terça-feira, 31 de agosto de 2010

Girando no meu próprio mundo...


Giramundo

Me leve prá outro lugar
Sua estrêla, a música
Me ensina o caminho...

Se um dia eu quiser ver
O que meus olhos não alcançarem
Eu tenho algo prá dizer
Mas não falo a sua língua...

É mais do que querer
Eu sei que eu vou te encontrar
Estrêla de muitas pontas
Seus milhões de retalhos...

Giramundo
Eu sei que eu vou te encontrar
Me faltam as palavras
Mas quem fala é a música...

Te chamo prá essa dança
Com você meu corpo gira
Em cada movimento
Te descubro um pouco mais...

Me perco nas batidas
Pois meu coração dispara
Invento um novo amor
Nessa língua universal...

Giramundo
Desejo não vai me faltar
Em cada movimento
Um feixe de côres...

Eu sigo essa viagem
Giramundo, mundo gira
Na minha mala leve
As maçãs do meu amor...

São tantos decibéis
Para abrir esse caminho
De coração aberto
Hoje ninguém fica sozinho...
Gira, gira
Gira, gira
Giramundo
Gira, gira
Gira, gira
Giramundo
Me leve para outro lugar...(2x)

Giramundo
Eu sei que eu vou te encontrar
Me faltam as palavras
Mas quem fala é a música...

Te chamo prá essa dança
Com você meu corpo gira
Em cada movimento
Te descubro um pouco mais...

Me perco nas batidas
Pois meu coração dispara
Invento um novo amor
Nessa língua universal...

Giramundo
Desejo não vai me faltar
Em cada movimento
Um feixe de côres...

Eu sigo essa viagem
Giramundo, mundo gira
Na minha mala leve
As maçãs do meu amor...

São tantos decibéis
Para abrir esse caminho
De coração aberto
Hoje ninguém fica sozinho...

Gira, gira
Gira, gira
Giramundo
Gira, gira
Gira, gira
Me leve para outro lugar...(3x)
Gira, gira
Gira, gira
Giramundo...



sábado, 28 de agosto de 2010

Caminhos de Rio...

                                                               Imagem: Rio Amazonas, nascente: blog Turismo e meio ambiente
Nos caminhos desse rio
muita história pra contar
navegar nessa canoa
é ter o mundo pra se entranhar.

Cada canto esconde um canto
Cada homem e mulher
tem a fé, a força e a história
pra contar pra quem quiser.

Tem um bicho visagento
que aparece no terreiro
tem um rezador
tem um santo catingueiro
tem a cobra-grande
que aparece no arrombado
tem cuia de caridade
pra espantar o mau olhado.

Tem o boto sonso
que aparece no terreiro
pra fazer as moças
liberarem os seus desejos...

Raízes Cabocla

Florestania: uma hipocrisia na Amazônia...

                                                                                             Imagem: blog Órbita Terra
Eu cá vivendo no deslumbre de uma provinciana: deixo-me seduzir com a vida regulamentada dos seres civilizados... Chego a pensar que os Governantes Europeus são os que detêm todas as alternativas para garantir a manutenção do Planeta Terra e melhores condições de sobrevivência para nossas vidas... No entanto, uma nebulosidade invade meu ser: fico desnorteada (ao ler sobre tantas queimadas assolando o mundo) quando vejo um país civilizado culpando apenas os incendiários diante de tantos culpados: as vítimas das vítimas!... O pior ainda foi ler toda a Europa em Guerra com a própria Natureza: são catástrofes de todas as categorias; porém o mais infernal são as queimadas que nos tornam em “mortos-vivos”... Sim, é assim que me sinto no meio da nebulosa fumaça que vem dos quatro cantos do mundo: evito respirar profundamente na tentativa de obter uma melhor visibilidade: racionalizar o ar que eu respiro foi-me a única alternativa de sobrevivência durante o mês de agosto: é a Treva!...

Entre o Espaço da minha Utopia e a exploração da nossa Floresta está a banalização do entusiasmo de um mundo construído na indiferença do ambiente planetário totalmente degradado.... Superar e procurar entender o dualismo - que convergem nos projetos da florestania que nos colocam em igual condição de ocuparmos, por um momento; o céu, e em outro momento; o inferno – é o meu único desafio!...

Inefavelmente, tentei deixar sobressair a voz de quem sente a dor da destruição sem precedência... E, lembrei dos Projetos da Florestania do Governo da Floresta que diz que Acre é essencialmente jovem: a nova cultura da florestania é cabocla e que a prioridade governamental é a valorização da auto-estima como uma saída para definir o que é bom para nós acrianos... Segundo eles: é preciso financiar idéias dos jovens na própria comunidade... resgatando nossa cultura para não acharmos que a cultura brasileira é apenas o que está na TV, evitando o consumismo desnecessário para assumirmos responsabilidades e nosso próprio costume (até mudaram o fuso horário do nosso Estado..., porque somente assim se construirá o real valor local da cultura, do modo de ser, de viver, de comer, de trabalhar valorizando os produtos acrianos (o presidente fala que a Amazônia é uma base sólida para o desenvolvimento brasileiro e para o Acre, só que ela está pegando fogo)... Eles ainda nos garantem que a fase desenvolvimentista da Amazônia: dos garimpos criminosos; dos grandes rebanhos bovinos; da exploração madeireira; das queimadas; dos mega-projetos desenvolvimentistas já não fazem mais sentidos e nem são a solução para a Amazônia... Então, a solução da florestania é conhecer o que nos torna autênticos perante a floresta tropical brasileira: é enfrentar o desafio das cobiças e das corrupções... É sabermos que no projeto de desenvolvimento sustentável (antes de sermos cidadãos brasileiros) somos cidadãos amazônidas e pertencemos ao Planeta Terra e não ao “Planeta Carne”, “Planeta Soja” ou Planeta Tecnologia...

Outro dia na propaganda eleitoral eu ouvi o candidato ao Senado Jorge Viana dizer que a floresta em pé não é uma solução de viabilidade econômica e que a floresta deve de servir como recursos econômicos para melhorar as condições de vida das pessoas: eis o que eu chamo de banalização da florestania... Eles dizem que as queimadas são uma prática muito atrasada e que as pessoas que fazem queimadas devem de serem denunciadas e punidas... Porém o fogo e a fumaça que assolam nossas vidas estão nos apontados quais são os verdadeiros culpados!... O fogo que está a arrasar nossas florestas também quer saber quem ateou fogo na ética desenvolvimentista!...

Perdoem-me pelo desabafo  “inefável”: foi o impacto da invisibilidade fumaçante do meu ser de agosto!...

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Tony Judt...

Até ao fim, disse ao mundo o que pensava dele. A doença, terrível, capturou-lhe o corpo e tornou-o uma armadura no combate contra si mesmo. A esclerose lateral amiotrófica deu-lhe todas as paralisias e uma experiência apocalíptica: a de uma invencível forma física de mal. Tony Judt não se escondeu: escreveu sobre o que lhe estava a acontecer e previu o que lhe iria acontecer. Esse depoimento tem uma lucidez no desespero que o universaliza e faz dele o testemunho, ao mesmo tempo inocente e ímpio, de um condenado à morte.

Na vida deste judeu inglês, que "cresceu rodeado de palavras e foi criado com elas", houve a busca de um pensamento sobre os acontecimentos e os homens. A história, feita e refeita, foi-lhe a grande lente com que viu o mundo. O seu livro "Pós-Guerra - Uma História da Europa desde 1945" ficará como clássico de uma história que não teme o confronto com as disputas, as memórias e os fantasmas de um passado que ainda não passou. Judt sabia que a história é incerta e labiríntica como a vida e o mundo de que fala. Escrevia com um estilo feito de minúcia e clareza, mas que não iludia as indeterminações e os enigmas. Lê-lo torna-nos atentos. Esta atenção favorece-nos e é desafio, impugnação, conhecimento. Com ela, reparamos mais e compreendemos melhor, fazendo perguntas às nossas respostas.

De tanto olhar o tempo que corre como a água, Judt não deixou de ver o hoje desse rio de Heraclito em que nos banhamos. Os seus ensaios sobre a atualidade são de uma coragem sem recuo. Judeu e até sionista na sua adolescência, pôs depois em causa a política do Estado de Israel e fez críticas e propostas que lhe foram pagas com a moeda da inimizade e do insulto. Europeu, era agora muito crítico dos caminhos da Europa e dos sinais que os indicam. Inglês a viver em Nova Iorque, em cuja Universidade ensinava, condenou a invasão do Iraque e opôs-se à atitude guerreira e imperial da Administração americana. Historiador, achava que entrámos numa época perigosa de esquecimento da história e de amnésia do mal. Por tudo isto, a sua visão fez-se pessimista, depreciativa e desencantada. Mas, nele, o desencanto não tinha a voz da melancolia ou da desistência: era insolência, provocação e protesto. O seu último livro ("Ill Fares the Land" - "O Mal Ameaça a Terra") defende um regresso à grande tradição da social-democracia (a que pertence o socialismo democrático e o trabalhismo) e do Estado-Providência, aquela que, embora com falhas, melhor aliou os valores da liberdade e da igualdade. É um triste sinal do tempo a que chamamos nosso que tal defesa tenha sido olhada como um radicalismo suspeito. Estes têm sido os anos de um extremismo agressivo, ávido e vertiginoso, que fez do aumento da desigualdade, da desproteção e da exclusão uma virtude. Para o neoliberalismo fundado num determinismo economicista, tecnocrático, gestionário e messiânico, toda a ideia de 'social', mesmo a que se mostrou justa, moderada e eficaz, é tida como desvio ou ameaça. Isto por si prova a necessidade e o merecimento da proposta de Tony Judt. E é uma boa razão para persistirmos nela, dizendo com ele: "A social-democracia não representa um amanhã que canta nem um ontem que cantou. Mas, entre as opções políticas, é melhor do que qualquer outra ao nosso alcance."

