sábado, 29 de maio de 2010

O meu Olhar é Nítido como um Girassol...


  O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e a esquerda
E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei Ter o pasmo essencial que tem uma criança
Se ao nascer, reparasse que nasceras deveras...

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo

Creio no mundo como um malmequer
Porque o vejo, mas não penso nele
Porque pensar é não compreender

O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
                                                                                                                         Foto MSN BRASIL
Eu não tenho filosofia, tenho sentidos...
Se falo na natureza não é porque a amo, amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama.
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência
E a única inocência é não pensar...


por Alberto Caeiro de Fernando Pessoa

(FONTE: Wikisource, a biblioteca livre)

Dados bibliográficos para O meu olhar é nítido como um girassol

Página: O meu olhar é nítido como um girassol
Editoriação e revisão: Contribuidores do Wikisource
Editor: Wikisource, a biblioteca livre.
Data da última revisão: 12 de Abril de 2007, 04h39min (UTC)
Acessado em : 29 de Maio de 2010, 21h08min (UTC)
Endereço permanente: http://pt.wikisource.org/w/index.php?title=O_meu_olhar_%C3%A9_n%C3%ADtido_como_um_girassol&oldid=60894
ID da Versão de Página: 60894

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Uma Semente Sagrada

Oh, Erva poderosa
Que vem de tão longe!...

Mas tão longe
Que eu nem sei
De qual o país ou a nação...

Só sei que veio do infinito
E ficou plantada
Na imensidão verde
Do meu coração...

Exalando poesia
Em presente de sementes!...
                                                                                     Foto MSN BRASIL
Iluminando o mundo
Trilhando os caminhos
Festejando as culturas
Com sua ciência tradicional.....


(Ibã, Rosa, Tenê, in memória Ixã)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Política Mundial de Drogas Ilícitas: Um Mundo Livre de Drogas... ou Direitos Civis?

 A última palavra da ONU

Em 1998 a Assembléia Geral das Nações Unidas realizou uma Sessão Especial (UNGASS) dedicada à discussão da política mundial de drogas. Durante a terceira convenção, a defesa de políticas mais pragmáticas e livres de qualquer diretriz mundial já ganhava alguma força. Dez anos depois, a maior parte dos países europeus ocidentais, o Canadá e Austrália já as aplicavam concretamente e reivindicavam agora por reconhecimento e maior autonomia de ação.

Sob o inaferível argumento de que os danos causados pela política desenvolvida pela ONU eram menores do que aqueles causados pelo consumo de drogas, mesmo considerando apenas as situações de abuso, a UNGASS ratificou as Convenções-Irmãs e colocou ao mundo um desafio, que na realidade, sob a óptica histórica, se constitui numa quimera: erradicar até 2008 a produção e o consumo de drogas ilícitas do planeta (Um mundo livre de drogas – podemos consegui-lo!) (UNO, 1998). Os pontos-chave debatidos no encontro foram os precursores químicos, os derivados anfetamínicos (entre eles o ecstasy), a cooperação judicial, a lavagem de dinheiro, a redução de demanda e a eliminação das plantações, com desenvolvimento de culturas alternativas (Jelsma, 2003). Há cinco anos da meta de erradicação planetária do “mal”, a ONU realizou em 2003 uma sessão intermediária para discutir o andamento do processo. Os resultados parciais foram considerados favoráveis e as estratégias rumo a 2008, mantidas (UNODC, 2004b).

Nenhum comentário sobre a existência de políticas alternativas à repressão foi incluído no relatório final, mesmo aquelas sabidamente eficazes para a prevenção da AIDS e outras DSTs, em frontal contradição com outras instâncias da própria ONU. Em suas recomendações gerais, o relatório trata do tema sucintamente, expressando preocupação acerca dos “esforços necessários para a redução da demanda de drogas ilícitas e para lidar com os problemas relacionados à transmissão do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV/AIDS) e outras doenças infecciosas, de acordo com o que foi proferido pelas convenções de controle de drogas” (UNODC, 2004b).

Um mundo livre de... drogas ou direitos civis?

Talvez tenha sido o século XIX o mais frutífero e pragmático de todos. As revoluções Científica e Industrial abriram espaço para uma expansão tecnológica e comercial sem precedentes na história. Nesse mesmo século, a luta pela universalidade dos direitos civis atingiu e ganhou corpo constitucional em todas as nações ocidentais, lançando as bases para o surgimento do Estado de Direito.

