terça-feira, 6 de outubro de 2009

Eu Sofro pelo Outro!...


                    Me apaixono por um corpo que está em ação. O que me fascina,  me rapta e me excita é a sua postura, porque me garante, de alguma forma, a “inocência da imagem, quanto mais o outro me proporciona os signos da sua ocupação, da sua indiferença, mais tenho certeza de surpreende-lo, como se, para me apaixonar, fosse preciso cumprir a formalidade ancestral do rapto: a surpresa!

                 Ora, qualquer que seja a força do amor, essa força não se produz: eu fico emocionada, angustiada, porque é horrível ver sofrer as pessoas que se ama, mas, ao mesmo tempo, continuo seca, impermeável. Minha identificação é imperfeita. Sou uma Mãe (o Outro me preocupa), mas uma Mãe insuficiente; me agito demais, proporcionalmente vou à profunda reserva onde de fato me apóio. Pois, ao mesmo tempo que me identifico “sinceramente” à infelicidade do Outro, o que leio nessa infelicidade é que ela tem lugar sem Mim, e que ao estar infeliz por si mesmo, o Outro me abandona: se Ele sofre sem que eu seja a causa disso, é que eu não conto para ele: seu sofrimento me anula na medida que ele se constitui fora Mim...
                 A partir de então, reviravolta: já que o Outro sofre sem Mim, por que sofrer no lugar dele? Sua infelicidade o leva para longe de Mim, se eu ficar correndo atrás dele só vou perder o fôlego, sem nunca poder esperar alcançá-lo, coincidir com ele. Afastemo-nos então um pouco, façamos o aprendizado de uma certa distância. Que surja a palavra reprimida que vem aos lábios de todo sujeito que sobrevive à morte de alguém: Vivamos!
               Sofrerei portanto com o Outro, mas sem me apoiar, sem me perder. A essa conduta - ao mesmo tempo muito afetiva e muito vigiada, muito amorosa e muito policiada - pode-se dar um nome: é a delicadeza: ela é como a forma “sã” (civilizada, artística) da paixão.

Barthes, Roland. Fragmento de um discurso amoroso. Sofro pelo Outro. Editora Francisco Alves, 12º edição. Rio de Janeiro, 1994.