domingo, 31 de julho de 2011

Comboios Portugueses: Um guia Sentimental...

                                                                  Almeida Junior - Moça lendo em Itú
«Quando o longo corpo do comboio se põe em movimento sabe-se que o destino está fora das nossas fronteiras, e que poucos são os passageiros que viajam neste trem que não se destinam ao estrangeiro. Cedo será o Entroncamento, as paisagens banais, se o viajante viaja na Linha do Norte, entre Lisboa e Porto, e depois a Pampilhosa. A partir daqui, o Sud-Express começa a ser mais Sud-Express, pois só parará de novo em Mangualde, passando sobre Vila Franca das Naves como se não fosse com ele (e é, porque Vila Franca das Naves parece um lugarejo arrancado a outro mapa, de outro continente, entreposto de passageiros para Douro e Beira Alta). Eis então a Guarda. É esta a diferença: se fosse Verão, quando tivéssemos passado pela Barragem de Aguieira, teríamos visto o brilho das águas com o Sol descendente, se fosse o Sol a mover-se. Mas Março é ainda cedo para essa iluminação. A Aguieira fica já muito para trás, antes de Mangualde. Porém, a Guarda, seja Inverno ou Verão, aparece-nos sempre escura diante do Sud-Express, sendo daí a pouco tempo a fronteira de Vilar Formoso.

 (…) Há esticões nas carruagens: experimentam-se os freios. Os meus companheiros de viagem ameaçam dormir, e eu não quero, de modo nenhum. Um esticão mais forte, o apito da locomotiva, o arranque. Agora vai vagaroso o comboio, muito lento até chegar a Salamanca e, depois, a Valladolid. Quando se avistam as terras de Burgos é quase dia. Vitória em pleno País Basco, apanha-nos a querer o pequeno-almoço. A ele vamos, se valer a pena. Quando, depois de S. Sebastián, chegamos a Irún, é sem dar conta que entramos em França por Hendaye — e vamos aos passaportes, pois claro. Vamos dizer aos Franceses que estamos só de passagem, até Paris. Depois se verá. «Y que va usted a ver?» pergunta-me o último ferroviário espanhol. «A ver como vuelve el tren, claro», digo eu. Nem acredita, chama-se Zuque. (…)

Descaracterizado, o Sud-Express, aquele que em Portugal tem o nome de Sud-Expresso, e que é o comboio da emigração. Más condições de viagem, pouco apoio aos viajantes. Em querendo ir para Paris ou para o resto da Europa de comboio, o melhor é fazer a ligação por Madrid «y te coges el Puerta del Sol, no?, ese que va de Chamartín por la noche. No es malo el tren, eso me lo digo yo». Mas eu queria um comboio portugués. «Ah, eso es difícil, hay que pasar por nosotros. Le puedes hacer un protesto, a tu rey, a los reyes de Portugal…». Mas em Portugal não temos réis. «Como no hay reyes? Eso es difícil de entender…»

F. J. VIEGAS, «O Sud-Express», in Comboios Portugueses: um guia sentimental, Lisboa, Círculo de Leitores, 1988, pp. 179-181...

Fonte...

As Duas Águas do Mar...

Na sequência de "Crime em Ponta Delgada" e de "Morte no Estádio" (considerado por Maria Teresa Horta como um dos melhores romances de 1991), Francisco José Viegas constrói, em As Duas Águas do Mar, uma história emocionante, onde nos confrontamos com os caminhos da paixão e da morte. Parodiando de novo um género considerado erradamente menor, Francisco José Viegas confirma-se, com este seu romance, como uma das vozes mais originais da moderna ficção portuguesa...

sábado, 30 de julho de 2011

A Rosa de Sarajevo...

O libertário poeta bósnio Gojko, a metódica italiana Gemma e seu grande amor, o fotógrafo Diego, encontram-se pela primeira vez na antiga Iugoslávia na metade da década de 1980. Parecia impossível, a poucos anos da onda de mudanças que poria um ponto final aos regimes comunistas do Leste europeu, enxergar a ciranda de violência e convulsão política que ocuparia Sarajevo entre 1992 e 1995. Mas foi exatamente isso o que aconteceu.

No plano pessoal, Gemma e Diego travam sua própria batalha. Não conseguindo ter um filho, perambulam entre clínicas de fertilidade e barrigas de aluguel. Até que Diego retorna a Sarajevo no auge da barbaridade da guerra, quando atiradores disparavam contra civis indefesos apenas por diversão. Seu gesto, que num primeiro momento poderia soar como tresloucado, transforma para sempre a sua biografia e a de Gemma.

Mais de uma década depois, casada com o militar Giuliano e com uma vida inteiramente diversa, Gemma desembarca em Sarajevo com seu filho adolescente. Diego está morto, a guerra ainda expõe suas cicatrizes pela cidade, Gojko também está mudado. Mas o passado insiste em reaparecer neste romance surpreendente em que os amores, a intimidade e os acontecimentos mundiais são observados com lirismo e expostos com notável energia narrativa.

Eis a fonte...

Tempo...

                                                                                                   Silvana Cimieri - O Livro Azul
Tempo sem amor e sem demora
Que de mim me despe pelos caminhos fora
Não procures verdade no que sabes
Nem destino procures nos teus gestos
Tudo quanto acontece é solitário
Fora de saber fora das leis
Dentro de um ritmo cego inumerável
Onde nunca foi dito nenhum nome

xxx
Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Bem que Te Quis...

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Sim... Senhor...

Signore della Luna...

To follow the flow of the river current...

Uma mulher a cair do céu...

"Contei os segundos entre o instante do relâmpago e o do trovão—um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete. Depois multipliquei por trezentos e quarenta, a velocidade do som em metros por segundo, para calcular a distância a que caíra o primeiro raio: dois quilómetros, trezentos e oitenta metros. Calculei o segundo, o terceiro, o quarto. A tempestade avançava veloz na nossa direção. Soube onde iria cair o quinto raio um instante antes que o céu se abrisse.

Kianda estava cerca de cem metros à minha frente e avançava, avançava sempre, como num palco, empurrada pela luz. Os sapatos afundavam-se na terra, vermelho-laca sobre vermelho-velho. Ao longe dançavam palmeiras. Ainda mais ao longe erguia-se a sólida silhueta de um embondeiro. Kianda caminhava muito direita, de rosto erguido, as belas mãos, de dedos longuíssimos e fi - nos, cruzadas sobre o peito. A luz era uma substância dourada e densa, quase líquida, à qual se colavam folhas secas, papéis velhos, a fi na poeira afogueada, matéria que o vento ia erguendo nos seus braços tortos.

O meu amor continuava a avançar de encontro à massa negra das nuvens. Lembrei-me das palavras de um famoso crítico de música, um velho inglês, um tanto excêntrico, tentando explicar o sucesso dela: “O que primeiro nos cativa é o contraste entre a fragilidade da silhueta, estranhamente angulosa, estranhamente elegante, e a altiva ferocidade do olhar. A voz poderosa e delicada. Apetece ao mesmo tempo protegê-la e espancá-la”." Continuação da leitura, aqui...

Barroco Tropical...

Estreia de um dos mais aclamados escritores de língua portuguesa da atualidade na Companhia das Letras, Barroco tropical é um livro ambicioso, de grande fôlego e densidade. A ação se passa em Luanda no ano de 2020 e é narrada alternadamente pelo escritor Bartolomeu Falcato e pela cantora Kianda, sua amante. Os dois testemunham juntos um fato insólito, a queda de uma mulher - literalmente - do céu. A mulher em questão é uma modelo e ex-miss que frequentou a cama de políticos e empresários de expressão, o que a tornou uma figura incômoda para o establishment.

Numa narrativa que avança e recua livremente no tempo e que se desloca entre a África, a Europa e o Brasil, Agualusa traça um retrato vivo e pulsante da sociedade angolana atual, onde as tradições ancestrais convivem de modo nem sempre pacífico com uma modernidade mal assimilada. Essas contradições estão sintetizadas no prédio onde mora o escritor Falcato, a Termiteira, futurística torre de sessenta andares, o maior edifício do continente, que não terminou de ser construído e já está em ruínas, abrigando os ricos nos andares superiores e a ralé social e criminal no subsolo.