Nesse contexto, apareceu o consumo de drogas contemporâneo, massificado e convertido em produto de consumo, ora incorporado ao instrumental médico, ora considerado danoso e merecedor de políticas de regulamentação e controle.

Além dos problemas médicos e sociais acarretados para o indivíduo, o consumo contemporâneo de drogas sempre foi associado ao mundo do crime, como um elemento capaz de sublevar massas e reforçar comportamentos anti-sociais (Musto, 1987; Musto, 2001).

Tem sido responsabilizado, ainda, pelo surgimento e o fortalecimento do crime organizado, cada vez mais difundido e influente dentro do aparelho estatal, sem que se questione se o fomento dessa nova criminalidade se deu em razão do comércio de drogas ou em função da clandestinidade que lhe foi imposta pelo proibicionismo (Escohotado, 1995; Glasser et al, 1997, Musto, 2001).

O aumento da criminalidade e da violência nas últimas décadas do século XX decorreram de uma complexa rede de acontecimentos, influenciados por fatores econômicos, políticos e culturais, alguns deles apresentados ao longo deste texto.

Por quase todo século XX, as políticas públicas de drogas tentaram lidar com a questão dividindo-a em dois flancos: os problemas de saúde relacionados ao consumo individual mereceram ações sanitaristas e assistenciais, voltadas para a prevenção e o tratamento dos usuários. Já os danos sociais suscitaram a criação de instituições repressoras, tendo o direito penal como seu principal instrumento (Passetti, 1991; Militello, 1997).

Há algumas explicações para fenômeno da violência contemporânea. A exclusão territorial e social observada em todo o mundo (imigrantes nos países ricos, concentração de renda nos pobres), tornou indivíduos, famílias e comunidades particularmente vulneráveis, abrindo espaço para a violência e o conflito. Nesses locais não há oferta de emprego, tampouco opções de lazer. As pessoas desempregadas transformaram-se num formidável “plantel de reserva” sendo facilmente cooptadas pelo tráfico de drogas, o que realimenta o crime. Fix (2001) afirmou que a “segregação sócioespacial-ambiental” da população paulistana para bairros mais distantes, ao longo das últimas décadas, reduziu as chances de emprego e propiciou abandono à infância, uma vez que as mães ficam mais horas do dia ausentes. Além disso, há um contato cotidiano dessa população com a falta de saneamento, enchentes, medo de despejos e violência. Dessa forma, a violência mostra-se relacionada a outros vetores, e, quando ocorre na vigência do consumo de substâncias psicoativas é contextualizada, ficando sua importância, em grande medida, dependente de fatores individuais, sociais e culturais (Minayo ET al, 1998).

A ocorrência de crimes de natureza aquisitiva, isto é, aqueles que visam a angariar fundos para o consumo de drogas, parece compreender apenas parte dos crimes relacionados às substâncias psicoativas. Por sua vez, o tráfico de drogas está mais vinculado à violência decorrente da a ausência de um foro formal para a resolução das questões envolvidas no funcionamento orgânico desse tipo de atividade comercial ilícita (Minayo et al, 1998; Szwarcwald et al, 1998), o que leva ao surgimento de alternativas baseadas na autotutela, corroboradas pelo meio propício à exclusão onde se instalaram. Esse último mostra-se igualmente carente e descrente do Estado como instituição capaz de oferecer caminhos formais para a resolução de conflitos (Minayo et al, 1998). Devido a isso, tais alternativas têm na violência o principal modo para a solução e o disciplinar das questões de mercado e de convívio, atribuindo aos homicídios força de lei para lidar com delatores, mau-pagadores e concorrentes do tráfico.

A presença de indivíduos extremamente jovens no cotidiano do tráfico de drogas decorre provavelmente das desigualdades sociais do país, constatadas por meio da concentração de renda e da ausência de oportunidades, tais como nutrição, educação, assistência médica, habitação e formação profissional adequadas (Szwarcwald et al, 1998). Em contrapartida, o mercado ilegal do tráfico oferece possibilidades de ascensão e de relações de reciprocidade social, vantagens imediatas raramente encontradas nessas regiões socialmente excluídas (Minayo et al, 1998; Szwarcwald et al, 1998; Baptista et al, 2000).