De "Pós-Guerra - Uma História da Europa depois de 1945" a "O Século XX Esquecido - Lugares e Memórias", dos artigos sobre Koestler, Hannah Arendt e Camus à crónica a que chamou "Noite", na qual fala da doença e da morte que ela anunciava, estamos com um historiador-ensaísta que fez do mal uma das personagem da sua obra. Ao lê-lo, sinto proximidade. E, quando houve uma ou outra leitura feita na discordância, ou mesmo na discórdia, nunca foi inutilmente que a minha cabeça disse não ao que os meus olhos liam.

A morte de Judt acontece num tempo de todos os perigos para a Europa e para o Ocidente. Como disse recentemente, com um eterno cigarro na mão e uma grande clarividência nonagenária, o antigo chanceler alemão Helmut Schmidt (no seu tempo considerado um social-democrata de direita), para que o desastre no Ocidente seja perfeito só falta que, em 2012, os Estados Unidos juntem aos medíocres que governam a Europa a senhora Sarah Palin, trocando Obama por ela.

Judt era um escritor que gostava de luz e de penumbra. O seu estilo tinha, às vezes, a geometria verbal dos antigos moralistas. E a sua incessante vivacidade crítica era uma água que vinha de uma fonte que tornou fértil e ágil a nossa cultura. Na sua morte, não se contaram, como agora é costume, pequenas anedotas biográficas ou aquilo que na vida é menos vida. Falou-se das suas ideias e da voz com que as afirmou. Isto ter acontecido, assim e neste tempo, já nos diz quem foi e aquilo que fez Tony Judt.

Por José Manuel dos Santos
jmdossantos@netcabo.pt
FONTE: Expresso online

A social-democracia é o novo radicalismo...

Tony Judt, um dos maiores especialistas do século XX europeu, escreveu um apaixonado apelo aos jovens "dos dois lados do Atlântico", "Ill Fares the Land". Pede-lhes que se irritem com o vazio moral do neoliberalismo e propõe-lhes o regresso a um lugar conhecido: o Estado-providência.

O mais recente livro de Tony Judt, publicado já esta Primavera em Nova Iorque e Londres, e com chegada prevista a Portugal no último trimestre deste ano, via Edições 70, não é um livro de História a acrescentar à sua extensa e brilhante carreira de especialista do século XX europeu. "Ill Fares the Land" (numa tradução possível, qualquer coisa como "o mal ameaça a terra") está também longe de ser apenas um livro de ciência política. Preso no seu corpo (sofre da doença de Lou Gehring, que vai degradando o sistema nervoso até à paralisia total dos movimentos, embora mantenha intactas as faculdades intelectuais), Judt não esconde aqui a preocupação principal dos intelectuais "engagés": mudar o mundo. E é assim que a obra do historiador, talvez a sua última obra, se transforma num manifesto apaixonado pela defesa de um projecto de sociedade que tão profundamente investigou e tão de perto viveu desde o nascimento, numa Londres ainda arrasada pelos bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial.

Em "Ill Fares the Land", Tony Judt propõe-se firmar uma tese e construir um projecto de acção política. A tese é que a social-democracia e o Estado-providência são os melhores modelos de governação pública, de consenso comunitário e de sustentação de sociedades mais igualitárias e equilibradas, sem prejuízo da tolerância democrática e da liberdade individual. A acção política que reclama começa com uma nova forma de pensar a esquerda, reescrevendo os discursos sobre o Estado e os serviços sociais no reconhecimento de que o modelo neoliberal é insustentável a prazo pela desigualdade que gera e pelas tensões sociais que provoca. Os destinatários deste programa são os cidadãos dos países ocidentais, principalmente os "jovens dos dois lados do Atlântico". Não apenas porque "a última vez que uma geração expressou comparável frustração pelo vazio e a desinspiradora falta de sentido do mundo foi nos anos 20"; também porque "a divergência e a dissidência são fundamentalmente trabalho dos jovens".

Judt não cai no erro de se fechar numa fórmula maniqueísta. A social-democracia nórdica, recorda, foi por exemplo responsável por projectos de eugenia impensáveis; governos social-democratas estiveram por trás do "pior planeamento urbano dos tempos modernos"; o sentimento de falta de resposta por parte dos que mais precisam do Estado social agravou-se; a rejeição à dependência da burocracia estatal aumentou. E o que em muitos casos era um direito tornou-se um abuso. Como o da idade da reforma dos ferroviários franceses, fixada aos 55 anos numa era em que muitos começavam a colocar carvão nas fornalhas aos 13, mas que se manteve até esta época em que a profissão se exerce nas sofisticadas cabinas dos TGV.

O que está então em causa é uma comparação racional. "A social-democracia não representa o futuro ideal; nem sequer representa o passado ideal. Mas, entre as opções hoje disponíveis para nós, é melhor do que qualquer outra coisa ao nosso alcance", escreve. Expostos os perigos dos extremos à esquerda e à direita, o exemplo que nos resta analisar e, defende, desenvolver é o consenso social do pós-guerra que mobilizou a democracia cristã, o conservadorismo britânico e alemão ou a social-democracia nórdica. Como escreveu Ralph Dahrendorf, esse modelo "significa o maior progresso a que a História já assistiu. Nunca tantos tinham antes experimentado tantas oportunidades de vida".

Mais desiguais

Há nas 237 páginas do livro um sucessivo cruzamento de nostalgias e de paixões próprias de um cidadão que foi beneficiário das conquistas do Estado-providência. Mas também um sistemático recurso à memória histórica para nos confrontar com a sensação de que tudo é transitório na economia, na política ou nas relações internacionais. "Muito do que hoje nos parece ser 'natural' data dos anos 80: a obsessão com a criação de riqueza, o culto da privatização e do sector privado, as crescentes disparidades entre ricos e pobres. E, acima de tudo, a retórica que as acompanha: a admiração acrítica dos mercados livres, o desdém pelo sector público, a ilusão do crescimento eterno". Ora, acrescenta, o materialismo nem sequer garante um modelo económico mais eficiente: "O pequeno crash de 2008 foi uma lembrança de que o capitalismo desregulado é o seu próprio pior inimigo".

O maior perigo da actual submissão ao livre mercado e do recuo do Estado na esfera social está, porém, no crescimento das desigualdades. "Do final do século XIX até aos anos 70, as sociedades avançadas do Ocidente tornaram-se todas menos desiguais. Graças aos impostos progressivos, aos subsídios do Governo aos mais pobres e à provisão de serviços sociais e garantias contra as desgraças imprevistas, as modernas democracias foram apagando os extremos da riqueza e da pobreza". Mas, afirma Judt, "nos últimos 30 anos deitámos tudo isso fora". A cada ano que passa, acrescenta, as distâncias entre a pobreza e a riqueza acentuam-se. Os casos que cita da General Motors (GM) e da cadeia de distribuição Wal-Mart são a este propósito esclarecedores: "Em 1968, o CEO (presidente do Conselho de Administração) da General Motors levava para casa, em salário e prémios, cerca de 66 vezes o valor pago a um operário típico da GM. Hoje, o CEO da Wal-Mart ganha 900 vezes o salário médio de um dos seus funcionários. De facto, a riqueza dos fundadores da Wal-Mart nesse ano equivalia ao rendimento da camada de 40 por cento da população mais pobre dos EUA: 120 milhões de pessoas".

Ora, argumenta Judt, a desigualdade é um vírus que contamina todas as classes sociais. O historiador não cita, mas poderia citar, o facto de a mensagem de Lula na sua primeira eleição ter tido grande aceitação junto dos jovens das classes altas, que acabaram por constatar que, apesar da sua riqueza, não podiam viver numa sociedade infectada com o vírus da exclusão e da violência.

"Somos muitas vezes cegos a isto", lamenta o historiador: "Os nossos sentimentos morais foram, de facto, corrompidos. Tornámo-nos insensíveis aos custos humanos de políticas sociais aparentemente racionais".

É com base neste retrato que Judt invectiva os jovens a "zangarem-se". Não porque tenham o dever de conduzir um projecto revolucionário e transformador das bases actuais da sociedade livre, da democracia parlamentar ou do capitalismo. Mas porque, citando o "papa" da economia clássica, Adam Smith "nenhuma sociedade será verdadeiramente florescente e feliz se uma grande parte dos seus cidadãos for pobre e miserável". Mesmo que a noção de pobreza seja discutível, Judt insurge-se contra os "sintomas do empobrecimento colectivo" que diz estarem "em toda a parte". "Auto-estradas degradadas, cidades na bancarrota, pontes perto do colapso, escolas falhadas, os desempregados, os mal pagos, os que não têm seguro..."