Mães de santo e curandeiros convivem nestas páginas com figurinistas de fama internacional, empresários da aviação, militares golpistas e traficantes de drogas e de armas.

Romance generoso e exuberante, cheio de personagens pitorescos, Barroco tropical reflete desde o título o que Agualusa identificou em seu país como "uma certa cultura do excesso, quer na maneira de as pessoas se divertirem, quer na maneira de demonstrarem o sentimento e a dor".

O insólito está sempre presente, mas intimamente entrelaçado ao prosaico e ao cotidiano, pois, como declarou o autor, referindo-se a Angola, Portugal e Brasil, "nos nossos países a realidade tende a ser muito mais inverossímil do que a ficção".

Agualusa: Biografia...

José Eduardo Agualusa [Alves da Cunha] nasceu no Huambo, Angola, em 1960. Estudou Silvicultura e Agronomia em Lisboa, Portugal. Os seus livros estão traduzidos para mais de vinte idiomas. Também escreveu várias peças de teatro: "Geração W", "Aquela Mulher", "Chovem amores na Rua do Matador" e "A Caixa Preta", estas duas últimas juntamente com Mia Couto.

Beneficiou de três bolsas de criação literária: a primeira, concedida pelo Centro Nacional de Cultura em 1997 para escrever « Nação crioula », a segunda em 2000, concedida pela Fundação Oriente, que lhe permitiu visitar Goa durante 3 meses e na sequência da qual escreveu « Um estranho em Goa » e a terceira em 2001, concedida pela instituição alemã Deutscher Akademischer Austauschdienst. Graças a esta bolsa viveu um ano em Berlim, e foi lá que escreveu « O Ano em que Zumbi Tomou o Rio ». No início de 2009 a convite da Fundação Holandesa para a Literatura, passou dois meses em Amsterdam na Residência para Escritores, onde acabou de escrever o romance, « Barroco tropical ».

Escreve crónicas para a revista LER. Realiza para a RDP África "A hora das Cigarras", um programa de música e textos africanos. É membro da União dos Escritores Angolanos.

Em 2006 lançou, juntamente com Conceição Lopes e Fatima Otero, a editora brasileira Língua Geral, dedicada exclusivamente a autores de língua portuguesa.

domingo, 24 de julho de 2011

Eduardo Galeano en la acampada BCN PT...


Diante das coisas simples e com muita simplicidade se vive uma vida compreendida na transparência do Presente de que necessitamos para viver no Futuro: sem as máscaras e subterfúgios civilizatórios causadores da desordem no Mundo...

Estou passando por um momento de muitas turbulências: necessito voltar aos estudos teóricos, mas isto me assusta, pois a inutilidade que eu percebo no pensamento intelectual é desanimador... Nos últimos dias divido meu tempo livre com a leitura dum romance e a organizar, limpar e arrumar a estante dos meus livros: uma verdadeira faxina (também no meu interior) no afã de encontrar uma resposta para meus anseios...

Estava eu querendo me entreter, visitando páginas no Facebook, quando de repente tropeço neste surpreendente vídeo com esta magnífica conversa de Eduardo Galeano, francamente: é tudo que eu gostaria de dizer ou escrever, mas me falta muito o domínio das palavras certas para dizer que, às vezes, me vejo como uma criança diante do medo que sinto das coisas muito modernas proporcionadas pelas desigualdades que o dinheiro possibilita ... Este vídeo veio como um alento para meus desencantos, e trouxe-me de volta meu entusiasmo...

sábado, 23 de julho de 2011

Por necessidade foi preciso sair em Disparada...

Em verdade, em verdade - mas  nunca numa verdade cheia de preceitos e conceitos daqueles velhos valores absolutos formados bem distantes da relativização que o mundo atual exige; e sim na livre forma de expressar sentidos e sentimentos que nutrem nossas vivências - vou em disparada, perante aqueles momentos em que (assim como nesta canção) depois de tantos sonhos sonhados minha visão foi se clareando e aceitei que não dá mais para seguir sozinha...

E também, foi quando percebi que, diante da boiada da vida, sou um animal marcada com o selo da civilização, destinada a seguir na trilha determinada por um destino traçado por aqueles que sempre ditam as Ordens, como o dono da boiada na canção, pode até ser que animal se engorda, tange e mata, porém com gente é, realmente, diferente, por isso tive que sair, pela grande necessidade, em disparada para pôr tudo no lugar... E, se for necessário volto aos lugares originários para rever minhas verdades...

Enfim, procuro sempre uma desculpa: mas é também ciúme, ciúme, ciúme e por amor à tua escrita... Tu és a razão do meu amanhecer: do alvorecer daquele entardecer de todos os dias quando adentro na estrada da virtualidade para espantar a solidão do coração, doravante no ecrã desta estrada vou sempre ao encontro de tuas escritas: tua vida; doida pelo teu beijo, assim como uma boa leitora que sente o sabor das palavras, porquanto olho cheia de desejo quando vejo tuas imagens que vão passando pelo retrovisor deste ecrã...

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A República do Sonhos

Um verdadeiro arquivo da história do Brasil, na página 114 lemos: e isso porque, de cara para aquele sistema de montanhas, acreditava ver o desfilar a crucial história da organização brasileira. Até chegando a ouvir os lamentos e brados dos bandeirantes, dos contrabandistas, dos cristãos novos, dos arrecadadores do ouro, avançando oeste adentro em vacilantes carroças e nos lombos dos animais. Uma humanidade pronta a servir de base para a formação de um povo claudicante.

Com o discurso, e outros, livre indireto muito da narrativa nos carrega em ávidas leituras sem saber ao certo quem fala, mas sem se apavorar bem no final de cada capítulo conseguimos identicar cada detalhe que a narrativa, mais do que rica, nos passa. Valoriza-se tanto cada personagem que fica difícil identificar o persongem principal, como se os secundários fosse apenas as classes, grupos, nunca a família de Madruga. Madruga um imigrante

É melhor dizer que dentro da história da ditadura brasileira e da história do Brasil, há uma história maravilhosa de Madruga um senhor que chega aos seus 80 anos e que desde o início do livro vê a esposa no leito esperando a morte. Com vários filhos, cada qual com sua personalidade, cada qual um riquíssimo personagem que encanta a cada página virada. É uma narrativa deliciosa e historicamente fascinante. Foi o melhor jeito que conheci a história do Brasil com seus imigrantes e suas terras tão longe de nós para queles que se aventuram no Brasil.

Parece que na velhice – o cansado jovem conquistador – passa a narrativa para as mãos de sua neta querida. A descrição da família, ao olhar um quadro na parede, foi um recurso apreciável demais, rico demais. Como é difícil resumir um livro com tantas e tantas riquezas.

Historicamente há um resumo interessante: o rio de janeiro se diverte, é descansado; Brasília é abusiva, nada representa; São Paulo não pára: progredir é seu lema; Belo Horizonte é calma, acha-se a melhor cidade do país.

Nélida Pinõn e A República do Sonhos é uma obra-prima com uma precisão de fatos históricos, literários e psicológicos, que só um gênios como Garcia Marques e seus Cem anos de solidão podemos analogar...
 

Crónica de Uma Travessia...

No romance histórico de Nélida Piñon, A república dos sonhos, uma personagen reflete sobre a possível morte de uma língua, e até propõe que uma tal morte havia sido presenciada uma vez, saindo pela boca de uma velhinha moribunda, última falante de uma língua que vai se extinguir com ela. A personagem que faz esta reflexão, uma brasileira neta de imigrantes Galegos, é apresentada como a que, em toda a família, é a que professa o maior apego à peculiar música e beleza da língua portuguesa. É como se ela, cujos avós falavam uma língua minoritária da família das línguas descendentes do Latim, sentisse na pele, e na ponta da língua, o peso que o Português tem. Em Crónica de Uma Travessia, Luís Cardoso — nascido e criado no Timor Leste - nos apresenta, entre outras coisas, a questão da língua portuguesa no contexto do seu país de origem, e reflete como esta língua servia de ponte entre os diferentes grupos culturais e lingüísticos.