Em meio à insegurança gerada pela massificação da violência e pelo crescimento do crime organizado, as soluções têm partido de premissas maniqueístas: as drogas são as responsáveis pelo surgimento do crime e suas máfias, os usuários são seus maiores mantenedores e a repressão amparada na sanção penal, a melhor saída (Escohotado, 1995; Glasser, 1997).

Desse modo, a política de drogas em países como os Estados Unidos tem um eixo de conotação tipicamente militarista e acabam se tornando mais uma política de segurança pública do que de saúde, com intervenções cada vez mais profundas do Estado sobre os direitos civis e endurecimento das medidas punitivas e restritivas de direitos (Glasser, 1997). Segundo Karam (1997), enquanto o sistema penal é proposto como a ‘fórmula mágica’ para erradicar as drogas ilícitas e devolver à sociedade a paz e segurança, o que se observa é “a intensificação do controle do Estado sobre a generalidade dos indivíduos”. Nos últimos tempos (e ao longo da História), conforme o aparato repressivo se mostra incapaz de combater a violência e o crime, novas soluções repressivas foram sendo criadas. Exemplo dessa tendência são as cortes de drogas estadunidenses: como o Direito Penal foi incapaz de sancionar a ordem, passa a funcionar também como agente assistencial e terapêutico. Em momento algum, porém, foi questionado se este, desde o início, era o fórum mais adequado para o tratamento dessa questão.

No que diz respeito ao dependente de drogas, a criminalização do porte cria uma situação no mínimo paradoxal: de um lado, é considerado indivíduo com direito à assistência médica e psicossocial. De outro, alguém suscetível de sanções penais, esvaziado, assim, de seus direitos civis. O quanto tal cisão retarda e dificulta o seu acesso ao tratamento é um tema para estudos futuros.

Vivemos um momento de profunda crise social e as respostas mais atraentes, ainda que meramente simbólicas, têm sido a adoção de políticas que recrudescem o tratamento punitivo dado ao cidadão usuário de substâncias psicotrópicas e aumentam as instâncias de controle estatal sob a totalidade dos indivíduos, mediante a adoção de medidas que restringem ou suprimem direitos e garantias individuais conquistadas ao longo da história como se pretendeu demonstrar no presente trabalho. Urge, portanto, reagirmos à imposição de uma unanimidade de ação política buscando alternativas criativas e viáveis e questionando sempre, especialmente quando a realidade nos é exposta sob o filtro de uma única ideologia o que nos conduzirá, fatalmente, a incorrer em ilusões de ótica.

Marcelo Ribeiro = Juiz e advogado e ministro do TSE - ministro do tribunal, (jornalista) - Repórter fotográfico do jornal Tribuna de Minas

Maurides de Mello Ribeiro = Professor Livre-Docente do Departamento de Direito Penal. e professor de Direito Penal na Universidade São Judas, em São Paulo, e nas Faculdades de Campinas; presidente da Comissão de Política para as Drogas do IBCCRIM) conversando sobre “Drogas e Política Criminal”.

(FONTE: doc PDF, Internet)


quarta-feira, 19 de maio de 2010

Terra Vermelha...

  Obra do cineasta ítalo-chileno Marco Bechis, o filme-documentário retrata os conflitos pela posse de terras enfrentados por índios guarani kaiowá no Mato Grosso do Sul...

Olho no olho, o cacique e o fazendeiro duelam emocionalmente pela posse da terra. A cena do conflito é dramática e representa um ato que ocorreu na pequena Dourados (MS) anos atrás. Nela, o branco alto – ou caraí, como é chamado pelos índios – se agacha e recolhe um punhado de terra com a mão e diz em alto e bom som: “Essa terra meu avô conquistou!”. Diante da cena interpretada pelo ator Leonardo Medeiros, o cacique faz um gesto parecido, porém, um tanto mais humilde. Agarra o mesmo tanto de terra e o leva a boca, mastigando a mistura como se fosse farinha.

A tensão da cena exibida pelo filme “Terra Vermelha” (Birdwatchers), dirigido pelo ítalo-chileno Marco Bechis, retrata os conflitos de posse de terras enfrentados por índios guarani kaiowá, cuja maioria encontra-se no Mato Grosso do Sul e próximo à fronteira tríplice Paraguai/Argentina/Brasil.