Sem segurança, sem confiança, as sociedades ocidentais ameaçam ruir, avisa Judt. "A insegurança alimenta o medo. E o medo - medo da mudança, medo do declínio, medo dos desconhecidos e do mundo não familiar - está a corroer a confiança e a independência nas quais se sustentam as sociedades civis" do Ocidente. Para Judt, uma das conquistas das social-democracias europeias foi uma rede de protecção contra essa insegurança. "Restaurar o orgulho e a auto-estima dos perdedores da sociedade foi uma plataforma central das reformas que marcaram o progresso do século XX. Hoje, voltamos a virar-lhes as costas. Ser beneficiário de ajuda pública, seja sob a forma de apoios à infância, alimentos ou subsídios de desemprego, é uma marca de Caim: um símbolo de falhanço pessoal", lamenta.

É urgente, diz, reclamar que o Estado reocupe a posição central da vida colectiva. Não o Estado totalitário dos extremismos do século XX, mas o Estado democrático e activista que configurou o "New Deal" e a "Great Society" nos Estados Unidos, ou o mercado social alemão. "O que é que a confiança, a taxação progressiva e o estado intervencionista legaram às sociedades ocidentais nas décadas que se seguiram a 1945? A resposta curta é, em vários graus, segurança, prosperidade, serviços sociais e uma maior igualdade". Mas as vantagens não foram apenas sociais: também se sentiram ao nível da economia. Muitas das críticas à ineficiência económica, à insuficiente inovação ou ao marasmo empresarial das social-democracias "são comprovadamente falsas". "Poucos ousariam dizer que os EUA tiveram falta de iniciativa ou empreendedorismo nesses anos", acrescenta.

Do Maio de 68 a Thatcher

Mas se tudo era assim tão quase perfeito, o que falhou? Judt assume aqui mais do que nunca o ofício do historiador para analisar o recuo do Estado providencial e o triunfo do capitalismo libertário. Entre as causas que assinala, estão a fragmentação do proletariado de colarinho azul no decorrer da década de 50 e os impactes de uma transformação baseada na autonomia individual. Mas é curioso verificar que, para Judt, a principal origem do fracasso do projecto da esquerda moderada está numa atitude de contestação que ainda hoje ela própria celebra com nostalgia: as revoltas estudantis dos anos 60, Maio de 68 incluído, e a cultura pop.

"O que uniu a geração de 60 não foi o interesse de todos, mas as necessidades e direitos de cada um", aponta Judt. Até então, "o centro da gravidade da argumentação política não estava entre a direita e a esquerda, mas na própria esquerda". Excepções, como as de Raymond Aron ou Isaiah Berlin, eram raras. A geração de 60 e a esquerda que a estimulou perderam "todo o sentido da partilha de propostas" e esvaziaram "o consenso implícito das décadas do pós-guerra", abrindo portas à emergência de um novo consenso baseado "na primazia do interesse privado". O "narcisismo dos movimentos estudantis, dos novos ideólogos da esquerda e da cultura popular dos anos 60" mudou tudo, e as suas influências chegam aos dias de hoje: "Os homens e mulheres que dominam a política hoje são inquestionavelmente produtos - ou, no caso de Nicolas Sarkozy, subprodutos - dos anos 60".

Esses novos valores da esfera privada e do utilitarismo individualista, na opinião de Judt, cristalizaram-se nos mandatos de Thatcher, Reagan e, noutra escala, Valéry Giscard d´Estaing, "os primeiros políticos do centro-direita a ameaçar o consenso do pós-guerra". De seguida emergiram os pensadores do capitalismo libertário, "homens como Hayek ou von Mises", que "pareciam condenados à marginalidade cultural e profissional", mas que, "quando os Estados-providência, cujo fracasso tão diligentemente profetizaram, começaram a sentir dificuldades, tiveram audiência para as suas opiniões".

Uma vez no poder, o pensamento em favor do recuo do Estado e da expansão dos negócios privados instalou-se, iniciando a tal fase de 30 anos que Judt defende agora ser urgente inverter. Além da economia, também os direitos, liberdades e garantias da democracia liberal ficaram ameaçados: "A redução da sociedade a uma fina membrana de interacções entre indivíduos é hoje apresentada como a ambição de libertários e de livre-cambistas. Mas não nos podemos esquecer que esse foi o primeiro e principal sonho de jacobinos, bolcheviques e nazis: se não há nada que nos una como comunidade, então estaremos profundamente dependentes do Estado. Uma vez que tenhamos cedido o valor do público ao privado, seguramente virá o tempo em haverá dificuldades em valorizar a lei (o bem público por excelência) em vez da força".

O Estado reabilitado

É tempo, diz Judt, de "começar de novo". Por onde? Pelo que se conhece e já foi testado. Mesmo que "o passado" seja "outro país", impossível de alcançar, há um diagnóstico que Judt propõe como ponto de partida: "Temos de aprender de novo a criticar quem nos governa". O discurso de Judt sai então da terminologia do consenso e envereda pelos trilhos do jacobinismo. "Não podemos ter esperança na reconstrução do nosso dilapidado discurso público a menos que nos irritemos com a presente condição", escreve.

Reinventado o discurso, o que é imperativo para que "o mal" abandone a terra e para que a política deixe de ser feita por "pigmeus" e uma massa anódina de votantes despidos de aspirações à cidadania? O programa é vastíssimo: novas leis, regimes eleitorais diferentes, restrições ao "lobbying" e ao financiamento dos partidos. E o reconhecimento da tensão e do conflito de interesses, contrário à tese de Adam Smith segundo a qual o enriquecimento de alguns promove o bem-estar de todos. "Tem sido lugar-comum afirmar que todos queremos as mesmas coisas. Isto é simplesmente falso. O rico não quer o mesmo que o pobre". A questão social é, sustenta o historiador, uma questão eterna das agendas políticas do Ocidente democrático. "Como devem as massas trabalhadoras ser trazidas para a comunidade - como eleitores, como cidadãos, como participantes - sem sublevação, protesto ou mesmo revolução?". As respostas da social-democracia "mostraram-se espectacularmente bem-sucedidas: não só se evitou a revolução como as massas trabalhadoras foram integradas num admirável grau", o que aliás Marx nunca julgou que fosse possível.

No seu apelo, Judt vê no Estado a ferramenta essencial para as mudanças. "Temos agora de nos libertar da noção [de que] o Estado é a pior opção disponível". Para esse passo ser dado, as novas gerações têm de aprender as lições dos perigos de "um Estado activista", mas precisam também de "aprender a pensar o Estado de novo". No balanço dos prós e contras, Judt rejeita as experiências do Estado soviético e totalitário, mas recusa-se a "retirar a palavra socialismo da história". Com um mas: o socialismo falhou, enquanto a social-democracia não só chegou ao poder em muitos países, "como superou os sonhos mais ambiciosos dos seus fundadores".

Na fórmula que Judt agora propõe, há tanta lucidez como emoção. Mas, para o exercício ser completo, falta acrescentar as críticas dos pensadores da Terceira Via, com destaque para Giddens; falta verificar as condições demográficas que favoreciam a solidariedade fiscal entre as gerações há meio século e que agora a complicam; falta enquadrar na teia das relações internacionais o sucesso chinês; falta analisar não apenas os erros das privatizações, mas também o sucesso da entrega a privados de serviços públicos, como é o caso da experiência sueca com escolas que dura há 20 anos. Falta, talvez, um pouco menos de utopia e um pouco mais de realismo. Mas haver nestes tempos sombrios quem tenha sonhos de transformação e os defenda com o talento, o saber e a paixão de Judt é boa notícia. O seu livro, por muito que se discorde da mensagem, vale por ser uma preciosa defesa de que a vontade colectiva faz mexer o mundo. Como escreveu Alexis de Tocqueville, insuspeito de ser revolucionário: "Não posso deixar de recear que os homens cheguem a um ponto em que olhem para cada nova teoria como um perigo (...), cada avanço social como um primeiro passo para revolução".

Por Manuel Carvalho
FONTE: Ípsilon

A Terceira Via Verde...

                                                                                                                              Imagem BING
Meio ambiente

"Anthony Giddens, mentor do ex-ministro britânico, Tony Blair, em “The Politics of Climate Change”, analisa como a política pode salvar o meio ambiente"...

Mentor do ex-ministro britânico Tony Blair, o cientista social ingles Anthony Giddens ficou conhecido há 15 anos por criar a Terceira Via, conjunto de ideias que tentam ser uma alternativa ao socialismo e ao liberalismo. Giddens agora se dedica a analisar como a política pode salvar o meio ambiente. No recém-lançado The Politics of Climate Change (“A política de mudanças climáticas”, numa tradução livre), ele afirma que a solução para os problemas climáticos não está numa revolução tecnológica nem na multiplicação das ONGs. A única maneira de fazer as transformações necessárias para evitar os problemas resultantes do efeito estufa está na política. Giddens defende a necessidade de uma coordenação entre países para uma mudança ampla em todo o mundo.

O primeiro passo que os governos devem tomar, segundo o autor, é incentivar de maneira articulada o empreendedorismo verde para tornar os negócios sustentáveis viáveis. Para ele, cabe ao Estado puxar a economia para um novo patamar, e para isso os governantes não devem se valer de ameaças de cataclismos. “É preciso ser prático. Martin Luther King não tocou as pessoas com um discurso de ‘Eu tenho um pesadelo’. Medo e ansiedade não são bons motivadores”, diz. O discurso também deverá tocar os cidadãos comuns. “Como os perigos colocados pelo aquecimento global não são visíveis no dia a dia, por mais extraordinários que eles sejam, a maioria não faz nada a respeito. Ainda esperam que eles se tornem aparentes para se mexer, quando, por definição, será tarde demais”, afirma Giddens.

