de pirata, sempre se empenhando para se dependurarem no ombro do poderoso.

Porém, se as circunstâncias as distanciam do poder, sentem-se humilhadas, desprezadas, e deixam-se entupir de mágoas e iras. O poderoso ontem bajulado passa a ser objeto de críticas mordazes. É a síndrome da expulsão do Paraíso...

O melhor antídoto à sedução do poder é a espiritualidade. Não apenas no sentido religioso, mas sobretudo no que concerne ao aprofundamento subjetivo de valores éticos. Quem gosta de si mesmo não precisa mendigar o olhar alheio. Nem sempre prestamos atenção no preceito de Jesus: “Amar o próximo como a si mesmo.” Se não tenho boa autoestima, dificilmente saberei encarar o próximo com benevolência e compaixão.

Muitos caminhos conduzem a essa conquista interior. Para mim, a mais pedagógica é a meditação, esse silencioso exercício de deixar que Deus me habite para que eu possa abrir portas do coração e janelas da mente aos semelhantes e à natureza.
 
Por Frei Betto
 
Fonte: Dom Total

sábado, 4 de dezembro de 2010

Fiz um conto para me embalar...

Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.

Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.

Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.

De: Natália Correia

Fonte: Poemas do Mundo

Leshana Habaa Birushalayim...

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

E se o Estado chegasse à favela?...

As forças policiais e militares entram no Complexo do Alemão - pequeno quando comparado com algumas das favelas do Rio de Janeiro - e as imagens não se distinguem de uma qualquer guerra. Como se chegou a este ponto?

A ausência de Estado não leva à ausência de poder. Nem sequer à ausência de opressão. As relações de poder criam-se sempre, no vazio que o Estado deixa. No caso de muitas das favelas do Rio - e em muitas regiões da América Latina - ele é substituído pelo poder do narcotráfico. E percebe-se porquê. Ele tem tudo o que um Estado precisa - recursos financeiros, humanos e bélicos - para garantir o monopólio da violência e impor os seus próprios códigos e leis. Sem democracia nem normas que defendam os cidadãos do abuso.

Quando falo de ausência de Estado, não falo apenas (nem sobretudo) de forças repressivas. Falo de infra-estrtutras, apoio social e democracia. Na realidade, o único contacto que uma parte da população carioca tem com o Estado é com a polícia. Até agora, o Estado ofereceu-lhes pouco mais do que os traficantes: violência, corrupção e atropelo sistemático à lei. O Estado representou sempre um elemento estranho a estas comunidades, abandonadas à sua própria sorte. "Tropa de Elite", que fez vibrar os espíritos vingativos de muita classe média brasileira, retratava, com tons de heroísmo, esse Estado tão violento como laxista.

As entradas nas favelas foram sempre feitas através de incursões punitivas que deixavam atrás de si um banho de sangue. Corro o risco de ser optimista, mas há alguma coisa que está a mudar. E a imagem de muitos populares das favelas a aplaudir esta invasão - é disso que se trata -revela essa mudança.

A Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) tiveram o objectivo de mudar esta forma de actuar. Tratam-se de forças de ocupação. Forças que pretendem permanecer no local. As bandeiras brasileiras e do Estado do Rio de Janeiro, nos pontos mais altos do Complexo do Alemão, simbolizam essa ideia. Mas, ainda assim, continuava a tratar-se de uma ocupação quase exclusivamente repressiva, em que o poder dos traficantes era substituído pelo poder das forças policiais.

Esta ocupação de guerra, precipitada pela reacção dos traficantes, tem algumas diferenças com o passado. Apesar de mais de trinta mortes, sabe-se que entre eles não estão as dezenas de inocentes que as entradas policiais nas favelas costumam trazer. Não há, apesar de tudo, os relatos da violência indiscriminada costumeira, que trata todos os moradores como potenciais criminosos. E há uma diferença no discurso do poder político. Ele fala de direitos humanos e, acima de tudo, do que tem de ser feito (e no complexo do Alemão alguma coisa já foi feita) para lá e depois da acção policial: mais investimento nas infra-estruturas básicas e comunitárias para aquelas populações. E, por cansaço e por uma boa dose de esperança que resulta destas duas novidades, a reacção das populações das favelas é diferente.

O optimismo nasce desta ideia: parece existir vontade política para mudar o estilo de intervenção que, assumindo que sem segurança não há liberdade, vai muito para lá do discurso da "lei e da ordem". Quer Estado, mas completo: com democracia e o mínimo de direitos sociais. Sabendo que a vantagem do Estado Democrático sobre o poder dos traficantes não vem com os seus tanques. Vem com direitos e deveres. Se, reconquistada esta pequena favela, o poder político não se esquecer disto, há razões para o optimismo dos cariocas - os das favelas e os outros. Porque todos sabem que não há ocupação militar de partes de uma cidade que garanta a paz. Só quando os favelados forem brasileiros por inteiro aceitarão as leis que, até hoje, nunca lhes serviram de muito.