A ocupação de terras por indígenas reportada pela mídia revela a situação deplorável em que vivem, o espaço é limitado e não comporta o seu modo de vida cultural, resultando em disputas com fazendeiros, assassinatos, desnutrição, alcoolismo, mortalidade infantil, e uma taxa assustadora de suicídios.

Em “Terra Vermelha”, Bechis usa esses elementos como pano de fundo e, por meio de belas imagens, boas atuações e um roteiro muito bem feito, preciso e dramático, consegue surpreender o espectador e levá-lo a uma realidade crua mesclada à fantasia ficcional.

Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza e exibido na abertura da 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme conta com a co-produção brasileira da Gullane Filmes e participação do consagrado Matheus Nachtergale. Apesar de poucos atores conhecidos e falado, na maior parte, em tupi-guarani, Terra Vermelha é surpreendente e emocionante. Através da ficção, Bechis abre espaço para mostrar a dura realidade dos povos indígenas de modo peculiar e que, talvez, poucos documentários ou reportagens seriam capazes de conseguir.

Olho no olho, o cacique e o fazendeiro duelam emocionalmente pela posse da terra. A cena do conflito é dramática e representa um ato que ocorreu na pequena Dourados (MS) anos atrás. Nela, o branco alto – ou caraí, como é chamado pelos índios – se agacha e recolhe um punhado de terra com a mão e diz em alto e bom som: “Essa terra meu avô conquistou!”. Diante da cena interpretada pelo ator Leonardo Medeiros, o cacique faz um gesto parecido, porém, um tanto mais humilde. Agarra o mesmo tanto de terra e o leva a boca, mastigando a mistura como se fosse farinha.

A tensão da cena exibida pelo filme “Terra Vermelha” (Birdwatchers), dirigido pelo ítalo-chileno Marco Bechis, retrata os conflitos de posse de terras enfrentados por índios guarani kaiowá, cuja maioria encontra-se no Mato Grosso do Sul e próximo à fronteira tríplice Paraguai/Argentina/Brasil.

A ocupação de terras por indígenas reportada pela mídia revela a situação deplorável em que vivem, o espaço é limitado e não comporta o seu modo de vida cultural, resultando em disputas com fazendeiros, assassinatos, desnutrição, alcoolismo, mortalidade infantil, e uma taxa assustadora de suicídios.

Em “Terra Vermelha”, Bechis usa esses elementos como pano de fundo e, por meio de belas imagens, boas atuações e um roteiro muito bem feito, preciso e dramático, consegue surpreender o espectador e levá-lo a uma realidade crua mesclada à fantasia ficcional.

Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza e exibido na abertura da 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme conta com a co-produção brasileira da Gullane Filmes e participação do consagrado Matheus Nachtergale. Apesar de poucos atores conhecidos e falado, na maior parte, em tupi-guarani, Terra Vermelha é surpreendente e emocionante. Através da ficção, Bechis abre espaço para mostrar a dura realidade dos povos indígenas de modo peculiar e que, talvez, poucos documentários ou reportagens seriam capazes de conseguir



Por Felipe Milanez e Mônica Pileggi

(FONTE: Planeta Sustentável - 12/2008)

terça-feira, 11 de maio de 2010

CONTO DE FADAS...

                                                           Ilustração Caixa de Pandora, net
Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha própria dor.

Os meus gestos são ondas de Sorrento...
Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.

Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
- Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A princesa do conto: «Era uma vez...»

 
in [Sonetos], «charneca em flor»
 
(FONTE: Poetas Apaixonados – Poesia de Amor de autores portugueses)

Reverbera o rio no translúcido

                                                                                            Antoni Guansé

                                          VII
Reverbera o rio no translúcido volume dos teus olhos
a água é uma canção de espaço num copo pequeno
e uma gota de leite desce do teu seio como um sopro cheio
instinto de destilar a seiva por qualquer poro mesmo alheio
o rio marginal decorre em teus olhos foz
um percurso de beijo a que os meus lábios compõem um sabor de
flor

nos teus lábios o sangue vibra muito de muito dentro de nós
e expande o doce mundo que o contém quente e para mim
és sempre a estrela fixa e descida a iluminura retida
o fluido que as idades antigas transpiraram hoje vertida
vestes molhadamente o que te capto solícito e bebo
e a tua pele é uma viagem por ninguém nunca antes concebida
num dedo

e em mim sinto-te vestida do que és de despida
cosmonauta homonauta que te preenche o teu hélio secreto
amor da vida que te habita o total calor completo
de insecto

muito mais que um rio o rio se te resume em piscina
olhos abertos erectos química composição que te fascina
e eu álamo de ti vegetal verde veia pulsada que te resina
e fez
a água é uma porção breve infinita na mulher síntese que és
minha mina.