 
Por Felipe Carneiro


Guia Exame de Sustentabilidade 2009

(FONTE: Planeta Sustentável)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Girando no meu próprio Mundo...

Distante em Pátrias sem Mátria... Porquê?...

Saudade do Mestre Pastinha...

 1. História triste
João Batista Nunes de Souza
(Mestre Charuto)

Na vida, na saudade uma tristeza
Quando eu levanto, eu vejo um nevoeiro
E as vistas escureceram

Já percebi, que alguma coisa me aconteceu
Eu lembrei de um grande mestre, angoleiro
Sua vista ele perdeu

O que pode acontecer, com saudade eu vou rever
Essa grande história triste, ta no livro
Na Bahia aconteceu, estou falando do Mestre Pastinha
Foi um dia amigo seu, na roda de capoeira
E você nem percebeu, camaradinha

Iê, viva meu Deus, camará
Iê, viva meu mestre
Iê, que me ensinou
Iê, a malandragem
camará


2. Gira mundo
Oswaldo Franco Junior
(Mestre Toco)

Gira mundo, torna a girar
Na roda de capoeira
Melhor não há.

O meu mestre me ensinou
Com muita dedicação
A capoeira que jogo
E que hoje dou lição

Se você é capoeira
Humildade tem que ter
Pra jogar a capoeira
E para na vida viver

Gira mundo, torna a girar
Na roda de capoeira melhor não há
E você que é valentão
Pra você eu vou dizer
Tudo que sobe desce
Nisso você pode crer

Na vida de capoeira
Quero mais é amizade
Pra poder crescer na vida
E ter mais dignidade



3. Capoeira Alegria

Adilson da Silva Pereira
(Instr. Pincel)

Oi menino pega o berimbau
E começa a jogar
E você que está triste
De cabeça baixa a pensar

Capoeira é alegria
É vontade de gritar
Oi menino vem pra cá
Vem pra roda jogar

Oi levanta a cabeça
Esquece a tristeza
Vem pra vida jogar

Letras do Grupo Angolinha

Fonte: Internet

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Peter Pan escarlate...

A Terra do Nunca está nos chamando outra vez!...

"Vinte anos mais tarde..., Wendy e os Meninos Perdidos vão ao encontro de Peter Pan para descobrir a origem dos sonhos - estranhamente reais - que estão vazando da Terra do Nunca... Seqüência oficial de Peter Pan de James Barrie, lançada mundialmente em outubro de 2006”...
"Peter Pan Escarlate" consegue combinar o espírito da obra de J. M. Barrie com uma nova e incrível aventura... Sonhos estão vazando da Terra do Nunca - sonhos estranhamente reais, de piratas e sereias, cocares de guerra e crocodilos - e deixando objetos incômodos na cama de Wendy, João, Deleve, Cabelinho e os outros Meninos Perdidos... Mas o tempo passou desde que eles voltaram da Terra do Nunca. Na verdade, lá se foram 20 anos, de forma que os meninos já são adultos, quase todos com seus próprios filhos... Se quiserem voltar e desvendar o mistério, a primeira coisa que têm de fazer é voltar a ser crianças (essa é a única forma de entrar na Terra do Nunca)... Mas, assim que Peter Pan entra em cena.., é claro que todos os pensamentos se desviam da missão de resgate para a pura e simples aventura - uma busca - uma jornada exploratória.., uma caça ao tesouro.., até os lugares mais remotos da Terra de Lugar Nenhum!.. E mais – novos encontros com piratas..., um estranho circo..., bruxas..., fadas e elfos..., assim como uma porção de oportunidades para demonstrar bravura e heroísmo...

Fonte: americanas.com

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Na Prisão do Tempo...

Ora, pois quem tem o dom de amar pode voar pelo infinito da paixão... Assim é minha ilusão que na tua asa segue a sonhar... Vivo: e na inexistência de um ser, sou: o perecível ar que te envolve...

Quando eu abrir o meu coração, por favor: entenda-me!... Será apenas o jeito de partilhar e dizer o que é o meu viver... Até quando?... Não sei!... Mas assim será...  sabendo esperar...

Na angústia de uma vida: amar é a única canção que ouço enquanto espero... Bem sei:  nada será do jeito que já foi naquele dia, mas nessa árdua espera... O despertar do meu presente entre vidas de idas-e-vindas é o próprio roteiro da minha liberdade: a prisão do tempo!...

domingo, 8 de agosto de 2010

Estado-providência...


                                                                                                                        Imagem MSN-BR

O conceito político de Estado-providência, ou Estado social, veio substituir o conceito de Estado liberal.

Efectivamente, no Estado liberal entendia-se que ninguém melhor do que cada indivíduo deveria saber escolher as suas próprias necessidades e o modo mais eficaz de as satisfazer. Assim, o Estado teria apenas o papel de criar as condições necessárias ao livre exercício dos direitos naturais dos cidadãos e deveria abster-se quanto a qualquer conduta que pudesse perturbá-lo.

Mas a "mão invisível" com que os economistas liberais julgavam poder disciplinar o mercado e satisfazer os interesses individuais e colectivos veio, afinal, a revelar-se ineficaz, traduzindo-se em enormes carências na prestação de serviços públicos essenciais e lançando no desemprego e na miséria largas camadas da população. Foi a partir da Primeira Grande Guerra que o Estado liberal mostrou os sinais da sua falência, pois foi incapaz de superar as crises e destruições causadas pelo conflito. Mas foi, sobretudo, em consequência do período de agitação político-social, da crise económica e financeira em que se vivera até 1940 e que se veria agravada pela Segunda Guerra Mundial e o esforço de recuperação consequente, que viria a ganhar maior relevo e a ser assumido com maior convicção o facto de que não se poderia mais pensar Estado e Sociedade como entes autónomos.

No Estado-providência ou Estado social, reclama-se agora a intervenção profunda e condicionante do Estado sobre a orgânica e o funcionamento da sociedade. É assim que, pelo menos em certos países e no âmbito de certas ideologias, as concepções de Estado, de liberal e abstencionista, vão passar a considerá-lo numa perspectiva intervencionista e de preocupação social.

Do Estado vai-se exigir que ele seja o modelador, o conformador da vida económica e social, como produtor de bens, como empresário, como agente de crédito, como organizador de serviços públicos. O Estado deverá definir as metas que à sociedade interessa alcançar e a ele cabe, igualmente, o planeamento, a orientação e o controle da actividade dos restantes sujeitos económicos, com vista a que tais objectivos sejam efectivamente realizados. A realidade económica e social passa a ser um material que ao Estado compete estruturar de acordo com outras condicionantes, nomeadamente as de carácter político-jurídico.

Assim, o Estado irá intervir pelas formas e para os fins mais variados, dirigindo, incentivando ou fiscalizando, por meios autoritários ou não, a actividade dos restantes sujeitos económicos e sociais, participando ele próprio, como sujeito, nessas tarefas, produzindo, comercializando e distribuindo inúmeros bens e serviços úteis à colectividade. Exemplo de um serviço de solidariedade do Estado é a Segurança Social, que deveria garantir o mínimo de sobrevivência condigna em todas as situações de carência. O Estado deveria garantir, igualmente, o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde.

Deste modo, o Estado estende-se a quase todos os ramos da vida económica e social, desde a organização das forças militares e militarizadas até à conservação do património cultural imobiliário e artístico, passando pelo ensino, pelos tansportes, pelas comunicações, pelo abastecimento de água e energia, pelo saneamento básico e a salubridade pública, pela construção da rede de estradas e demais vias de circulação, pela racionalização e organização dos serviços de comercialização, pelo regular abastecimento de bens essenciais agrícolas e industriais, pelo controlo e vigilância das fronteiras, pelo incentivo à exportação e ao turismo, pelo crédito às actividades industriais e comerciais e aos consumos sociais, pela regulação e fiscalização das relações laborais, pela saúde pública, pelo controlo das actividades económicas e das importações, pelo povoamento florestal, pelo reordenamento agrícola e por um sem número de outros sectores e serviços destinados à satisfação de tantas necessidades colectivas e, até, individuais.

É este o conceito basilar e estrito de Estado-providência. No vocabulário político contemporâneo, porém, esse conceito aparece muitas vezes a exprimir uma ideia menos absoluta do papel do Estado (ou seja, com um grau menor de intervenção), na qual, em todo o caso, a recusa de um liberalismo tido por excessivo e perigoso é uma característica que se mantém.

FONTE: Infopédia

Como referenciar este artigo:

Estado-providência. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-08-27].

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A Era do Vazio...


CAPÍTULO I

Sedução non stop

Como designar esta vaga de fundo característica do nosso tempo, que, por todo o lado, substitui a coerção pela comunicação, o interdito pela fruição, o anônimo pelo feito por medida, a reificação pela responsabilização, e que, por todo o lado, tende a instituir um clima de proximidade, de ritmo e de solicitude liberta do registo da Lei? Música, informação vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, gentil organizador, SOS, amizade. Mesmo a polícia tende a humanizar a sua imagem de marca, abre as portas das es¬quadras, explica-se perante a população, enquanto o exército se entrega a tarefas civis. “Os camionistas são simpáticos”, porque o não seria a tropa? A sociedade pós-industrial foi definida como sendo uma sociedade de serviços, mas, mais directamente ainda, é o auto-serviço que pulveriza por inteiro o antigo quadriculado disciplinar, fazendo-o, não através das forças da Revo¬lução, mas das ondas radiosas da sedução. Longe de se circunscrever às re¬lações interpessoais, a sedução tornou-se o processo geral que tende a regu¬lar o consumo, as organizações, a informação, a educação, os costumes. To¬da a vida das sociedades contemporâneas é doravante governada por uma nova estratégia que destrona o primado das relações de produção em provei¬to de uma apoteose das relações de sedução.