Este livro, escrito com a emoção daqueles que sabem que ninguém jamais volta para casa, é um documento para a compreensão não só da importância da língua portuguesa como fator de coesão política e cultural no Timor do Leste. Luís Cardoso, com um ouvido afinado para as nuances lingüísticas de sua terra, nos dá delicados testemunhos de outras línguas que co-existiam com o Português, indicativas de cerimônias e rituais diferentes dos cristãos e europeus. Talvez, para muitas dessas línguas, este livro funciona como um testamento, uma tentativa de não desaparecer totalmente. Como não poderia deixar de ser, Crónica de uma Travessia também nos dá a oportunidade de examinar as conseqüências do colonialismo europeu em suas várias facetas. O que é fascinante é que, depois que O Timor do Leste afinal conseguiu se liberar da Indonésia, e agora tem a oportunidade de decidir qual entre todas as línguas existentes no país vai ser a língua oficial, o Português está sendo recuperado, não como a língua de opressão, mas como a língua de coesão nacional, uma espécie de língua franca que vai facilitar a comunicação entre os falantes de diversos idiomas.

E o Português tem a oportunidade, mais uma vez, de ser o que o poeta Olavo Bilac chamou, há muitos anos, a “última flor do Lácio, inculta e bela.” Esta língua, continua Bilac, é ao mesmo tempo “esplendor e sepultura.” Esperemos que, para O Timor Leste, sua retomada seja o sinal do esplendor, do renascimento, e que ajude a sepultar os anos de sofrimento de seu povo.  Eis a leitura completa...

A Travessia do Rio...

 A travessia do rio se estende por 250 anos da diáspora africana. No século XVIII, três irmãos são vendidos e entregues à escravidão. A partir de então, Nash, Martha e Travis contam suas trajetórias em jornadas distintas. Nash retorna à África como missionário cristão nos anos 1830, Marta é uma pioneira nas caravanas para o Velho Oeste americano, também no século XIX, e Travis um soldado lotado numa aldeia inglesa durante a Segunda Guerra Mundial. Passando por diferentes países e gerações, Caryl Phillips nos relembra a história de um continente que nunca deverá ser esquecido.

Fonte...

Questão de Identidade...

A dispersão de um povo pelo mundo, tema do debate, é central de A Travessia do Rio e está, de várias maneiras, ligada à vida do escritor. Phillips nasceu em St. Kitts, Caribe, mas não teve tempo de se sentir caribenho. Tinha quatro meses de idade quando a família migrou para Leeds, em Yorkshire, norte da Inglaterra. A primeira mudança que repercutiu em sua vida, por assim dizer, consciente, foi a realizada para o sul daquele país, na juventude, quando estudou inglês na Universidade de Oxford.

"Não vim de família privilegiada, mas fui para uma universidade muito privilegiada e pela primeira vez encontrei gente que tinha viajado para o exterior, o que eu nunca havia feito, gente socialmente confiante sobre o que seria no futuro", disse o escritor por telefone ao Estado, de Nova York, dias antes de embarcar para o Brasil. "Embora muita gente pergunte se era estranho para mim estudar em Oxford sendo negro, o mais estranho foi estar lá sendo de classe mais baixa que a média."

É essa relação entre raça e classe social - ou gênero, ou história, ou localidade, ou de preferência tudo isso junto -, mais que a questão da raça em si, o que Phillips procura abordar em obras como A Travessia e duas outras já publicadas pela Record, Uma Margem Distante e Dançando no Escuro. "A questão da raça sozinha não me interessa. A raça é só uma pequena parte da identidade. Ela é importante, mas precisa ser vista em contexto, ou você perde a dimensão." Continuação da leitura, aqui...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

4º Aniversário da Fundação José Saramago - Leitura por Francisco José Viegas...

Regresso por um Rio...

«Esquece, profundamente ou quase, esquece. Esquece e não esqueças. Ao olhar para o céu vê-se o vazio do céu, o universo nu e perdido. Onde estão as estrelas? Ninguém vê o seu próprio destino, as navegações e rotas longínquas. Fala para ti próprio: regressaste. Ali era o rio, ainda corre. Ali era o muro repleto de heras. Ali a memória. Ali era o caminho entre amendoeiras, vindo da encosta de olmos e giestas. Ali os pombais. Ali qualquer coisa que deixaste algum dia, alguma vez. Ali, mais à frente, a arrecadação velha e uma acácia à espera de florir, em surdo tempo não espera por ti, nada nem ninguém te vê. Podes vasculhar por toda a tua eternidade em baús cheios de fotografias antigas, pequenas e grandes maravilhas, bordadas a papéis velhos, o rosto dela está aí. Quando o viste?»

Francisco José Viegas: Um pouco de biografia...

Francisco José Pereira de Almeida Viegas, conhecido do grande público pelo seu percurso jornalístico, é sobretudo um escritor versátil que já publicou obras de divulgação, de poesia, romances, contos, teatro e relatos de viagens. Nascido em 14 de Março de 1962, em Vila Nova de Foz Côa, viveu na aldeia de Pocinho (Alto Douro) até aos oito anos, altura em que os pais, ambos professores primários, se mudaram para Chaves.

As reminiscências de uma infância passada no campo servem-lhe frequentemente de referência para a escrita, nomeadamente no primeiro romance, Regresso por um Rio, que o autor caracterizou como «um cântico de louvor e de saudades, da minha terra, dos meus lugares, do meu rio, da minha família, da minha infância». Além de ser a última paragem da ferrovia do Douro, percurso apreciado pelo esplendor de uma beleza natural ímpar, que o autor viria a homenagear no álbum Comboios Portugueses, a aldeia de Pocinho está situada na confluência de três rios, o Sabor, o Côa e o Douro. Resulta talvez daí, além da metáfora e do simbolismo próprio do elemento água, a imagem recorrente do Rio presente na poesia e na prosa de Viegas, uma vez que, apesar de cultivar géneros diversos, a suas obras apresentam perspectivas temáticas e referenciais comuns.

Para o autor, o género poético situa-se fora da literatura, como se se tratasse de uma arte distinta dos restantes géneros literários, algo que emerge do sentimento religioso, uma vez que, segundo considera: a Poesia «não deriva da linguagem mas do sagrado». Deste modo, muitos dos seus textos reflectem uma demanda religiosa que o levou a abandonar o catolicismo da sua tradição e a converter-se à religião judaica.

O poeta João Luís Barreto Guimarães caracteriza a obra poética de Francisco José Viegas como «envolvente e melancólica, lugar da perda e da inevitabilidade, palco de um recorrente apelo ao ancestral em que a partida e o regresso reflectem aturadamente a eterna procura de um lugar onde mereça a pena existir». Para Fernando Pinto do Amaral tratam-se de poemas próximos de «um equilíbrio entre o real, os sentidos e a memória».

Escritor multifacetado, Francisco José Viegas afirma, por outro lado, que «toda a literatura é policial», tendo parodiado em vários romances, desde 1989, um género que admira, no qual conjuga a prosa poética, a gastronomia, o futebol (outras das suas paixões) e os lugares a que o ligam elos emocionais: Açores, Galiza, México, Irlanda, Escandinávia, Brasil. Naqueles romances aborda questões como a solidão masculina, o desencontro, o desencanto, dúvidas existenciais e pequenos prazeres. O crime é apenas o mote para enredos centrados na relação de amizade entre as duas personagens principais que criou, a dupla de inspectores Jaime Ramos e Filipe Castanheira. Alguns dos seus policiais (Um Crime na Exposição e Um Crime Capital) foram publicados, em jeito de folhetim, nos jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias, respectivamente.

O seu mais recente romance, Lourenço Marques (2002), foi sendo escrito e reescrito durante sete anos. O plano inicial contemplava mais uma aventura da dupla Ramos/Castanheira, mas a narrativa foi amadurecendo até se transformar numa história de amor e nostalgia em que a “averiguação” gira em torno da alegria da «África dos portugueses», evitando e circundando o complexo colonial. O escritor angolano José Eduardo Agualusa refere-se a este romance como parecendo «ter sido escrito por um africano».

Licenciado em Estudos Portugueses na Universidade Nova de Lisboa, leccionou Linguística (Teoria do Texto, Semântica e Teoria da Linguagem) na Universidade de Évora entre 1983 e 1987. O Alentejo, aliás, viria a marcar a sua escrita, também muito influenciada pela cultura açoriana, galega, irlandesa e africana, como se Francisco José Viegas preferisse os últimos redutos de uma vivência autêntica, em que reencontra a infância transmontana, ao cosmopolitanismo das grandes cidades onde o indivíduo perde a identidade no meio da multidão.