Se o governador do Rio de Janeiro (Sérgio Cabral) for coerente com o que diz (e sabemos que palavras não chegam) e vencer esta batalha, mostra que as preocupações sociais e a defesa da segurança pública não só não são contraditórias como, pelo contrário, são a única resposta eficaz à criminalidade. Porque nem os reis da droga são vítimas da exclusão social - eles são os exploradores na sua forma mais primitiva -, nem as populações das favelas têm de estar condenadas à marginalidade. Porque a segurança não é, nunca foi, uma questão essencialmente policial. Ela é, antes de mais, uma questão política que se resolve com um Estado Democrático, respeitador dos direitos humanos e promotor da igualdade social. É isso que Sérgio Cabral tem dito. Veremos se é isso que fará.

Por Daniel Oliveira
 
Fonte: Expresso Online

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Você...

Delinquência e privação...

Quem se sente culpado não age -no máximo, ele espera que suas vítimas se vinguem

UMA CENA emblemática da desfeita (temporária ou não) do tráfico carioca foi a visão de um punhado de traficantes armados, correndo e tropeçando, fugindo da Vila Cruzeiro em direção ao Morro do Alemão.

Um amigo comentou que esses restos esfarrapados de um exército na debandada lhe davam pena. "Pena?", estranhei. O amigo respondeu que ele conhece as crueldades das quais os traficantes são capazes, mas, acrescentou, "no fundo, eles são as verdadeiras vítimas". "Vítimas de quê?", perguntei. "Da miséria, da exclusão, da pobreza material e moral", ele respondeu, com condescendência.

Meu amigo não é bronco: ele sabe que nem a miséria nem a exclusão são suficientes para produzir um delinquente. Justamente, os fugitivos da Vila Cruzeiro eram um punhado: o crime, no morro, é a escolha de pouquíssimos.

Ainda assim, meu amigo acredita que as durezas são, no mínimo, uma causa coadjuvante da delinquência. Quando e como surgiu essa ideia?

Não sei dizer, mas um marco é a carta endereçada ao British Medical Journal, no fim de 1939, por J. Bowlby, D.W. Winnicott e E. Miller; ela é reproduzida no começo de "Privação e Delinquência" (Martins Fontes), que reúne os extraordinários textos de Winnicott sobre o tema. A carta foi escrita enquanto, na Inglaterra, as crianças citadinas eram evacuadas para lares rurais, na intenção de protegê-las dos bombardeios. Os autores assinalam que, para crianças entre 2 e 5 anos, a separação prolongada de seus lares é "um importante fator externo na causação de delinquência" futura.

Entre as crianças evacuadas estavam os protagonistas de "As Crônicas de Nárnia" (livros e filmes), e as crônicas talvez ofereçam um prognóstico complementar ao da carta que citei.

Pelas crônicas, as crianças que forem privadas de um lar não se tornarão necessariamente más e transgressoras: elas tentarão conferir a suas vidas uma dimensão "heroica", do jeito que der -como se, na falta de um lar onde ser tranquilamente quaisquer, elas precisassem transformar suas vidas em epopeias. Com isso, algumas lutarão ao lado do leão Aslam, uma delas trairá Nárnia e, mais perto de nós, algumas inventarão sua própria épica grotesca brandindo armas do alto de um morro carioca.

Seja como for, aceito a ideia de Bowlby e Winnicott de que a privação de amor e de cuidados maternos pode ser uma das causas da delinquência. Mas essa constatação inicial engendrou uma versão "ampliada" pela qual, em geral, uma infância sofrida explicaria a delinquência do adulto.

O elo é que uma frustração trivial, imposta a uma criança, pode funcionar como uma privação afetiva: se não tenho o tênis que quero é porque a mãe (indigna) não me ama. Portanto, quem sofre pela falta de um tênis está sendo, de fato, privado de amor (e tem mais chances de se tornar delinquente).

Ora, para que serve essa ideia de que as frustrações produziriam delinquência? Pois bem, essa ideia nos permite, por exemplo, explicar a existência do mal: a delinquência existe porque frustramos cruelmente um monte de crianças. Ou seja, a nossa culpa organiza e torna inteligível o mundo.

Será que com isso nossa ação será mais fácil? Afinal, se o mundo é iníquo por culpa nossa, não deveria ser simples mudá-lo? Infelizmente, não é assim que a culpa funciona: quem se sente culpado não age -no máximo, ele espera que suas vítimas se vinguem. Conclusão: podemos idealizar a delinquência como justa revanche dos que nós, egoístas, privamos de tênis e de amor.

Meu amigo diria: por que não? A revanche não seria um bom jeito de fazer justiça? Seria, mas a espera da revanche dos privados e dos frustrados nunca passa de uma atitude retórica para amenizar a culpa, que, de novo, não leva a ação alguma, só a lamúrias em prol, como dizia meu amigo, das "verdadeiras vítimas" (as falsas, "obviamente", seriam as que sofrem com a violência delinquente).