(in Cynthia)
«O Surrealismo na Poesia Portuguesa», Série Antologias
Organiz., pref. e notas de Natália Correia
Lisboa: Publicações Europa-América, 1973


(FONTE: Poetas Apaixonados – Poesia de Amor de autores portugueses)

Sucedem-se os dias húmidos por dentro da minha espera...

                                                            Alcides Baião, Contorcionistas, 1999
Sucedem-se os dias húmidos por dentro da minha espera
adio o arco-íris o salto montês da cabra que trago no peito
grande a náusea perfuma a dor dos verões suspensos cegos
se aquece a alma erguida na ponta dos pés do desassossego

arredondam-se as estações neste gesticular incerto de índio
largo coração galego esqueço-me com coisas livres minúsculas
vermes róseos longos braços barcos à deriva que tenho do mar
spreito a fundo as horas que me separam do jazigo ou berço
de boca amarga à gargalhada empreendo a lágrima lúcida
solar se verte o sangue no circo dos ágeis dedos de não voar

queria-me eu apto e louro com olhos de maçã cheios de amor
já pestanejo as emoções seguintes que se anunciam verdes
no chegar do veado friorento que vem comer as ervas litorais
dobro-me à mulher à página ao morto inesperado e para quê?


in «Paicina», (Poesia e Prosa),
Lisboa: Quadrante [Distrib.], 1977

(FONTE: Poetas Apaixonados – Poesia de Amor de autores portugueses)

domingo, 9 de maio de 2010

Palavra de Mãe...

Nós poderíamos começar este post dizendo que mãe é isso, mãe é aquilo. Mas a verdade é que existem diferentes tipos de mãe, e que cada uma tem seu jeito de cuidar dos filhos e demonstrar seu amor por eles.

Dizem que o tipo de mãe que uma mulher se torna tem muito a ver com o estilo de mãe que ela mesma teve. E que uma avó é mãe duas vezes, exercendo na criação do neto um amor importante para a valorização dos laços de família, porém com um estilo bem diferente do que quando era só mãe!

De qualquer jeito, em qualquer geração, mães demonstram amor, cuidado com a educação, instinto materno, abertura para mudança e muita felicidade.

Confira abaixo a entrevista com a bancária Patrícia Fabiana Sales Figueiredo, filha de Fátima, com quem conversamos essa semana. Ela relembra como era sua mãe na infância e conta como isso influencia sua relação com Matheus, seu filho de 5 anos.

OMO - Qual é a maior diferença entre a infância do seu filho e a sua?

Patrícia - Eu acho que as brincadeiras são bem diferentes, pois na minha infância eu brincava muito na rua, no quintal. Hoje em dia as crianças brincam bastante no computador. O lado ruim é que eles perdem um pouco com essas limitações. Por outro lado, eles também têm muito mais acesso às informações do que eu na minha infância.

OMO - Sua mãe é diferente como avó?

Patrícia - Completamente diferente. Na minha infância, ela era muito rígida com a minha educação e também não brincava comigo. Acredito que seja pela responsabilidade de educar. Hoje em dia, como avó, ela brinca no chão, joga bola, futebol de botão, enfim, todas as brincadeiras que ele quiser. Realmente minha mãe nem parece a mesma mãe de quando eu era criança... Ela faz tudo o que ele quer... rs.

OMO - É verdade que avós estragam os netos?

Patrícia - Um pouco, pois minha mãe, deixa ele fazer muitas coisas que eu como mãe não deixaria. Mas, ao mesmo tempo, quando eu o coloco de castigo, ela não tira minha autoridade. Às vezes eu ameaço ela e meu pai em colocar eles de castigo...rs.

OMO - Em que momentos você age como a sua mãe?

Patrícia - Com relação à minha mãe na minha infância, eu quase não tenho o mesmo comportamento, pois a minha mãe não era muito de conversa. Mas eu converso bastante e coloco de castigo.

OMO - Quais são seus medos e sonhos em relação ao seu filho?