Perante a possibilidade de prosseguir a carreira académica, o autor optou pelo jornalismo, onde já se estreara enquanto crítico literário. Colaborou nos periódicos Jornal de Letras, Expresso e Semanário e foi editor da área cultural de um semanário de curta duração, O Liberal. Em 1987 tornou-se chefe de redacção da revista trimestral Ler, cuja qualidade de formato e conteúdos, à época inovadores no nosso país, muito deveram à direcção de Viegas entre 1989 e 2000. Foi talvez o único escritor português que dirigiu em simultâneo uma revista literária e um jornal desportivo (o quadrissemanário Gazeta dos Desportos, em 1995).

Enquanto divulgador cultural, as qualidades inovadoras de Francisco José Viegas manifestaram-se também em programas cujo formato é pouco usual nas televisões portuguesas: a promoção do Livro e dos Autores Portugueses em «Escrita em Dia» (na SIC) e «Ler para Crer» (na RTP2). Foi editor da revista Oceanos – publicada pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses – e director da revista de grande informação Grande Reportagem, tendo colaborado em quase todos os principais órgãos de comunicação social portugueses: na imprensa (O Jornal, Sete, Jornal de Notícias, Visão, Diário de Notícias, O Independente, Record), na televisão («Falatório», «Prazeres», «Primeira Página» e «Avenida Brasil», para a RTP), na rádio (TSF, Antena 1, RCL). Mantém alguns blogs sobre temas variados: língua portuguesa, gastronomia, música, viagens... É responsável pelo único programa totalmente dedicado à literatura actualmente em exibição na televisão portuguesa – «Livro Aberto», na RTPN – além de apresentar e conceber o magazine radiofónico «Escrita em Dia», na Antena 1.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

À Luz do Índico...

Lourenço Marques. Niassa. Pemba. Nampula. Lichinga. Beira. Maputo. Das províncias de Moçambique seria possível listar um itinerário e desenhar um mapa para uma viagem pelo norte do país. Esse desenho, traçado pela memória do passado e pelos rabiscos do presente de Miguel, personagem central do romance A luz do índico, do escritor português Francisco José Viegas, permite ao leitor transitar pelas ruínas de um espaço e de um tempo que não existem mais.

Publicado em Portugal em 2002, com o título Lourenço Marques, no Brasil foi lançado pela editora Língua Geral em 2007 e renomeado A luz do índico. Se de um lado temos um título referencialmente espacial, de outro temos uma referência imagética que atravessa a narrativa de Francisco José Viegas. Lourenço Marques era o antigo nome de Maputo, capital e maior cidade de Moçambique e sugere, após a leitura do romance, a relação espaciotemporal entrevista a partir das lembranças de Miguel ao retornar a Moçambique depois de vinte e sete anos. A referência imagética é percebida no título da obra publicada, no Brasil, como A luz do índico. Sem deixar de lado o referencial espacial – o oceano Índico que banha Moçambique a leste – focaliza-se, contudo, a luz. Nesse sentido, percebemos uma visada poética no título do romance quando nos deparamos com a afirmação de Miguel ao explicar essa luz, “Aquela luz perseguira-o como uma ameaça e como um aceno fatal, tão cortante como a lâmina do seu primeiro canivete, tão brilhante como os raios que se viam ao longe, sobre o mar da Inhaca, a partir da varanda da casa, ao fim da tarde.” (VIEGAS, 2007, p. 128). A personificação da luz em ameaça ou aceno fatal, a perseguição ou a morte, sugere a importância que isso terá para o desenvolvimento da trama.

Autor reconhecido por seus romances policiais, cujo detetive Jaime Ramos tornou-se figura singular em pelo menos três narrativas: Longe de Manaus (2005), A poeira que caiu sobre a terra (2006) e em seu último romance O mar em Casablanca (2009), Viegas apresenta uma narrativa que sugere já em seu título, Lourenço Marques, um viés incômodo.

A referência à atual Maputo recupera um passado anterior à Guerra civil de Moçambique e um presente marcado pela destruição deixada por ela. Elemento que atravessa constantemente a narrativa, a guerra é revista pelos olhares dos que ficaram e sofreram suas atrocidades e daqueles que fugiram e já não possuem identificação com ela. Entretanto, não se trata de um romance que pretenda – na esteira dos romances de formação – discutir a construção de uma identidade nacional em uma África pós-colonial.

O romance inicia com a descoberta do cadáver de Gustavo Madane, integrante da Frelimo, “Quinze anos de guerra, desmobilizado em 1993. Tratava o Samora por ‘tu’.” (VIEGAS, 2007, p.17). O excombatente tornara-se figura de várias passagens pela polícia, a qual andava no seu encalço esperando algum deslize, especialmente, o capitão Domingos Assor, cujo passado, iremos descobrir no decorrer do romance, era marcado por mágoas pessoais em relação a Madane.

Uma ruptura corta a narrativa e conduz o leitor ao aeroporto de Maputo. Através da utilização do discurso indireto livre, uma onda de lembranças são evocadas pelo personagem que, ao descer do avião, ouve a voz do alto-falante citar: Pemba, Beira e Nampula. Ou as cidades do passado: Beira, Nampula e Porto Amélia. A voz e as cidades citadas são o fio que reacende a memória do lugar e de um passado distante. Utilizando-se do fluxo de consciência, os pensamentos do personagem são apresentados num grande jorro de informações e lembranças que recuperam, através da linguagem, o passado colonial de Lourenço Marques, a Pérola do Índico...

O que pode ser percebido no fragmento que segue,

Não fales da guerra, Venda, que eu torturo-te: enquanto andavas aos tiros, a defender a Pátria, a dormir no mato e a apanhar malária, eu comia banana com leite condensado, bifes com molho de amendoim, bolo catembe, caranguejos à sofala, cuzcuz de Moçambique, matapá e mimini; (...) podiam ser estas memórias ou ser outras (...) tu não sabes mas eu não venho à procura de uma vitória, não venho à procura de um combate que ficou por fazer, eu sou um derrotado, um dos vencidos, nunca poderia querer ganhar uma guerra em que não entrei, não me lembro do cheiro de pólvora, do cheiro dos mortos, do cheiro de merda (...). Lembro-me de uma cidade. Lembro-me de uma estrada. Lembro-me de um retrato. Lembro-me de uma tarde fantástica, lembro-me de ter dezasseis anos, talvez quinze, talvez oito ou sete, ou seis, ou de não ter idade, e lembro-me disso fazer sentido. (2007, p.41-44)

Como é visível, o verbo lembrar, que finaliza o fragmento, expõe o que poderíamos caracterizar como a tônica do romance. A busca de Miguel por Sara, ou Maria de Lurdes, torna-se uma demanda, semelhante aos romances medievais, em que os cavaleiros saíam em busca do Graal ou de suas donzelas sequestradas. Mas, antes de ser por uma pessoa, agora o que se busca é um passado que poderia ter sido e não foi. Como o verso de Manuel Bandeira, em Pneumotórax, “A vida inteira que podia ter sido e que não foi”, Miguel é o personagem de uma “narrativa memorialista sem ressentimentos ou saudades” que, ao transitar pelos lugares de Moçambique, relembra os lugares, as pessoas e as imagens de um passado que ficou congelado no tempo e que é sua identificação.

O capítulo 11, um dos mais longos do romance, deixa transparecer através de um fluxo de lembranças, que jorram no discurso do narrador, a vida de Miguel. São imagens musicais, cinematográficas, esportivas, culinárias, visuais que buscam ordenar o passado do personagem.

