A menor emoção amorosa, de felicidade ou de aborrecimento, me faz chorar. Eu choro com freqüência, muita freqüência e abundantemente. É o enamorado que chora ou é o romântico?
Será talvez uma disposição própria do tipo apaixonado se deixar levar pelo choro? Submetido ao Imaginário, ele faz pouco caso da censura que mantém hoje o adulto longe das lágrimas e pela qual o homem pensa firmar sua virilidade. Liberando suas lágrimas, ele segue as ordens do corpo apaixonado, que é um corpo embarcado em expansão líquida : chorar juntos, escorrer juntos: deliciosas lágrimas terminam a leitura que nos faz em comum.
Por que a "sensibilidade" se transformou em dado momento em "pieguice"? As imagens da virilidade se modificam; certa vez, tendo sentido as lágrimas lhe escorrerem docemente pelo rosto, "elas lhe pareceram tão saborosas e tão doces, não só ao coração mas à boca". Adapto minhas maneiras de chorar ao tipo de chantagem que pretendo exercer ao meu redor através das lágrimas.
Ao chorar, quero impressionar alguém, pressioná-lo ("Veja o que você faz de mim"). (...) as lágrimas são signos e não expressões. Através das minhas lágrimas, conto uma história, produzo um mito da dor, e a partir de então me acomodo: posso viver com ela, porque, ao chorar, me ofereço um interlocutor empático que recolhe a mais "verdadeira" das mensagens, a do meu corpo e não a da minha língua: "Que são as palavras? Uma lágrima diz muito mais".
Talvez seja – e geralmente é – o outro que se quer obrigar desse modo e assumir abertamente sua comiseração ou sua insensibilidade; mas talvez seja também eu mesmo: me faço chorar para me provar que minha dor não é uma ilusão: as lágrimas são signos e não expressões.
(Barthes, Roland - Fragmentos De Um Discurso Amoroso)