Patrícia - Meus medos com relação ao mundo das drogas, o que eu mais faço hoje é rezar e pedir a Deus que deixe meu filho longe. Estou dando muito amor, carinho e base em valores para que isso não ocorra.

Meus sonhos são para que ele seja um homem de bem, trabalhador e com valores sempre presentes em sua vida (fazer bem ao próximo, família, honestidade etc.).

OMO - Deixe uma declaração de amor para sua mãe e seu filho.

Patrícia - Mãe, antes da maternidade eu tinha um pensamento. Hoje sou mãe e compreendo todas suas preocupações com a minha educação, e meu amor por você aumentou mais ainda. Você para mim é a verdadeira mulher-maravilha. Te amo muito.

Filho, eu achava que era feliz, mas depois que você nasceu, descobri a verdadeira felicidade. Ser sua mãe é tão maravilhoso, tanto quanto respirar. Eu amo você tantão, você é a razão do meu viver.
E na sua casa? Como é a relação entre mãe, avó e neto?

Mãe, dedico esta mensagem a você
que esteve ao meu lado nas horas
que chorei e nas horas que sorri ,
nas horas que me lamentei
e nas horas e que de uma forma
ou de outra demonstrei total alegria...

Por estar perto de você.
Agradecer pelo sorriso diário,
sem mágoas nem rancores,

agradecer de peito aberto,
de alma explosiva...

Agradeço pelos meus dias de mau humor,
que você me acalmou em seu colo.

Hoje quero parar e agradecer,
porque você fez,
faz e fará sempre parte de minha história!

Você sempre foi  Maravilhosa.
Você foi uma mãe e tanto.
Obrigada pela vida!

(FONTE: Blog OMO)

sábado, 8 de maio de 2010

Autumn Leaves - Nat King Cole

                                                                                    Thomas_Kinkade
Assim, como nas folhas do outono, de Nat King Cole, que vão no vento sob a suave deriva, sinto no vermelho dessas folhas... os lábios dos beijos de verão queimando como o sol... e nessa leve sensação da insustentável deriva, os dias são longos e as noites prolongam a espera vã, mas o inverno traz o frio que aquece o coração que ama...

E mesmo que a vida nos aproxime na doce ilusão do início... O mar levou o que na areia ficou dos passos amantes que nunca se uniram... No suave vento de outono ouço a voz de quem ama...

The falling leaves drift by the window
The autumn leaves of red and gold
I see your lips, the summer kisses
The sun-burned hands I used to hold

Since you went away the days grow long
And soon I’ll hear old winter’s song
But I miss you most of all my darling
When autumn leaves start to fall

C’est une chanson, qui nous ressemble
Toi tu m’aimais et je t’aimais
Nous vivions tous, les deux ensemble
Toi que m’aimais moi qui t’aimais
Mais la vie sépare ceux qui s’aiment
Tout doucement sans faire de bruit
Et la mer efface sur le sable les pas des amants désunis

domingo, 2 de maio de 2010

Avatar: a caixa de Pandora...

                                                                                                             (Foto: Divulgação)
Avatar é um feito técnico de proporções colossais. Particularmente porque, da maneira como foi articulado por James Cameron, esse mutirão de avanços tecnológicos usados para imergir o espectador no 3D mais fotorrealista que se poderia conceber tem em vista um propósito lírico e até honrado: o de criar beleza, transportar, surpreender pela imaginação e compartilhar um deslumbramento pela natureza que o próprio diretor só descobriu por completo ao ter-se retirado de cena - era o que parecia ter acontecido - depois de Titanic.

Um avatar é uma versão de um ser existente; e é isso que o fuzileiro naval Jake Sully (Sam Worthington) ganha ao desembarcar no planeta Pandora: uma en carnação de si mesmo na forma de um Na’vi, como são chamados os habitantes indígenas desse mundo remoto. Jake ficou paraplégico em combate na Terra; em Pandora, tem mais de três metros de altura, pele azulada, cauda e fisionomia ligeiramente felinas e um físico tão forte e apto que, ao experimentá-lo pela primeira vez, ele se embriaga com tanta liberdade.
   