Exatamente por essa ordem: a piscina do hotel, o fio de coqueiros e o pôr-do-sol. Há coisas que, um dia, têm de lembrar uma ordem, e essa ordem era a forma como o mundo se ordenava há muitos anos, quando existia paraíso. Porque, necessariamente, o paraíso não existe no futuro mas naquilo que se perdeu. Todos os paraísos são coisas perdidas, um rosto, uma casa, uma rua, um calendário, um som a meio da tarde, uma estação do ano, uma coisa que nos teria matado naquele instante preciso, naquele único instante. Todos os paraísos perdidos, mundos organizados apenas na nossa memória, num dia de que não se regressa como se regressa da morte ou de uma história de amor. Podemos esconder que regressamos da morte e que somos apenas sombras que atravessaram o rio de que se diz que os mortos nunca podem regressar, e podemos esconder uma história de amor durante anos, durante uma vida inteira, sujeitá-la a encontros clandestinos e a bilhetes trocados em segredo, as cartas que se escondem e a quartos de hotel onde se entra com outro nome. Podemos esconder a morte e o amor, a nossa morte e o nosso amor. Mas não podemos esconder mais nada. Não podemos esconder essa ordem que a s coisas tinham, há muito tempo, quando o paraíso se tocava com a ponta dos dedos, com uma ordem de voz, com um pedido, uma palavra, um nome. O paraíso é só isso. Um nome. E uma ordem das coisas. Essa ordem, exatamente essa ordem: a piscina do hotel, o fio de coqueiros e o pôr-do-sol. (2007, p. 103-4)

O processo narrativo utilizado por Francisco José Viegas desmonta os recursos de uma narrativa tradicional, misturando histórias e vozes narrativas que situam esse universo fragmentário de Miguel e nos permite verificar que este não está em busca de uma reconstrução do seu passado, ou à procura de reviver algo deixado para trás e que busca recuperar com tons de nostalgia – ainda que seja esse o tom caracteristicamente delineado na narrativa para os portugueses.  Eis aqui a continuação da Resenha Literária...
1 - Francisco José Viegas é ex-professor, jornalista, crítico literário e escritor multifacetado. Nascido em Vila Nova da Foz Côa, em 1962, publicou livros de poesia, romances, viagens, teatro, crônicas e guias. Suas narrativas são predominantemente policiais, gênero de sua predileção, cuja dupla de inspetores Jaime Ramos e Filipe Castanheira parodiam os grandes detetives das histórias tradicionais: Sherlock Holmes e Watson, de Conan Doyle ou Auguste Dupin, de Edgar Alan Poe. Também é divulgador cultural, responsável pelo programa de literatura Livro Aberto, exibido pela televisão portuguesa RTPN.
2 - Adenize Franco. Doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa – FFLCH/USP. Pesquisa: As ruínas da contemporaneidade: literatura e resistência emtempos de globalização.

domingo, 17 de julho de 2011

Uma Viagem à Índia...

Gonçalo M. Tavares dispensa maiores apresentações: entre poemas, contos e romances, o jovem escritor português, nascido em 1970, já publicou mais de vinte títulos, a maioria dos quais, com efeito, já se acha traduzida em todas, ou quase todas, as chamadas línguas de cultura. Não espanta nada, pois, que o considerem de fato um prodígio, algo como, com o perdão da metáfora óbvia, um Cristiano Ronaldo das letras contemporâneas, e lhe atribuam prêmios e mais prêmios mundo afora.

De todos os seus livros, porém, nenhum, até agora, pode comparar-se com o recém-lançado Uma viagem à Índia, que é, seguramente, uma das mais audazes e ambiciosas empresas de que se tem tido notícia, no universo em geral monótono e pasteurizado da literatura 'global'.

A obra, basicamente um diálogo com Os Lusíadas, de Luís de Camões, e com Ulisses, de James Joyce, conta a viagem indiana de Bloom, que sai de Lisboa em busca de "sabedoria/ e esquecimento". E com isso de "sabedoria e esquecimento", caro leitor, começam os problemas.

O mais sério deles, com efeito, - talvez mesmo o único - não está na trama, que é de fato muito bem bolada, nem nas alusões mais ou menos explícitas a alguns autores de cabeceira, e muito menos, enfim, na inconteste perícia narrativa do autor: o problema principal está no estilo, na língua, no tom escolhido por Tavares. A impressão que tive foi que a sua prosa poética - ou poesia prosaica -, justamente elogiada nos outros livros, em Uma viagem à Índia deixa um pouco a desejar, ficando aquém do esperado.

Um título que remete a Camões e a distribuição das palavras no branco da página não bastam: para que fosse um poema, a obra de Tavares teria de emanar aquela tensão, aquele magnetismo, aquela, digamos, 'luz' que brilha em todo grande poema, mesmo nos mais longos, e que Pound tão bem sintetizou na fórmula Dichten=condensare. Em muitos trechos, porém, em vez de fundi-las, Uma viagem à Índia fica a meio caminho entre poesia e prosa, isto é, nem tão pungente quanto a 'pura' poesia, e nem tão exato quanto a 'mera' prosa. "Mas Tavares não quis compor um poema!", me dirá, talvez, um dos seus muitos admiradores. Ao que eu responderia que, pra saber se quis ou não quis, teríamos de perguntar pra ele - mas, deixando de lado a sempre fantástica elucubração de possíveis intenções, o fato é que o livro está, sim, dividido em versos e estrofes e cantos. E, na condição de poema, deixa a desejar.

Como quer que seja, o que Tavares tentou foi um tour de force, foi uma verdadeira façanha literária, cuja ousadia e ambição importam mais, a meu ver, que os seus eventuais tropeços, e mostram que a épica, em pleno séc. XXI, está mais viva do que nunca. Isso, em si, já não é um feito? Parabéns a Gonçalo M. Tavares, um "barão assinalado".

*Érico Nogueira é poeta e tradutor, autor de Dois (2010) e O livro de Scardanelli (2008). Escreve semanalmente no Ars poetica, blogue de poesia.
 

Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores...

O prémio, no valor de 15 mil euros, é considerado um dos mais importantes em Portugal, distinguindo anualmente um autor. Segundo o comunicado da APE, Gonçalo M. Tavares foi escolhido por maioria, “ao reunir pela terceira vez”.

O júri, presidido por José Correia Tavares, foi constituído por Cristina Robalo Cordeiro, Fernando Dacosta, Isabel Cristina Rodrigues, José Manuel de Vasconcelos, Violante Magalhães, Isabel Cristina Rodrigues e José Manuel de Vasconcelos, estes dois últimos foram os únicos que não votaram no escritor mas sim em “A Cidade do Homem”, de Amadeu Lopes Sabino.

A concurso foram apresentadas 99 obras, mais 14 do que no passado, sendo de 74 homens, 25 mulheres, de 43 editoras diferentes, mais dez do que no ano passado.

O Grande Prémio de Romance e Novela já distinguiu 25 autores, de 16 editoras, havendo 4 que bisaram: Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís e Maria Gabriela Llansol.

Gonçalo M. Tavares nasceu em Angola, em 1970, e já recebeu vários prémios, entre os quais alguns dos mais importantes para a literatura em língua portuguesa, nomeadamente o Prémio José Saramago 2005 e o Prémio LER/Millennium BCP 2004, ambos para o romance "Jerusalém".

Recebeu também o Grande Prémio de Conto da Associação Portuguesa de Escritores Camilo Castelo Branco 2007, para a obra “Água, cão, cavalo, cabeça".

O escritor foi ainda distinguido internacionalmente, com o Prémio Portugal Telecom 2007, o Prémio Internazionale Trieste 2008 (Itália), o Prémio Belgrado Poesia 2009 (Sérvia) e o Prix du Meilleur Livre Étranger 2010 (França), para o livro "Aprender a rezar na era da técnica".

"Uma Viagem à Índia" já tinha sido distinguido com o Prémio Melhor Narrativa Ficcional 2010 da Sociedade Portuguesa de Autores e com o Prémio Especial de Imprensa Melhor Livro 2010 Ler/Booktailors.

Fonte, aqui...

Aprender a Rezar na Era da Técnica...

Aprender a rezar na Era da Técnica fecha a tetralogia O Reino, dos "livros pretos" (como os define o próprio autor), uma das mais singulares e impactantes realizações atuais da literatura em língua portuguesa.

A ação se passa em um país indeterminado, num período de paz que guarda, porém, memória viva de tempos de combate. Obcecado pela figura paterna, o médico Lenz Buchmann toma providências para se tornar o substituto do patriarca. Depois de adquirir grande reconhecimento como médico, percebe que precisa aumentar o alcance de sua competência. No velório do seu irmão mais velho, ele toma consciência de que sua técnica deve ser usada para curar não apenas indivíduos, mas também a cidade. Ele ingressa no Partido e se torna homem de confiança do candidato à presidência.

