terça-feira, 23 de agosto de 2011

Choque das Civilizações...

                                                      Van Gogh, aqui... 
Coerente mas falacioso

Que paradigma modela a política internacional de hoje?

Postulou Samuel P. Huntington nesta obra de 1996 que são as várias identidades culturais do mundo que modelam as coesões, as desintegrações e os conflitos numa nova ordem pós Guerra Fria.

Num esforço de compreensão do mundo e do novo quadro das Relações Internacionais emergente da implosão soviética, o autor propõe o paradigma civilizacional como modelo: os inputs da conflitualidade na velha ordem bipolar deixaram de ser a subordinação política a um ou a outro bloco para passarem a dar-se em função dos sentimentos de compertença civilizacional entre os estados.

De facto a tese do autor revela-se-nos ainda bastante actual no sentido em que a maioria das guerras desta nova era foram, ou são, fundamentalmente, entre povos de civilizações diferentes: o conflito israelo-árabe, a Guerra do Golfo, a desintegração jugoslava, a instabilidade na Caxemira, a luta independentista da Chechénia ou mesmo a actual presença anglo-americana no Iraque.

Na minha perspectiva, esta obra deve ser vista como um esforço de abstracção teórica meritório no sentido em que o autor tenta construir um modelo de previsibilidade dos conflitos internacionais, portanto com um elevado grau de infalibilidade, que se afigura em certa medida aceitável no quadro do actual Sistema Internacional.

Contudo, a co-identificação civilizacional / religiosa entre povos não se verifica empiricamente como “o” factor-chave de toda a conflitualidade actual. Por exemplo, melhor do que compreender os conflitos conhecendo as fronteiras inter-civilizacionais do mundo como propõe Huntington, poderíamos compreender as fricções politico-militares entre estados/actores/grupos/nações conhecendo a geografia dos recursos vitais. Veja-se o caso dos Montes Golã, assegurada pelos israelitas para garantir o fornecimento de água, ou o território do Iraque, onde os americanos procuram maximizar o controle sobre o petróleo. Por conseguinte, o paradigma civilizacional de Huntington não é verificável ao ponto de o podermos chamar como tal. Se retrocedermos ao inicio da década de 90, utus e tutsis no Ruanda - diferentes na religião mas pertençamente, para Huntington, sob a «unidade cultural africana» - confrontaram-se, morrendo 1 milhão de africanos numa guerra, naquela que foi tão-somente a maior catástrofe humanitária desde a queda do Muro de Berlim.

Enfim, explicar a conflitualidade através da civilizacionalidade/religiosidade é atirar areia para os olhos dos leitores, secundarizando os interesses, mais ou menos legítimos, dos actores internacionais, em função de antagonismos nas concepções de Deus, nos usos e costumes. No entanto, apesar deste reducionismo, que esquece a geografia dos recursos naturais ou quaisquer outras variáveis que possam conduzir á conflitualidade, é uma obra obrigatória e ainda hoje muito discutida pela sua coerência argumentativa e pela sua actualidade geral nos meios académicos e entre os interessados por Relações Internacionais.