Sedução à lista

Com a categoria de espectáculo os situacionistas anunciavam de algum modo esta generalização da sedução, embora com uma reserva, é verdade, na medida em que o espectáculo designava a “ocupação da parte principal do tempo vivido no exterior da produção moderna” (G. Debord). Libertan¬do-se do ghetto da superestrutura e da ideologia, a sedução tomava-se rela¬ção social dominante, princípio de organização global das sociedades da abundância. Todavia, esta promoção da sedução, assimilada à época do consumo, depressa revelava os seus limites, consistindo a acção do espectá¬culo em transformar o real em representação falsa, em alargar a esfera da alienação e do desapossamento. “Nova força de engano”, “ideologia materia¬lizada”, “impostura da satisfação”, o espectáculo, a despeito ou por obra da sua radicalidade, não se desembaraçava das categorias próprias da era revo¬lucionária (a alienação e o seu outro, o homem total, “senhor sem escravo”), então precisamente em vias de desaparecer em surdina sob o efeito do reino alargado da mercadoria. Seduzir, enganar por meio do jogo das aparências - o pensamento revolucionário, mesmo quando atento ao novo, continuava a ter que localizar uma sedução negativa para levar a cabo a sua inversão: tributária do tempo revolucionário-disciplinar, a teoria do espectáculo recon¬duzia a versão eterna da sedução, a astúcia, a mistificação e a alienação das consciências.

Sem dúvida, temos que partir do mundo do consumo. Com a profusão luxuriante dos seus produtos, imagens e serviços, com o hedonismo que in¬duz, com o seu clima eufórico de tentação e proximidade, a sociedade de consumo revela até à evidência a amplitude da estratégia da sedução. Esta não se reduz, no entanto, ao espectáculo da acumulação; mais exactamente, identifica-se com a ultra-simplificação das opções que a abundância toma possíveis, com a latitude dos indivíduos mergulhados num universo transpa¬rente, aberto, oferecendo um número cada vez maior de escolhas e combina¬ções por medida, permitindo uma circulação e uma selecção livres. E esta¬mos apenas no começo, esta lógica alargar-se-á inelutavelmente à medida que as tecnologias e o mercado puserem à disposição do público uma diver¬sificação cada vez mais vasta de bens e de serviços. Actualmente, a TV por cabo oferece em certos pontos dos Estados-Unidos a escolha entre oitenta canais especializados, sem contar com os programas «a pedido»; calcula-se em cerca de cento e cinquenta o número de canais por cabo necessários à satisfação das exigências do público dentro de seis ou sete anos. Já hoje, o self-service, a existência à lista, designam o modelo geral da vida nas socie¬dades contemporâneas que vêem proliferar de modo vertiginoso as fontes de informação, o leque dos produtos expostos nos centros comerciais e hiper¬mercados tentaculares, nos armazéns ou restaurantes especializados. É assim a sociedade pós-moderna, caracterizada por uma tendência global no sentido de reduzir as relações autoritárias e dirigistas e simultaneamente de aumen¬tar a gama das opções privadas, privilegiar a diversidade, oferecer fórmulas de “programas independentes”, nos desportos, nas tecnologias psi, no turis¬mo, na descontracção da moda, nas relações humanas e sexuais. A sedução nada tem a ver com a representação falsa e com a alienação das consciên¬cias; é ela que configura o nosso mundo e o remodela segundo um processo sistemático de personalização cuja obra consiste essencialmente em multipli¬car e diversificar a oferta, em propor mais para que nós decidamos mais, em substituir a coacção uniforme pela livre escolha, a homogeneidade pela plu¬ralidade, a austeridade pela realização dos desejos. A sedução remete para o nosso universo de gamas opcionais, de secções de produtos exóticos, de am¬biente psi, musical e informacional, no qual cada um pode à vontade com¬por a lista dos elementos da sua existência. A independência é um traço de carácter, é também uma maneira de viajar segundo um ritmo seu, de acordo com os seus próprios desejos; construa a «sua» viagem. Os itinerários pro¬postos nos nossos Globe-Trotters são apenas sugestões que podem ser combi¬nadas, mas também modificadas tendo em conta a sua vontade». Este anún¬cio diz a verdade da sociedade pós-moderna, sociedade aberta, plural, levan¬do em conta os desejos dos indivíduos e aumentando a sua liberdade combi¬natória. A vida sem imperativo categórico, a vida kit modulada em função das motivações individuais, a vida flexível da época das combinações, das opções, das fórmulas independentes tornadas possíveis por uma oferta infini¬ta - é assim que opera a sedução. Sedução no sentido em que o processo de personalização reduz os quadros rígidos e coercivos, funciona suavemente jogando a cartada da pessoa individual, do seu bem-estar, da sua liberdade, do seu interesse próprio.

O processo de personalização começa a reordenar até a ordem da produ¬ção, muito timidamente ainda, e devemos deixá-lo dito aqui. Ê sem dúvida o mundo do trabalho que oferece a resistência mais tenaz à lógica da sedu¬ção, a despeito das revoluções tecnológicas em curso. A tendência para a personalização, no entanto, também aqui se manifesta. Em A Multidão Solitária. Riesman já a observava, mostrando como a cordialidade imposta, a personalização das relações de trabalho e dos serviços se substituíam pouco a pouco ao enquadramento funcional e mecânico da disciplina. Mais ainda, assistimos à multiplicação dos técnicos da comunicação e dos psicoterapeu¬tas de empresa. Abatem-se as paredes que separam os escritórios, o trabalho é feito em espaços abertos; a concentração e a participação são solicitadas por todos os lados. Fazem-se aqui e ali tentativas, muitas vezes apenas a título experimental, de humanização e de reorganização do trabalho ma¬nual: alargamento das tarefas, job enrichment, grupos autónomos de traba¬lho. A futura tecnologia electrónica, o número crescente de empregos de in¬formação permitem imaginar alguns cenários futuros: desconcentração das empresas, desenvolvimento do trabalho a domicílio, “casa electrónica”. Já hoje assistimos à flexibilização do tempo de trabalho: horários móveis ou à escolha, trabalho intermitente. Para além das características específicas des¬tes dispositivos, desenha-se uma mesma tendência, que define o processo de personalização: reduzir a rigidez das organizações, substituir os modelos uniformes e pesados por dispositivos flexíveis, privilegiar a comunicação em relação à coerção.

O processo conquista novos sectores e conhecerá uma extensão que nos é ainda difícil imaginar com as novas tecnologias com base no microprocessa¬dor e dos circuitos integrados. Eis o que actualmente se verifica já no ensino: trabalho independente, sistemas opcionais, programas individuais de tra¬balho e de auto-apoio por micro-computador; dentro de um prazo mais ou menos curto, haverá o diálogo com o teclado, a auto-avaliação, a manipula¬ção pessoal da informação. Os media estão em vias de experimentar uma reorganização que aponta no mesmo sentido; para além das redes por cabo, as rádios livres, os sistemas “interactivos”: a explosão do vídeo, o gravador, as video-cassettes, personalizando o acesso à informação, às imagens. Os conjuntos de vídeo e os milhares de fórmulas que proporcionam alargam e privatizam em grande escala as possibilidades lúdicas e interactivas (prevê-se que um lar americano em cada quatro esteja dentro de pouco tempo equipa¬do com conjuntos de vídeo). A micro-informática e a galáxia vídeo designam a nova vaga da sedução, o novo vector de aceleração da individualização dos seres, após a idade heróica do automóvel, do cinema, do electrodoméstico. “My computer likes me”: não nos enganemos, a sedução videomática não se refere apenas à magia das performances das novas tecnologias; enraíza-se profundamente no aumento da autonomia individual esperada, na possibilidade para cada indivíduo de ser um livre agente do seu tempo, menos pre¬gado às normas das organizações pesadas. A sedução em curso é uma sedu¬ção privática.

Todas as esferas são actualmente anexadas, cada vez mais depressa, por um processo de personalização multiforme. Na ordem psicoterapêutica, surgiram novas técnicas (análise transaccional, grito primal, bioenergia) que exacerbam a personalização psicanalítica considerada demasiado “intelectua¬lista”; prioridade dada aos tratamentos rápidos, às terapias “humanistas” de grupo, à libertação directa do sentimento, das emoções, das energias corpo¬rais: a sedução investe todos os pólos, do software à descarga «primitiva». A medicina sofre uma evolução paralela: acupunctura, visualização do corpo interno, tratamento natural por meio de ervas, biofeedback, homeopatia, as terapias “suaves” conquistam terreno, advogando a subjectivização da doença, a gestão “holística” da saúde pelo próprio indivíduo, a exploração mental do corpo em ruptura com o dirigismo hospitalar; o doente já não deve conti¬nuar a sofrer passivamente o seu estado, é responsável pela sua saúde, pelos seus sistemas de defesa, graças às potencialidades da autonomia psíquica. Simultaneamente, o desporto assiste à proliferação das práticas livres de cro¬nómetro, de confronto, de competição, e que privilegiam o treino livremente escolhido, a sensação de planar, a audição do corpo (jogging, windsurf, gi¬nástica suave, etc.); o desporto é reciclado através da psicologização do corpo, da total tomada de consciência de si, do livre curso aberto à paixão dos ritmos individuais.