Aprender a rezar na Era da Técnica traz as mesmas características formais das obras anteriores do autor. O romance é formado por capítulos curtos, escritos em um estilo ao mesmo tempo sóbrio e sombrio, que em tom de naturalidade descreve ações de alto teor de perversidade e surpresa - sem no entanto apelar ao efeito fácil da violência.

Fonte...

sábado, 16 de julho de 2011

Meio Bicho e Fogo...

Valter Hugo Mãe, o fofo da literatura...

“Casa comigo.” A certa altura de sua sessão de autógrafos de três horas e meia de duração, imediatamente após o debate em que tinha sido ovacionado na Tenda dos Autores da Flip, sexta-feira da semana passada, o escritor português Valter Hugo Mãe encontrou esse bilhete dentro do exemplar de a máquina de fazer espanhóis que uma jovem leitora lhe estendia. Tratava-se, em suas palavras, de “uma miúda muito impressionante” – em bom brasileiro, uma gatinha. A mensagem curta vinha acompanhada de um email.

Mãe – nome artístico, que ele prefere em minúsculas, de um sujeito registrado há 39 anos como Lemos – não respondeu na hora, mas pega o voo de volta a Portugal, hoje à noite, levando o bilhete na bagagem. Pelo menos por enquanto, a “miúda impressionante” não precisa abandonar a esperança de ser a mãe do filho de Mãe, um projeto que ele anunciou no palco na mais emotiva das mesas do festival literário de Paraty, encerrada com aplausos de pé e lágrimas do escritor e de parte do público.

Uma surpresa? “Redondamente”, responde Mãe. “Seria até imbecil da minha parte imaginar algo assim. Ao chegar, pensava que conhecer Elza Soares seria o meu prêmio maior.” A jornalista portuguesa Isabel Coutinho, do jornal Público, também se espantou. “Valter tem empatia e sabe ser sedutor, em especial junto ao público feminino mais velho, talvez porque a máquina de fazer espanhois seja a história de um octogenário”, diz ela. “Mas o que se passou em Paraty foi algo de outra ordem.”

O tom emocionado e emocionante do escritor português parece ter sido a chave para sua comunicação imediata com o público brasileiro. No palco, Mãe falou de seus recentes anseios de paternidade, definiu os livros como “máquinas de fazer sentir” e, num tiro de misericórdia com bala de canhão, leu uma declaração de amor ao Brasil. Engolida pelo companheiro de mesa, a bonita escritora argentina Pola Oloixarac, que tinha chegado a Paraty com fama de musa, cancelou todos os seus compromissos posteriores e passou dois dias sem por os pés fora da pousada.

A argentina e o português formaram no palco uma dupla realmente estranha. Ela fez a apologia de uma literatura cerebral, mas soava confusa e desarticulada. Ele defendia a emoção como valor literário supremo com palavras claras e medidas, como se escrevesse poesia – linguagem à qual atribui seu aprendizado literário, exercitado em sucessivas coletâneas de versos, antes de estrear como romancista. “De fato, me interessa pouco um livro que seja muito inteligente e aborrecido”, afirma. “Gosto da dimensão encantatória do texto, entendo o livro como algo mudador.”

Mãe garante que nem o discurso de amor ao Brasil que conquistou definitivamente o público – escrito com habilidade e pontuado de referências a Renato Russo, telenovelas e amigos brasileiros queridos – teve algo de calculado. Diz que redigiu aqueles nove parágrafos, metade na noite da véspera, o restante poucas horas antes de subir ao palco, como uma defesa contra o medo de um desastre. “Quando vi aquela Tenda amarelei, como vocês dizem”, lembra. “Em Portugal não temos nada que se aproxime da experiência de falar para 2 mil pessoas. Eu tinha ido ver o Antonio Candido, vi que ele tinha seus apontamentos. Pensei que, se falasse ali sem ter nada escrito, seria como um trapezista sem rede.”

Valter Hugo Mãe deixa o Brasil com planos de voltar. Este ano, ocupado com o lançamento de seu próximo romance, em setembro, dificilmente conseguirá. O Filho de Mil Homens será seu primeiro livro com maiúsculas, depois que as minúsculas se tornaram uma espécie de marca registrada. “Não quero sentir que fiquei agarrado a algum tipo de receita”, diz. Depois deste, que considera com certa preocupação seu livro mais otimista com a humanidade, pretende retomar “temáticas mais escuras” e ambientar romances em outras terras. É aí que entra o “plano maquiavélico” de passar um tempo morando na Ilha da Conceição, em Niterói, onde passou férias inesquecíveis em 2000, para escrever uma história brasileira.  Eis aqui a continuação da leitura...

Um investimento a considerar...

A British Library precisa de 9 milhões de libras para adquirir o livro europeu mais antigo que se conhece. Trata-se do St. Cuthbert Gospel, um volume datado do século VII e descoberto em 1104, quando se reabriu o túmulo do santo que lhe deu o nome. De notar que todo o livro, das páginas à encadernação, estão tão bem conservado que nos faz duvidar das maravilhas do digital no que à ilusão de eternidade diz respeito (mas isto já é um comentário malicioso). Pela minha parte, só posso dizer que não me importava nada de contribuir para a aquisição, mas na impossibilidade de isso acontecer, deixo a notícia para quem ache que lhe vão sobrar uns trocos consideráveis depois de pagar o novo imposto, aquele do subsídio de Natal.

Fonte, aqui...

quinta-feira, 14 de julho de 2011

André Malraux...

Homem de grande participação na vida do séc. XX, André Malraux é freqüentemente definido com muitos adjetivos, tais como combatente, visionário, aventureiro e político. Romancista, ensaísta, amante das artes, cineasta, promotor de cultura, Ministro de Estado - qual seria a melhor forma de sintetizá-lo? Talvez a opção mais adequada fosse exatamente a de não buscar nele características únicas e definidas que nos permitissem facilmente compreendê-lo. André Malraux não se deixa apreender com facilidade: provoca elogios e críticas, estimula discussões e polêmicas. Sua vida aproxima, por vezes, paradoxos: a participação ativa em defesa da dignidade dos homens, ao lado de questões políticas que levantaram celeumas com relação à Guerra da Argélia.

Há entretanto que se conhecer esse homem, que produziu uma obra significativa e provocadora, atenta às questões sociais de seu tempo, ao papel da literatura e do escritor, à evolução da arte e à sua função social. Se os primeiros escritos, por vezes simbólicos e enigmáticos, já abordam questões filosóficas, como as diferenças culturais entre o Oriente e Ocidente, os romances - Os conquistadores (1928), A Estrada real (1930), A Condição humana (1933), O Tempo do desprezo (1935) e A Esperança (1937) - confirmam seu desejo de interferir nos acontecimentos políticos e sociais, e sua reflexão sobre o sentido e o valor da arte. Sem dúvida a frase do prefácio do Tempo do desprezo que diz : «pode-se querer que o sentido da palavra arte seja tentar dar aos homens consciência da grandeza que ignoram em si mesmos» reúne os dois aspectos mais marcantes da obra: ação política e reflexão estética. Aspectos que jamais se separam para Malraux. Ao contrário, cada vez mais se confundem com o advento da maturidade e a somação da experiência...
Homem da História e da ficção, da vivência e da invenção, como vemos nas diversas etapas de sua obra: dos chamados «écrits farfelus» aos romances revolucionários, e dos ensaios estéticos às suas Antimemórias. Ação e criação. Realidade e imaginação. Não como uma evasão romântica, como uma fuga ou uma pseudo-solução. Pelo contrário, fazendo com que uma explique a outra, tentando buscar em uma a presença da outra, reunindo o combatente e o visionário. Por que escreve Antimemórias ao invés de Memórias? «Porque as Antimemórias respondem a uma questão que as memórias não colocam, e não respondem àquelas que elas colocam», diz ele. Com efeito, Malraux não se volta para a sua vida, mas para a sua obra, não busca fronteiras, não quer separar os fatos vividos dos fatos inventados. Conversa com Clappique, o personagem bufão da Condição Humana, que lhe permite refletir sobre problemas com os quais os homens são incessantemente confrontados, mas também sobre os não-limites entre arte e realidade, entre seus personagens e ele mesmo.