Embriagador também é o terreno que ele pode percorrer nesse corpo. De dia, Pandora é um espetáculo de cores tropicais, árvores que se esfumaçam de tão altas e montanhas que vagam pelo céu como nuvens sólidas. De noite, é um sonho espectral de luminescências azuladas e arroxeadas, ressaltadas por brancos opalescentes e verdes fantasmagóricos - como um recife de corais que tivesse subido à superfície. Cameron é um apaixonado pelas profundezas marinhas, e não poderia ter imaginado argumento mais convincente para justificar sua fixação do que essas imagens. Mais notável ainda é a delicadeza do diretor. Em vez de atirar objetos contra a plateia, como os filmes em três dimensões fizeram até aqui, ele põe de lado os golpes baixos, o fácil e o pedestre e mira em algo muito acima: mostrar que o 3D é percepção, sensação e profundidade. Conjura tanta perícia, enfim, para simplesmente pousar o espectador em Pandora e deixar que, assim como Jake, ele viva a ilusão de estar dentro dessa ilusão.

  
Essa é, de certa forma, a primeira história de amor de Avatar - a de Jake por uma natureza que, no futuro em que o filme se passa, na Terra já é só uma lembrança. A segunda história de amor, e a central, é a de Jake por Neytiri, uma amazona Na’vi que, apesar do seu rancor contra os seres humanos - Pandora está sob ameaça de devastação por uma corporação mineradora -, recebe um sinal de que esse homem é diferente. Neytiri (Zoë Saldana, a Tenente Uhura da recente versão cinematográfica de Star Trek) é encarregada de proteger Jake e de ensiná-lo a ser verdadeiramente um Na’vi. Entre domar uma montaria alada aqui, aprender a usar o arco ali e escorregar por folhagens acolá, o inevitável acontece. A paixão está nas cartas, claro, desde a primeira cena em que Neytiri e Jake se encontram, na qual ela previsivelmente o salva das feras que o rondam. Mas, pelo menos, Cameron introduz o romance por meio de uma camaradagem que diz muito sobre seu respeito pelas mulheres. Os Na’vi são também um povo da terra, e estão ligados a ela de maneiras bem literais - são parte efetiva dela, como descobrirá a botânica interpretada com excelentes humor e desembaraço por Sigourney Weaver.

Há uma boa margem para tomar como eco-sentimentalismo (ou como ecobaboseira, conforme o ponto de vista) essa mensagem verde de Avatar, que em geral vem sublinhada por coros de vozes genericamente "nativos". Mas Cameron a contrapesa com lances mais lúcidos, como a sensação cinza e opaca com que Jake volta para seu corpo humano e limitado após cada excursão por Pandora - e o australiano Sam Worthington, o acerto de Exterminador Salvação, dosa no personagem as medidas corretas de gravidade e intrepidez. (Aliás, que se comente o desempenho de um humanóide azul de três metros já é sinal do quanto a transposição das atuações reais para os personagens digitais é bem-sucedida.) No terço final, em que se desenrola a batalha da mineradora contra os Na’vi e sua selva, são inspiradas também as alusões a outras imagens icônicas sobre a insensatez da guerra, como a da floresta se inflamando com napalm em Apocalypse Now, ou a do sofrimento dos cavalos sob fogo em Kagemusha.

Esse contraponto entre uma civilização tão mecanizada e outra tão próxima de um estado natural é uma surpresa em Avatar - mas, considerado em retrospecto, é também um passo lógico na carreira de seu diretor. Cameron sempre foi o cineasta do equipamento pesado, do metal guinchando e triturando na forma de robôs, de estações submarinas, de transatlânticos. Executar visualmente o fascínio e o terror que as máquinas exercem foi, desde o início, o que o distinguiu. Ao contrário de mestres da estupidez como o Michael Bay de Transformers, Cameron entende que essa relação com o mundo físico não é um pretexto para a catarse, para a sublimação da violência ou para efeitos mais e mais estrepitosos.

   De uma forma instintiva, não intelectualizada, porém não menos filosófica, todo seu cinema tem sido um comentário sobre a imaginação simultaneamente artística e tecnológica da espécie humana - e sobre como, nessa ânsia biologicamente programada de multiplicar até o infinito suas capacidades, ela perde controle sobre o que cria na mesma medida em que o aumenta, e toca tanto o belo como o terrível. Imaginar, dizem os filmes de Cameron - todos eles -, é abrir uma caixa de Pandora. Se o cinema for tomado como tal, então dela podem sair um sem-fim de burrices, algumas inclusive velhacas, como as que o avanço dos efeitos já produziu. Ou pode sair algo como Avatar - em alguns momentos redundante, em outros até um pouco cafona. Mas, em todos os instantes, invariavelmente animado pelo desejo de se alçar, de ir além e de engrandecer.