Os costumes inclinam-se também no sentido da lógica da personalização. O gosto do tempo privilegia a diferença, a fantasia, a descontracção; a es¬tandardização e a rigidez já não têm boa reputação. O culto da espontanei¬dade e a cultura psi estimulam o indivíduo a ser “mais” ele próprio, a «sen¬tir», a analisar-se, a libertar-se dos papéis e “complexos”. A cultura pós¬-moderna é a do feeling e da emancipação individual alargada a todos os grupos de idade e sexo. A educação, de autoritária que era, tornou-se alta¬mente permissiva, atenta aos desejos das crianças e dos adolescentes, en¬quanto que, por todos os lados, a vaga hedonista desculpabiliza o tempo li¬vre, encoraja cada um a realizar-se sem constrangimentos e a aumentar os seus ócios. A sedução: uma lógica que abre caminho, que nada poupa e que, deste modo, realiza uma socialização flexível, tolerante, empenhada na personalização-psicologização do indivíduo.

A sedução repercute-se na linguagem. Já não há surdos, cegos, coxos; estamos no tempo dos que ouvem mal, dos invisuais, dos deficientes; os velhos tornaram-se pessoas da terceira ou da quarta idade; as criadas, empregadas domésticas; os proletários, parceiros sociais; as mães solteiras, mães celiba¬tárias. Os cábulas são crianças com problemas ou casos sociais, o aborto é uma interrupção voluntária da gravidez. Até os analisados são analisandos. O processo de personalização asseptiza o vocabulário como o coração das ci¬dades, os centros comerciais e a morte. Tudo o que exibe uma conotação de inferioridade, de deformidade, de passividade, de agressividade, deve desa¬parecer em proveito de uma linguagem diáfana, neutra e objectiva - tal é o último estádio das sociedades individualistas. Paralelamente às organizações flexíveis e abertas organiza-se uma linguagem eufemística e lenitiva, um lif¬ting semântico conforme ao processo de personalização centrado no desen¬volvimento, no respeito e na tolerância relativamente às diferenças indivi¬duais. «Sou um ser humano. Não dobrar, estragar ou deformar». A sedução liquida numa mesma vaga as regras disciplinares e as últimas reminiscências do mundo do sangue e da crueldade. Tudo deve comunicar sem resistência, sem relegação, num hiper-espaço fluido e acósmico, na esteira das telas e cartazes de Folon.

Se o processo de personalização é inseparável de uma esterilização acon¬dicionada do espaço público e da linguagem, de uma sedução irreal à ma¬neira das vozes adocicadas das hospedeiras dos aeroportos, é igualmente in¬separável de uma animação rítmica da vida privada. Vivemos uma formidável explosão musical: música ininterrupta, hit-parade, a sedução pós-moderna é hi-fi. Doravante, a aparelhagem sonora é um bem de primeira necessi¬dade; faz-se desporto, deambula-se, trabalha-se, sempre no meio de música; anda-se de automóvel em estéreo, a música e o ritmo tornaram-se, no espaço de algumas décadas, um ambiente quase permanente, um engodo de massa. Para o homem disciplinar-autoritário, a música circunscrevia-se a lugares e momentos específicos, concerto, dancing. music-hall, baile, rádio; o indiví¬duo pós-moderno, pelo contrário, está ligado à música de manhã à noite; tudo se passa como se tivesse necessidade de estar sempre noutro lugar, de ser transportado e envolvido por uma atmosfera ambiente sincopada; tudo se passa como se precisasse de uma desrealização estimulante, eufórica ou inebriante do mundo. Revolução musical ligada, sem dúvida, às inovações tecnológicas, ao império da ordem mercantil, do show-business. mas que nem por isso manifesta menos o processo de personalização, uma das faces da transformação pós-moderna do indivíduo. Da mesma maneira que as ins¬tituições se tornam flexíveis e móveis, o indivíduo torna-se cinético, aspira ao ritmo, a uma participação de todo o corpo e de todos os sentidos, participa¬ção hoje possível através da estereofonia, do walkman, dos sons cósmicos ou paroxísticos das músicas da idade electrónica. À personalização por medida da sociedade corresponde uma personalização do indivíduo, que se traduz no desejo de sentir «mais», de planar, de vibrar em directo, de experimentar sensações imediatas, de ser posto integralmente em movimento numa espécie de trip sensorial e pulsional. As realizações técnicas da estereofonia, os sons eléctricos, a cultura do ritmo inaugurada pelo jazz e prolongada pelo rock. permitiram à música tornar-se esse medium privilegiado do nosso tempo, porque em consonância estreita com o novo perfil do indivíduo personaliza¬do, narcísico, sedento de imersão instantânea, sedento de «descarregar» não apenas ao ritmo dos últimos êxitos, mas das mais diversas espécies de músi¬ca, das variedades mais sofisticadas, actualmente postas à sua constante dis¬posição.

A sedução pós-moderna não é um ersatz de comunicação ausente nem um cenário destinado a ocultar a abjecção das relações mercantis. Seria vê¬-la de novo como um consumo de objectos e de signos artificiais, reinjectar o logro onde existe, antes do mais, uma operação sistemática de personaliza¬ção, ou, por outras palavras, uma atomização do social ou uma extensão em abismo da lógica individualista. Fazer da sedução uma “representação ilusó¬ria do não-vivido” (Debord) é reconduzir o imaginário das pseudo-necessida¬des, a oposição moral entre o real e a aparência, um real objectivo ao abrigo da sedução, quando esta se define, sobretudo, como processo de transforma¬ção do real e do indivíduo. Longe de ser um agente de mistificação e de pas¬sividade, a sedução é destruição cool do social através de um processo de isolamento, que já não surge administrado pela força bruta ou pelo quadri¬culado regulamentar, mas através do hedonismo, da informação e da res¬ponsabilização. Com o reino dos media, dos objectos e do sexo, cada indiví¬duo se observa, se testa, se vira mais para si próprio à espreita da sua pró¬pria verdade e do seu bem-estar, tornando-se responsável pela sua vida, de¬vendo gerir o melhor possível o seu capital estético, afectivo, físico, libidinal, etc. Aqui, socialização e dessocialização identificam-se; no centro do deserto social ergue-se o indivíduo soberano, informado, livre, prudente administrador da sua vida: ao volante, cada um aperta o seu próprio cinto de seguran¬ça. Fase pós-moderna da socialização, o processo de personalização é um novo tipo de controlo social desembaraçado dos processos pesados de massi¬ficação-reificação-repressão. A integração realiza-se por meio da persuasão, invocando a saúde, a segurança e a racionalidade: anúncios e sensibilizações médicas, mas também conselhos das associações de consumidores. Dentro em breve, o vídeotex passará a apresentar «árvores de decisão», sistemas de pergunta-resposta permitindo ao consumidor dar a conhecer ao computador os seus próprios critérios a fim de efectuar uma escolha racional e, ao mes¬mo tempo, porém, personalizada. A sedução deixou de ser libertina.

Sem dúvida, nem tudo isto data de agora. Foi já há séculos que as socie¬dades modernas inventaram a ideologia do indivíduo livre, autónomo e se¬melhante aos outros. Paralelamente, ou com inevitáveis desfasamentos históricos, edificou-se uma economia livre baseada no empresário independente e no mercado, ao mesmo tempo que se instalaram regimes políticos democráticos. Neste quadro, no que se refere à vida quotidiana, ao modo de vida, à sexualidade, o individualismo viu-se, até uma data recente, contido na sua expansão por estruturas ideológicas rígidas, instituições, costumes ainda tra¬dicionais ou disciplinares-autoritários. É esta última fronteira que se desfaz ante os nossos olhos a uma velocidade prodigiosa. O processo de personalização impulsionado pela aceleração das técnicas, pela gestão, pelo consumo de massa, pelos media, pelos desenvolvimentos da ideologia individualista, pelo psicologismo, leva ao seu ponto culminante o reino do indivíduo, faz explodir as últimas barreiras. A sociedade pós-moderna ou, por outras palavras, a sociedade que generaliza o processo de personalização em ruptura com a organização moderna disciplinar-coerciva, realiza de algum modo, no interior do quotidiano e através de novas estratégias, o ideal moderno da au¬tonomia individual, ainda que esta se revele, até à evidência, de um teor iné¬dito.