Durante a Guerra Civil Espanhola

1937

O que Malraux faz, de fato, é desequilibrar as certezas que o mundo parece querer impor, para fazer concorrência à realidade: «o escritor, como o pintor, não é o transcritor do real, é o seu rival», diz em O homem precário e a literatura (1977), obra publicada postumamente e ainda pouco conhecida entre nós. O que ele faz é buscar não só a experiência do real, como também a da imaginação, para aprisionar a realidade e torná-la sua, o que lhe permitirá dizer um dia: «o mundo pôs-se a se parecer com meus livros».

Homem do destino e do antidestino. Do destino trágico dos homens, que o obsedava: a morte, o sofrimento, a angústia; do antidestino da arte, que o fascinava. Não porque o enganasse. Ao contrário, porque lhe ensinava os caminhos do mundo, o fazia ver suas possibilidades de mudança: a não rigidez das coisas, as várias linguagens e saberes de cada cultura, que a arte espelha e multiplica, e interpela.

O Museu Imaginário e a Biblioteca - conceitos que caracterizam sua reflexão - são lugares dessa convivência: da experiência com a criação, da realidade com a ficção, do saber das grandes obras com os saberes singulares que delas nascem. Numa espécie de aprendizado e ensinamento, círculo imperioso e necessário da vida: aprender para ensinar, ensinar para aprender, viver para morrer, morrer para viver, num processo de contínua metamorfose. Nesse sentido, a arte é antidestino. Não fim, porém possibilidades. Não resposta. Perguntas. Só perguntas.

Fonte, aqui...

As Palavras de Saramago...

Único escritor de língua portuguesa a ganhar o prêmio Nobel, José Saramago (1922-2010) é um exemplo perfeito do intelectual engajado preconizado pelo autor de As palavras, Jean-Paul Sartre. Com efeito, a intervenção na esfera pública, o comprometimento com uma visão crítica do mundo, a defesa de ideias muitas vezes polêmicas, a indignação diante das injustiças e desigualdades econômicas e sociais são características marcantes de alguém que jamais separou o escritor do cidadão e sempre disse com todas as palavras o que pensava.

Este livro, editado por Fernando Gómez Aguillera, biógrafo espanhol de Saramago, traz uma ampla seleção de declarações do escritor extraídas de jornais, revistas e livros de entrevistas, publicados em Portugal, no Brasil, na Espanha e em diversos outros países, da segunda metade da década de 1970 até março de 2009.

Os textos estão organizados cronologicamente no interior de núcleos temáticos que abrangem as questões mais recorrentes nas manifestações do escritor.

A primeira parte, centrada na pessoa José de Sousa Saramago, reúne comentários sobre sua infância, a formação autodidata, a trajetória pessoal, os lugares onde morou, bem como reflexões sobre si mesmo - o pessimismo, a indignação, a coerência, a primazia da ética - que traçam o perfil de um escritor sempre disposto a praticar a introspecção e a compartilhar seu pensamento com a opinião pública.

A segunda parte, em que vem para o primeiro plano a figura do escritor, traz reflexões sobre o ofício literário que mostram sua plena consciência dos procedimentos romanescos, concepções pouco ortodoxas para um comunista sobre as relações entre literatura e política - “não vou utilizar a literatura para fazer política” - e o papel do escritor na sociedade: “se o escritor tem algum papel, é intranquilizar”.

Na terceira parte, quem fala é o cidadão José de Sousa Saramago, o crítico, entre outras coisas, da globalização econômica, do “concubinato” dos meios de comunicação com o poder, do consumismo, do comunismo soviético, da paralisia da esquerda incapaz de inovar, do conservadorismo da Igreja católica, da postura de Israel em relação aos palestinos e do irracionalismo generalizado do mundo capitalista. Sua voz clama pela democracia social plena - não apenas formal e eleitoral -, pelo respeito integral aos direitos humanos e pelo sagrado direito de espernear: “Ao poder, a primeira coisa que se diz é não”.

As palavras de Saramago compõe o retrato falado de um escritor que exerceu seu ofício com o profissionalismo de um operário, a pertinácia de um militante político, a consciência de um cidadão e a visão ampla de um verdadeiro intelectual.

Fonte, aqui...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Quero Sim...

Fila das Leituras em Agosto: III...

Fila das Leituras em Agosto: II...

Fila da Leitura em Agosto...



Continuar a viver...


"O contraste entre as dificuldades e o entusiasmo quotidiano que lemos no livro é algo que pode caracterizar os cubanos ou isso é um lugar-comum?

Não, é mesmo assim, até porque é isso que nos salva. Não podemos chorar o tempo todo... Essa vontade de celebração é algo que nos caracteriza, sim, ainda que não do modo folclórico que alguns imaginam. Quando se passa oito horas sem electricidade, arranjam-se formas de contornar as coisas. Quando comecei a trabalhar como engenheira electrónica, em 1992, era frequente a electricidade falhar, e então ficávamos sem nada para fazer, por isso falávamos, conhecíamos pessoas, tínhamos amantes... A capacidade de relativizar as coisas faz-nos viver melhor e a região do Caribe sabe bem que isso é assim. Podemos estar uma hora a lamentar-nos sobre a vida, mas quando essa hora acabar, continuamos a viver."

terça-feira, 12 de julho de 2011

Hold Heart, És o meu Rei: sim!...

Ataque Metalinguístico: Minha Linguagem em mim, sem mim...

Eu sempre gosto de compreender os doutores... E na tentativa de entender um PhD em sociologia (sobre suas dúvidas em relação a tudo, inclusive, as cores duma bandeira, rsrsrsrs), decidi expor as minhas dúvidas sobre a metalinguagem... Não sei o porquê, mas de repente senti um desejo imenso de falar sobre minha dificuldade com a linguagem escrita; leio e releio os manuais de auto-ajuda, dicas sobre técnicas da escrita; outro dia encontrei (na Internet e li e reli) um livro de técnicas necessárias para escrever um best-seller com sucesso; mas só não consigo voltar a estudar as normas das regras gramaticais... Ora, eu já sei que os problemas que a escrita me proporciona, no corpo-a-corpo com a construção dum texto, se identificam e se resolvem com leituras e com o exercício da redação que o próprio texto me propõe...

Pode até parecer à primeira vista que eu ainda não tenho noção que a metalinguagem é a linguagem que fala da própria linguagem... Em outras palavras: quando estou usando um código linguístico para eu explicar-me e definir os elementos que compõem um texto, estou estendo a mão no apontamento de palavras do próprio código da escrita: função da metalinguística da linguagem, e para isto devo também compreender melhor as regras e normas gramaticais; não somente da Gramática Normativa, mais ainda da Gramática Gerativa... Havia esquecido: esta função também se restringe aos Dicionários; e ocorrem também em situações cotidianas da fala, quando estamos querendo entender o enunciado de outrem ou até mesmo daquilo que falamos (aqui eu chamo atenção para o Mal do Século, próprio dos Políticos: falam, falam, mas nunca sabem o que dizem), neste erro eu não quero incorrer; creio que já falei isto, mas torno sempre a repetir...

As frequências que a tal metalinguagem ocorrem são tão diversas: é só eu ficar atenta para a grandiosidade das quantidades (por enquanto esqueço a qualidade) das definições e das explicações que os termos e as expressões trazem no ato das leituras, e logo surge alguma compreensão... Bem... devo acrescentar algo que - para mim - é no mínimo curioso: sempre mantenho ao meu lado um caderninho para rascunhar minhas ideias mais imediatas, bem como as poesias que surgem de súbito, e ao espreitar um desses cadernos, leio nos rascunhos (2001) que esta minha angústia metalinguística é muito antiga, desisto do estudo feito (naquele momento) para fazer esta anotação poética sobre a dispersão turbulenta do meu pensamento no ato do estudo solitário: Um Raio...