(FONTE: Revista VEJA)

sábado, 1 de maio de 2010

SÓ A NATUREZA SALVA - Avatar!...

                                                                                                                    

O filme de James Cameron, Avatar, não é o primeiro de inspiração socioambientalista e seguramente não será o último. Não me parece que ele tenha reempacotado coisas que já foram ditas ou feitas no cinema, tanto quanto fez beber na mesma fonte que sempre nutriu as artes em geral: a contemporaneidade...

Parece impossível que alguém ou alguma coisa faça tanto sucesso sem provocar críticas ferrenhas na mesma proporção. Então vou começar pela crítica mais engraçada que pesquei no Twitter (e agora não consigo mais encontrar o autor): ‘Avatar não passa de uma versão futurística de Pocahontas’.

Isso porque ambos - o estrondo de James Cameron e o simpático filme da Disney - abordam a mesma relação conturbada entre humanidade e seu meio, combinada ao eterno conflito entre a civilização auto-intitulada e outras culturas. Mas não acho que isso seja um problema.
O que me fascinou mais foi a quantidade de conexões com a realidade que o SciFi de Avatar provocou em mim enquanto assistia. Pensei muito na Amazônia, nos conflitos entre populações tradicionais e grandes empresas. Por isso, não foi nenhuma surpresa quando indígenas da Amazônia equatoriana, mesmo indo ao cinema pela primeira vez a convite de uma ONG local, e com todo o aparato de experiência sensorial inovadora, avaliaram secamente: ‘É similar ao que vivemos, mas para nós não é algo novo’. No equador, o embate entre as populações indígenas e a indústria do petróleo já completa décadas, com desdobramentos monstruosos.

Lembrei imediatamente da guerra do Iraque, já que a busca por fontes de energia é o que motiva a cobiça da humanidade sobre a terra de Pandora. Quando um dos personagens exclama atônico, ‘mas são apenas árvores!’, pensei da reprecificação de ativos, tentativa atual de reposicionar o valor das coisas numa linguagem que a humanidade compreende bem: a monetária.

Teve gente que viu até uma referência clara ao atentado contra as torres gêmeas, embora eu já ache que qualquer ataque a uma população não militar na telona, agora e por muito tempo, sempre vai nos levar de volta a 11 de setembro…

E em meio a tantas referências políticas, culturais, econômicas e ambientais, acho que o filme provou refinamento ao traduzir a Teoria de Gaia, do ícone ambientalista James Lovelock, segundo a qual a Terra é um único organismo vivo com infinitas conexões. Mais do que isso, a vida conspiraria para sua perpetuidade, garantindo as condições no planeta para tanto.

Por isso, ao contrário dos filmes de aventura comuns, o trabalho de salvar a todos fica menos para o herói e mais para a própria natureza. Outra sinapse: seriam os eventos climáticos extremos alguma espécie de anticorpos destinados a varrer a nós, os vírus, do mapa da vida?

Muita gente considera que efeitos especiais são um tipo de maquiagem feita para encobrir um roteiro ruim e atuação sofrível. Eu, que não manjo quase nada do assunto, digo que cinema é emoção. A emoção que senti ao ver aqueles dinossauros de Jurassik Park (Spielberg, 1993) pela primeira vez no cinema, quando era menina, não fica devendo nada à comoção das conversas, por exemplo, em Antes do Pôr do Sol (Richard Linklater, 2004) – para citar um filme super singelo, tecnicamente. São apenas emoções diferentes.

Ainda assim me pergunto se eu sairia tão embasbacada do cinema se Avatar não tivesse o recurso 3D… Mas, enfim, talvez seja só mais uma reflexão interessante na conta de James Cameron.

* Este texto foi originalmente escrito para o site da revista Página 22, na qual Carolina Derivi é repórter. Aqui no Planeta Sustentável ela assina o blog Ecobalaio

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* Este texto foi originalmente escrito para o site da revista Página 22, na qual Carolina Derivi é repórter. Aqui no Planeta Sustentável ela assina o blog

(FONTE: Planeta Sustentável)