Os discretos encantos da política

O mundo político não se mantém à margem da sedução. A começar pela personalização imposta da imagem dos dirigentes ocidentais: simplicidade ostensiva, o homem político surge de jeans ou pull-over, reconhece humildemente os seus limites e fraquezas, faz entrar em cena a família, o seu boletim de saúde, a sua juventude. Em França, Giscard, na esteira de Kennedy ou de P.-E. Trudeau, foi o símbolo autêntico desta humanização¬-psicologização do poder: um presidente à “escala humana”, que declara não querer sacrificar a sua vida privada, toma o pequeno-almoço com os homens dos serviços de limpeza, janta fora com esta ou aquela família francesa. Não nos iludamos: o desenvolvimento dos novos media, da televisão em particu¬lar, por capital que seja nesta questão, não pode explicar no fundamental esta promoção da personalidade, esta necessidade de confeccionar semelhan¬te imagem de marca. A política personalizada corresponde à emergência desses novos valores que são a cordialidade, as confidências íntimas, a proxi¬midade, a autenticidade, a personalidade, valores individualistas-democráti¬cos por excelência, difundidos em larga escala pelo consumo de massa. A se¬dução: filha do individualismo hedonista e psi, muito mais do que do ma¬quiavelismo político. Perversão das democracias, intoxicação, manipulação do eleitorado por um espectáculo de ilusões? Sim e não, porque se é exacto que existe realmente um marketing político programado e cínico, é igual¬mente correcto dizer que as vedetas políticas não fazem senão adaptar-se ao habitus pós-moderno do homo democraticus. com uma sociedade já personalizada desejosa de contacto humano, refractária ao anonimato, às lições pe¬dagógicas abstractas, à linguagem estereotipada, aos papéis distantes e con¬vencionais. Quanto ao impacto real do design da personalização, poderemos perguntar-nos se não será este consideravelmente sobrevalorizado pelos pu¬blicistas e pelos políticos[1], eles próprios amplamente seduzidos pelos meca¬nismos de sedução do star system: na medida em que actualmente todas as cabeças de cartaz se submetem mais ou menos à mesma lógica, o seu efeito anula-se por difusão e saturação mediática; a sedução surge como uma at¬mosfera soft. imperativa e sem surpresas, que distrai epidermicamente um público que está muito longe de ser tão ingénuo e passivo como imaginam os actuais detractores do “espectáculo”.

Mais significativa ainda no que se refere à sedução é a tendência que as democracias hoje revelam para jogarem a cartada da descentralização. De¬pois da unificação nacional e da supremacia das administrações centrais, o recente poder dos conselhos regionais e de eleição local, as políticas culturais regionais. A época é a do desprendimento do Estado, das iniciativas locais e regionais, do reconhecimento dos particularismos e identidades territoriais; a nova distribuição do jogo da sedução democrática humaniza a nação, ventila os poderes, aproxima as instâncias de decisão dos cidadãos, redistribui uma dignidade às periferias. O Estado nacional-jacobino esboça uma reconversão centrífuga destinada a reduzir a rigidez das burocracias, reavalia o “país”, promove de certo modo uma democracia do contacto, da proximidade, atra¬vés de uma reterritorialização-personalização regionalista. Simultaneamente, organiza-se uma política do património que se inscreve na mesma linha que a da descentralização ou da ecologia: deixar de devastar, de desenraizar ou de inferiorizar, para proteger e valorizar as riquezas regionais, memoriais ou naturais. A nova política museográfica tem como correspondente a política de regionalismo administrativo e cultural, aplicando-se a desenvolver do mesmo modo forças e entidades excentradas, montando um mesmo disposi¬tivo de diálogo entre presente e passado, entre população e torrão natal. Não se trata de um efeito de nostalgia de uma sociedade devastada pela conquis¬ta do futuro, e ainda menos de um show media-político; mais obscuramente, mas mais profundamente, trata-se de uma personalização do presente através da salvaguarda do passado, de uma humanização dos objectos e monu¬mentos antigos análoga à das instituições públicas e das relações interindivi¬duais. De modo nenhum imposto do exterior, de modo nenhum conjuntural, este interesse museográfico encontra-se em consonância com a sensibilidade pós-moderna em busca de identidade e de comunicação, nada apaixonada pelo futuro histórico, acabrunhada com a ideia de destruições irreversíveis. Aniquilar os vestígios é como devastar a natureza; uma mesma repulsa se apodera dos nossos espíritos hoje curiosamente inclinados a dotarem de al¬ma, a psicologizarem toda a realidade, homens, pedras, plantas, meio am¬biente. O efeito património é indissociável da suavização dos costumes, do crescente sentimento de respeito e de tolerância, de uma psicologização sem limites.

A autogestão cujo projecto consiste em suprimir as relações burocráticas de poder, em fazer de cada indivíduo um sujeito político autónomo, repre¬senta um outro aspecto da sedução. Abolição da separação dirigente¬-executante, descentralização e disseminação do poder, é à liquidação da me¬cânica do poder clássico e da sua ordem linear que se aplica a autogestão, sistema cibernético de distribuição e de circulação da informação. A auto¬gestão é a mobilização e o tratamento optimizado de todas as fontes de in¬formação, a instituição de um banco de dados universal, relativamento ao qual cada um é ao mesmo tempo e a todo o momento emissor e receptor ¬é a informatização política da sociedade. Doravante, torna-se necessário ven¬cer a entropia constitutiva das organizações burocráticas, reduzir os blo¬queamentos da informação, os segredos e desafecções. A sedução não fun¬ciona graças ao mistério, mas graças à informação, ao feed-back, à ilumina¬ção sem resíduos do social, à maneira de um strip-tease integral e generali¬zado. Nestas condições, não é surpreendente que numerosas correntes ecoló¬gicas adoptem no seu programa a autogestão. Rejeitando a predominância da espécie humana e a unilateralidade da relação entre o homem e a nature¬za, que conduzem à poluição e à expansão cega, a ecologia substitui à mecâ¬nica pesada do crescimento a regulação cibernética, a comunicação, o feed¬back, deixando a natureza de ser um tesouro a pilhar, uma força a explorar, para se converter num interlocutor a ouvir e a respeitar. Solidariedade das espécies vivas, protecção e saúde do meio ambiente, toda a ecologia repousa num processo de personalização da natureza, no tomar em consideração essa unidade insubstituível, não-negociável, finita, ainda que planetária, que é a natureza. Correlativamente, é no sentido da responsabilização do homem que a ecologia trabalha, alargando o campo dos deveres, do social ao plane¬tário: se a ecologia se esforça efectivamente por travar e deter o processo ili¬mitado da expansão económica, contribui, em contrapartida, para uma ex¬pansão do sujeito. Recusando o modelo produtivista, a ecologia aspira a uma mutação tecnológica, à utilização de técnicas suaves, não poluentes e, para os mais radicais, a uma reconversão total dos métodos e unidades de trabalho: reimplantação e redisseminação das unidades industriais e da po¬pulação, pequenas oficinas autogeridas, integradas em comunidades à escala humana, de dimensões reduzidas. A cosmogonia ecológica não conseguiu es¬capar aos encantos do humanismo. Redução das relações hierárquicas e da temperatura histórica, personalização, crescimento do sujeito, a sedução desdobra a sua panóplia cobrindo até os espaços verdes da natureza.

O próprio PCF não quer ficar para trás e apanha o comboio em andamento abandonando a ditadura do proletariado, último dispositivo sangrento da época revolucionária e da teleologia da história. A sedução abole a Revolução e o emprego da força, destrói as grandes finalidades históricas, mas também emancipa o Partido do autoritarismo estaliniano e da sua sujeição ao grande Centro; a partir daqui, o PCF pode começar a admoestar timida¬mente Moscovo e a “tolerar” as críticas dos seus intelectuais sem praticar purgas nem exclusões. A luta final não terá lugar: grande operadora de sínteses, de unidade, a sedução, na esteira de Eros, actua por ligação, coe¬são e aproximação. O engate por meio de estatísticas, o compromisso histó¬rico, a união do povo de França substituem a guerra de classes. Quer flirtar comigo? Só a Revolução fascina, porque se coloca do lado de Thanatos, da descontinuidade, do desligamento. A sedução, essa, rompeu todos os laços que a uniam ainda, no dispositivo donjuanesco, à morte, à subversão. Sem dúvida, o PCF continua a ser na sua ideologia e na sua organização o parti¬do menos inclinado a ceder às piscadelas de olho da sedução, o partido mais rétro, o mais preso ao moralismo, ao centralismo, ao burocratismo, e é mes¬mo essa rigidez congénita que, em parte, está na origem dos retumbantes fracassos eleitorais que sabemos. Mas, por outro lado, o PCF apresenta-se como um partido dinâmico e responsável, identificando-se cada vez mais com um organismo de gestão sem missão histórica, tendo adoptado, por sua vez, após prolongadas hesitações, os vectores-chave da sedução management, inquéritos através de sondagens, reciclagens regulares, etc., incluindo a ar¬quitectura da sua sede, prédio de vidro sem segredo, montra iluminada pe¬las luzes das metamorfoses «in» do aparelho. Formação de compromisso en¬tre a sedução e a era passada da revolução, o PC joga duas cartadas ao mes¬mo tempo, condenando-se obstinadamente ao papel de sedutor envergonha¬do e infeliz. O mesmo perfil se encontra no marxismo deles, para falarmos aqui à maneira de Lenine. Por exemplo, a voga do althusserianismo: rigor e austeridade do conceito, anti-humanismo teórico, o marxismo faz sua uma imagem de marca dura, sem concessões, nos atípodas da sedução. Mas em¬penhando-se na via da articulação dos conceitos, o marxismo entra simulta¬neamente na sua fase de desarmamento: o seu objectivo já não é a formação revolucionária de uma consciência de classe unificada e disciplinada, mas a formação de uma consciência epistemológica. A sedução triste do marxismo envergou o fato completo dos homens de “ciência”.