Raios coloridos
Dum Espaço de Luz
Sideral e inexistente
Penetram-me
Tento fugir
Pra lá e pra cá
Sinto dificuldade de escrever
Não sei mais o que pensar
Falha a visão
Falta a concentração
Penso aqui, penso além
Foge o interesse
Em avançar na leitura
Some a disposição
Para com a atenção do texto
Disperso-me
Distraio-me nas divagações 
Fiquei indiferente
Diante de todas as imagens
Nem mais sei o que sou
Nem mais o que quero
Do quero de querer-te, sim!...

Voltando tudo outra vez: o maior predominante, que me confunde na metalinguagem, é o estudo nos estudos do próprio texto prosáico; como, por exemplo, é o caso das análises literárias e as interpretações diversas do romance, pois aí estar uma função muito presente na minha vida cotidiana: doméstica, de estudante e em todas as situações afetivas e sociais... E é aqui que devo parar para uma auto-avaliação dos meus últimos ataques existenciais metalinguísticos, pois nunca senti dificuldade ou alguma angústia qualquer com a escrita poético, mesmo não tendo o domínio eficiente - translado e movimento-me com tranquilidade no poema...

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Na verdade, era esta a canção que alguém já gravou na Fita da História...

Alguém tem uma fita?...

A Emoção: O Toque da Alma...

Estava eu em plena ebulição da memória... Rememorando e vasculhando o passando (lendo meus poemas e  arquivos antigos) em busca de alguma explicação para o mar de lágrimas em que eu estava navegando nesses últimos dias: tudo era motivo para desânimo e choro, foi apenas uma busca vã... Daí, hoje ao ler meus blogs prediletos encontrei uma breve explicação num texto do escritor J. Rentes de  Carvalho, ( exposto abaixo) “A Dor”, mas não foi suficiente...

Continuei com as buscas e reli uns fragmentos (“a emoção, o toque da alma”) do escritor Pierre Lévy acerca do sofrimento, como condicionante dos nossos males existenciais, segundo ele: “Quanto mais sofremos, mais o ego se fortalece... Achamos que sofremos por nós, e que o sofrimento é necessário... Acreditamos que sofremos para suprimir o sofrimento e que ele logo desaparecerá... Mas, ele sempre volta mais forte e, habitualmente, nem mais o sentimos: aqui é que ele ganha terreno... E quanto mais sofremos, menos queremos olhar o sofrimento de frente, pois tal atitude nos obriga a nos questionar profundamente. Na verdade, não pelo contrários, só assim poderíamos nos reencontrar... Ora, é justamente esse o problema: não somos capazes de distinguir entre o "si" e o "ego", tememos, portanto, nos perder... Não sabemos mais quem somos. Então, continuamos a nutrir nossos parasitas, esperando que isso provoque algum alívio em nossa situação... E assim nos tornamos dependente do sofrimento”...

Tal explicação sobre o sofrimento me trouxe um alivio para minha Dor, foi quando eu percebi o que Lévy diz sobre os “mecanismos que provocam o sofrimento que se auto-sustentam, nutrem-se da energia da alma para fazê-la voltar-se contra si mesma... Tornando-se necessários para fazer-se passar por ela e, enquanto na verdade, estão é trabalhando para destruí-la... Portanto o ego é a imagem protetora que o conjunto desses parasitas se edificam a fim de enganar a alma”...

Devo confessar que Pierre Lévy foi mais elucidativo - para mim – na “ecologia do sofrimento”, onde me diz: “Sinta suas emoções negativas, porque elas são os sinais que o permitem proteger-se e dirigir sua vida... Para fazer uma analogia com a esfera do corpo, se você não sentisse dor, se passasse o tempo se anestesiando, correria o risco de se queimar, se cortar, acabaria terrivelmente estropiado... Ora, diz ele, isso é exatamente o que costuma acontecer na esfera da alma... A emoção é nossa interface com o mundo. Se nossa alma tivesse pele, seu toque seria emoção... Pois, a armadura que vestimos sobre a alma a fim de protegê-la de eventuais golpes também está protegendo-a de qualquer afago... Os ferimentos são nossas maiores riquezas, eles mantêm aberto o caminho para o coração... quando congelamos o coração com medo de vê-lo sofrer, deixamos-lo morrer para a alegria... A insensibilidade ao sofrimento provoca a morte da alma”...

Tem mais: “Diante das emoções duas atitudes são possíveis. Ou as transformamos em atos, isto é, sentimo-las, vivemo-las plenamente, percebemo-las claramente como acontecimentos de nosso fluxo de experiências; ou só as sentimos pela metade, acreditamos que representam a realidade e então, bem naturalmente, as tornamos reais... Quando as emoções se realizam, isto é, quando desencadeiam indefinidamente outras emoções e outros pensamentos, quando se transformam em palavras e atos, então elas acabam nos encerrando ainda mais na prisão real que não cessamos de construir: a ilusão”!... (p. 47)

Por fim, encontrei mais explicações que podem agora desfazer minhas ilusões, pois a Dor que eu sentia (desejo não mais sentir-la), nada mais era do que a petrificação dum sentimento ilusório, foram emoções construídas desde uma primeira e desconhecida escrita que eu li: a Tua saborosa Palavra!... Reconheço que foi uma paixão (virtual) à primeira palavra lida e sentida... E, confesso: foi o mais tirano de todos os meus desejos ilusórios... Mas também reconheço que me libertarei desse teu fogo abrasador; e voltarei, novamente, transformar minha Dor em poesia...

- Citações d’O Fogo Libertador, Peirre Lévy.

A Dor...

                                                                                                  Thomas Kinkade
 Dor, a verdadeira, a que magoa fundo, conta-se a poucos. Não precisam de ser íntimos, podem ser escolha de acaso ou mostrar empatia, estar presentes no momento de fraqueza em que pomos a nu o sofrimento.

Dor terrível, a que revela como somos impotentes, incapazes, inúteis, enleados nas palavras e nos actos. O que se diz da dor fica aquém. O que sobre ela versejam os poetas, mesmo os talentosos, deixa um travo, soa a fabrico, raro a pena sentida. Dor é tempestade e trevas, punhais embotados, males do Inferno, horas infindas, dia sem alvorada. E silêncio.

A dor conta-se a poucos, disse eu. Não é verdade. O que se conta é a versão cosmética, compreensível, dentro do aceitável. Dor verdadeira cala-se e esconde-se.

Eis aqui a FONTE...

Ser Mulher...

A tua presença
apaga minhas certezas
e apresenta-me ao desconhecido

Rompe minha afetividade
Deixa-me entregue
a Mim, em Mim, sem Mim

És o desafio
Que me desvia do agora
A romper com meu futuro

Revelando-me
O universo humano
Da História que me traz
A memória o passado

Com a tua descoberta
Renasce o meu Mundo
Feminino

Sedimentas minha condição
 de Mulher
Revelando-me o oculto
da Androginia

É tempo de descobertas
E Tu renasces
 em Mim...

Numa Aventura Humana
Que se apropriou do Mundo
Para Nele organizar
A Guerra do Caos
Que traz a Paz

No Amor de viver
Num Porto Seguro
Do Ser Mulher...

terça-feira, 5 de julho de 2011

Homens em tempos sombrios...

Os textos reunidos neste livro são biografias comentadas de homens e mulheres que viveram os "tempos sombrios" da primeira metade do século XX. Mergulhando em mundos internos tão díspares como os de Hermann Broch e João XXIII, Rosa Luxemburgo e Jaspers, Isak Dinesen e Bertold Brecht, Heidegger e Walter Benjamin, Hannah Arendt submete a uma reflexão apaixonada, e por vezes implacável, seus erros e acertos, culpas e vitórias, responsabilidades e irresponsabilidades perante a realidade que enfrentaram.

A beleza destes relatos reside na sólida crença arendtiana na solidariedade e dignidade humanas, valores morais ainda capazes de impedir o triunfo do niilismo e do totalitarismo numa época de experiências catastróficas.
Tradução: Denise Bottmann

Hannah Arendt
Nasceu em 1906, em Hannover, Alemanha, de família judia rica e intelectualizada. Ingressou na Universidade de Berlim em 1924 e lá foi aluna de Heidegger e Jaspers, grandes influências em sua vida e obra. Refugiou-se nos Estados Unidos em 1941 e foi professora da New School for Social Research, em Nova York. Morreu em 1975.

Fonte...

segunda-feira, 4 de julho de 2011