Agora, uma boa notícia: ao longo do fim de semana, exceção feita pela observação de meu amigo, não escutei nenhum ato de contrição. É uma boa notícia, porque isto aprendi ao longo de minha clínica: só é possível agir e mudar (um pouco) o mundo com a condição de se liberar da culpa e da falsa compreensão que ela produz.

Talvez, desta vez, sem as ladainhas da culpa, algo mude no Rio de Janeiro.
 
Por Contardo Calligaris
 

Fonte: Contardo Calligaris

...

A Guerra da Paz...

                                                                                                                 Imagem Bing
Quantas Guerras
teremos que enfrentar?...
para, enfim..., encontrar:
os Laços da Paz!...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Felicidade e alegria...

                                                                                                                             Imagem Bing
Ser alegre (muito melhor do que ser feliz) é gostar de viver mesmo quando a vida nos castiga...

QUANDO EU era criança ou adolescente, pensava que a felicidade só chegaria quando eu fosse adulto, ou seja, autônomo, respeitado e reconhecido pelos outros como dono exclusivo do meu nariz.

Contrariando essa minha previsão, alguns adultos me diziam que eu precisava aproveitar bastante minha infância ou adolescência para ser feliz, pois, uma vez chegado à idade adulta, eu constataria que a vida era feita de obrigações, renúncias, decepções e duro labor.

Por sorte, 1) meus pais nunca disseram nada disso; eles deixaram a tarefa de articular essas inanidades a amigos, parentes ou pedagogos desavisados; 2) graças a esse silêncio dos meus pais, pude decretar o seguinte: os adultos que afirmavam que a infância era o único tempo feliz da vida deviam ser, fundamentalmente, hipócritas; 3) com isso, evitei uma depressão profunda pois, uma vez que a infância e a adolescência, que eu estava vivendo, não eram paraíso algum (nunca são), qual esperança me sobraria se eu acreditasse que a vida adulta seria fundamentalmente uma decepção?

Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda: 1) quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta; 2) quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes.

Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de uma outra época da vida -que ainda não chegou ou que já passou.

No filme de Arnaldo Jabor, "A Suprema Felicidade", que está em cartaz atualmente, o avô (extraordinário Marco Nanini) confia ao neto que a felicidade não existe e acrescenta que, na vida, é possível, no máximo, ser alegre.

Claro, concordo com o avô do filme. E há mais: para aproveitar a vida, o que importa é a alegria, muito mais do que a felicidade. Então, o que é a alegria?

Ser alegre não significa necessariamente ser brincalhão. Nada contra ter a piada pronta, mas a alegria é muito mais do que isso: ser alegre é gostar de viver mesmo quando as coisas não dão certo ou quando a vida nos castiga. É possível, aliás, ser alegre até na tristeza ou no luto, da mesma forma que, uma vez que somos obrigados a sentar à mesa diante de pratos que não são nossos preferidos ou dos quais não gostamos, é melhor saboreá-los do que tragá-los com pressa e sem mastigar. Melhor, digo, porque a riqueza da experiência compensa seu caráter eventualmente penoso.

Essa alegria, de longe preferível à felicidade, é reconhecível sobretudo no exercício da memória, quando olhamos para trás e narramos nossa vida para quem quiser ouvir ou para nós mesmos. Alguém perguntará: é reconhecível como?

Pois é, para quem consegue ser alegre, a lembrança do passado sempre tem um encanto que justifica a vida. Tento explicar melhor.

Para que nossa vida se justifique, não é preciso narrar o passado de forma que ele dê sentido à existência. Não é preciso que cada evento da vida prepare o seguinte. Tampouco é preciso que o desfecho final seja sublime (descobri a penicilina, solucionei o problema do Oriente Médio, mereci o Paraíso).

Para justificar a vida, bastam as experiências (agradáveis ou não) que a vida nos proporciona, à condição que a gente se autorize a vivê-las plenamente.

Ora, nossa alegria encanta o mundo, justamente, porque ela enxerga e nos permite sentir o que há de extraordinário na vida de cada dia, como ela é.

É óbvio que não consegui explicar o que são a alegria e o encanto da vida. Talvez eles possam apenas ser mostrados: procure-os em "Amarcord" (1973), de Federico Fellini, em "Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas" (2003), de Tim Burton ou no filme de Jabor. "A Suprema Felicidade" me comoveu por isto, por ter a sabedoria terna de quem vive com alegria e, portanto, no encantamento.

Segundo Max Weber (1864-1920), a racionalidade do mundo industrial teria acabado com o encanto do mundo. Ultimamente, bruxos, vampiros, lobisomens, deuses e espíritos andam por aí (e pelas telas de cinema); aparentemente, eles nos ajudam a reencantar o mundo.

Ótimo, mas, para reencantar o mundo, não precisamos de intervenções sobrenaturais. Para reencantar o mundo, é suficiente descobrir que o verdadeiro encanto da vida é a vida mesmo.

Por Contardo Calligaris
 
Fonte: Blog contardo calligaris