Sexdução

Em torno da inflação erótica actual e da pornografia, uma espécie de denúncia unânime reconcilia as feministas, os moralistas, os estetas, escandali¬zados pelo aviltamento do ser humano reduzido à categoria de objecto e pelo sexo-máquina que faz desaparecer as relações de sedução num deboche re¬petitivo e sem mistério. Mas se o essencial não estivesse aí - se a pornografia não fosse afinal senão mais uma figura da sedução? Que faz a pornografia, com efeito, senão suspender a ordem arcaica da Lei e do Interdito, abo¬lir a ordem coerciva da Censura e do recalcamento em benefício de um ver¬-tudo, fazer-tudo, dizer-tudo, que define exactamente o trabalho da sedução?

É ainda o ponto de vista moral que reduz a ponografia à reificação e à or¬dem industrial ou serial do sexo: aqui tudo é permitido, é preciso ir cada vez mais longe, procurar dispositivos inéditos, novas combinações numa livre disposição do corpo, numa livre empresa do sexo que faz do porno, contra¬riamente ao que dizem os seus detractores, um agente de desestandartização e de subjectivização do sexo e pelo sexo, à semelhança dos movimentos de li¬bertação sexual. Diversificação libidinal, constelação de «pequenos anúncios»singulares: depois da economia, da educação, da política, a sedução anexa o sexo e o corpo de acordo com o mesmo imperativo de personalização do in¬divíduo. Na hora do self-service libidinal, o corpo e o sexo tornam-se instru¬mentos de subjectivização-responsabilização; é preciso acumular as experiên¬cias, explorar o capital libidinal pessoal, inovar em matéria de combinações. Tudo o que se pareça com a imobilidade, com a estabilidade tem que desa¬parecer em proveito da experimentação e da iniciativa. Assim se produz um sujeito já não através da disciplina, mas da personalização do corpo sob a égide do sexo. O seu corpo é você, o corpo deve ser cuidado, amado, exibi¬do; já nada tem a ver com a máquina. A sedução alarga o ser-sujeito atri¬buindo ao corpo outrora oculto uma dignidade e uma integridade novas: nu¬dismo, seios nus, são os sintomas espectaculares desta mutação através da qual o corpo se torna pessoa a respeitar, a acarinhar ao calor do sol. O jerk é um outro sintoma desta emancipação: se, com o rock ou o twist, o corpo estava ainda submetido a certas regras, com o jerk caem todas as imposições das figuras codificadas, o corpo já só tem que se exprimir, tornando-se, na esteira do Inconsciente, linguagem singular. Nas pistas dos night-clubs, gra¬vitam sujeitos autónomos, seres activos, já ninguém convida ninguém, as ra¬parigas já não fazem “renda” e os “tipos” já não monopolizam a iniciativa. Ficam apenas mónadas silenciosas cujas trajectórias aleatórias se cruzam nu¬ma dinâmica de grupo açaimada pelo feitiço do som.

Que se passa quando o sexo se torna político, quando as relações sexuais se traduzem em relações de forças, em relações de poder? Denunciando a mulher-mercadoria, chamando à mobilização de massa em torno de um “programa comum”, constituindo-se em movimento específico que exclui os homens, o neo-feminismo não introduzirá uma linha dura, maniqueísta, e por isso irredutível ao processo de sedução? Não é, de resto, assim que os movimentos feministas se apresentam? No entanto, algo de mais fundamen¬tal se encontra em jogo: assim, através do combate pelo aborto livre e gra¬tuito, é o direito à autonomia e à responsabilidade em matéria de procriação que se visa; trata-se de retirar a mulher do seu estatuto de passividade e de resignação relativamente ao carácter aleatório da procriação. Dispor de si, escolher, deixar para trás a máquina reprodutora e o destino biológico e so¬cial - o neo-feminismo é também uma das figuras do processo de personali¬zação. Com as recentes campanhas contra a violação, surgiu uma publicida¬de inédita em torno de um fenómeno outrora mantido em segredo e na ver¬gonha, como se nada devesse continuar oculto, obedecendo ao imperativo de transparência e de iluminação sistemática do presente que governa as nossas sociedades. Por meio desta redução das sombras e das obscuridades, o movi¬mento de libertação das mulheres, seja qual for o seu radicalismo, faz parte integrante do strip-tease generalizado dos tempos modernos. Informação, co¬municação, tais são os caminhos da sedução. Empenhado, por outro lado, em não dissociar o nível político do psicanalítico, o neo-feminismo veícula uma vontade explícita de psicologização, como mostram os pequenos grupos chamados de self-help ou de tomada de consciência em que as mulheres se escutam, se analisam, falam procurando descobrir os seus desejos e os seus corpos. É o “vivido” que doravante vem em primeiro lugar: prevenção com o teórico, com o conceptual, que são o poder, a máquina imperial masculina. “Comissões de experiências pessoais”: a emancipação, a busca de uma iden¬tidade própria passa pela expressão e pelo confronto das experiências exis¬tenciais.

Igualmente característica é a questão do “discurso feminino” em deman¬da de uma diferença, de uma afirmação independente do referencial mascu¬lino. Nas suas versões mais radicais, trata-se de abandonar a economia do logos, da coerência discursiva, afirmando o feminino numa auto-de¬terminação, numa “auto-afecção” (Luce Irigaray) desembaraçada de todo o centrismo, de todo o falocentrismo enquanto última posição panóptica do poder. Mais importante do que a reinscrição de um território marcado é a flutuação deste lugar em si próprio, a impossibilidade de o circunscrever e de o identificar: nunca idêntico a si próprio, nunca idêntico a nada, “espécie de universo em expansão ao qual não é possível fixar quaisquer limites, mas que não é por tão pouco incoerência”[2],o feminino é plural, todo fluência, contiguidade e proximidade, ignora o “próprio” e, portanto, a posição de su¬jeito. Nem sequer se trata já de elaborar um outro conceito de feminilidade, que não deixaria de retomar a máquina teórico-fálica e de reintroduzir a economia do Mesmo e do Um. Para se definir, o hiperfeminismo reivindica o estilo. a sintaxe Outra, “táctil” e fluida, sem sujeito nem objecto. Como não reconhecer nesta economia dos fluidos, nesta multiplicidade condutível, o próprio trabalho da sedução que, por toda a parte, abole o Mesmo, o Centro, a linearidade e procede à diluição das formas rígidas e dos “sóli¬dos”? Longe de representar uma involução, a suspensão da vontade teórica não é mais do que um último estádio da racionalidade psicológica; longe de se identificar ao recalcado da história, o feminino assim definido é um pro¬duto e uma manifestação da sedução pós-moderna, libertando e desestan¬dartizando, no mesmo movimento, a identidade pessoal e o sexo: “A mulher tem sexos um pouco por toda a parte”[3]. Nada mais errado, então, do que partir em guerra contra esta mecânica dos fluidos acusada de restabelecer a imagem arcaica e falocrática da mulher[4]. É o contrário que é verdade: sexdução generalizada, o neo-feminismo apenas exacerba o processo de perso¬nalização, organiza uma figura inédita do feminino, polimorfa e sexuada, emancipada dos papéis e identidades estritas de grupo, em consonância com a instituição da sociedade aberta. Tanto ao nível teórico como militante, o neo-feminismo trabalha para a reciclagem do ser-feminino, valorizando-o sob todas as perspectivas: psicológica, sexual, política, linguística. Trata-se, antes do mais, de responsabilizar e psicologizar a mulher, liquidando uma última “parte maldita”, ou, por outras palavras, de promover a mulher a uma categoria de individualidade plena, adaptada a sistemas democráticos hedonistas incompatíveis com seres presos a códigos de socialização arcaicos, feitos de silêncio, de submissão casta, de histerias misteriosas.

Entendamo-nos bem, esta inflação de análises e de comunicações, esta proliferação de grupos de discussão não porão fim ao isolamento da sedu¬ção. Com o feminismo passa-se o mesmo que com o psicanalismo: quanto mais se interpreta, mas as energias refluem no sentido do Eu, o inspeccio¬nam e examinam por todos os lados; quanto mais se analisa, mais a interio¬rização e a subjectivização do indivíduo ganham em profundidade; quanto mais Inconsciente e quanto mais interpretação, mais se intensifica a auto-¬sedução. Máquina nascísica incomparável, a interpretação analítica é um agente de personalização por meio do desejo e, no mesmo acto, um agente de dessocialização, de atomização sistemática e interminável, do mesmo mo¬do que os arranjos da sedução. Sob a égide do Inconsciente e do Recalca¬mento, o indivíduo é remetido para si próprio e para o seu reduto libidinal, em busca da sua imagem desmistificada, privado até, nos últimos avatares lacanianos, da autoridade e da verdade do analista. Silêncio, morte do ana¬lista, somos todos analisandos, simultaneamente interpretados e intérpretes numa circularidade sem portas nem janelas. Don Juan está realmente mor¬to; uma nova figura, muito mais inquietante, se ergue agora, Narciso, subju¬gado por si próprio na sua cápsula de vidro.
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[1] R.G. Schwartzenberg, L'État spectacle, Flammarion, 1977.
[2] Luce lrigaray, Ce sexe qui n 'en est pas un, Éd. de Minuit, 1977, p. 30.
[3] L. lrigaray, op. cit.. p. 28.
[4] C. Alzon, Femme mythifiée. femme mystifiée. PUF, 1978, pp. 25-42.

LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa: Relógio D’Água. 1983.

(Fonte: Doc PDF)