sábado, 16 de julho de 2011

Valter Hugo Mãe, o fofo da literatura...

“Casa comigo.” A certa altura de sua sessão de autógrafos de três horas e meia de duração, imediatamente após o debate em que tinha sido ovacionado na Tenda dos Autores da Flip, sexta-feira da semana passada, o escritor português Valter Hugo Mãe encontrou esse bilhete dentro do exemplar de a máquina de fazer espanhóis que uma jovem leitora lhe estendia. Tratava-se, em suas palavras, de “uma miúda muito impressionante” – em bom brasileiro, uma gatinha. A mensagem curta vinha acompanhada de um email.

Mãe – nome artístico, que ele prefere em minúsculas, de um sujeito registrado há 39 anos como Lemos – não respondeu na hora, mas pega o voo de volta a Portugal, hoje à noite, levando o bilhete na bagagem. Pelo menos por enquanto, a “miúda impressionante” não precisa abandonar a esperança de ser a mãe do filho de Mãe, um projeto que ele anunciou no palco na mais emotiva das mesas do festival literário de Paraty, encerrada com aplausos de pé e lágrimas do escritor e de parte do público.

Uma surpresa? “Redondamente”, responde Mãe. “Seria até imbecil da minha parte imaginar algo assim. Ao chegar, pensava que conhecer Elza Soares seria o meu prêmio maior.” A jornalista portuguesa Isabel Coutinho, do jornal Público, também se espantou. “Valter tem empatia e sabe ser sedutor, em especial junto ao público feminino mais velho, talvez porque a máquina de fazer espanhois seja a história de um octogenário”, diz ela. “Mas o que se passou em Paraty foi algo de outra ordem.”

O tom emocionado e emocionante do escritor português parece ter sido a chave para sua comunicação imediata com o público brasileiro. No palco, Mãe falou de seus recentes anseios de paternidade, definiu os livros como “máquinas de fazer sentir” e, num tiro de misericórdia com bala de canhão, leu uma declaração de amor ao Brasil. Engolida pelo companheiro de mesa, a bonita escritora argentina Pola Oloixarac, que tinha chegado a Paraty com fama de musa, cancelou todos os seus compromissos posteriores e passou dois dias sem por os pés fora da pousada.

A argentina e o português formaram no palco uma dupla realmente estranha. Ela fez a apologia de uma literatura cerebral, mas soava confusa e desarticulada. Ele defendia a emoção como valor literário supremo com palavras claras e medidas, como se escrevesse poesia – linguagem à qual atribui seu aprendizado literário, exercitado em sucessivas coletâneas de versos, antes de estrear como romancista. “De fato, me interessa pouco um livro que seja muito inteligente e aborrecido”, afirma. “Gosto da dimensão encantatória do texto, entendo o livro como algo mudador.”

Mãe garante que nem o discurso de amor ao Brasil que conquistou definitivamente o público – escrito com habilidade e pontuado de referências a Renato Russo, telenovelas e amigos brasileiros queridos – teve algo de calculado. Diz que redigiu aqueles nove parágrafos, metade na noite da véspera, o restante poucas horas antes de subir ao palco, como uma defesa contra o medo de um desastre. “Quando vi aquela Tenda amarelei, como vocês dizem”, lembra. “Em Portugal não temos nada que se aproxime da experiência de falar para 2 mil pessoas. Eu tinha ido ver o Antonio Candido, vi que ele tinha seus apontamentos. Pensei que, se falasse ali sem ter nada escrito, seria como um trapezista sem rede.”

Valter Hugo Mãe deixa o Brasil com planos de voltar. Este ano, ocupado com o lançamento de seu próximo romance, em setembro, dificilmente conseguirá. O Filho de Mil Homens será seu primeiro livro com maiúsculas, depois que as minúsculas se tornaram uma espécie de marca registrada. “Não quero sentir que fiquei agarrado a algum tipo de receita”, diz. Depois deste, que considera com certa preocupação seu livro mais otimista com a humanidade, pretende retomar “temáticas mais escuras” e ambientar romances em outras terras. É aí que entra o “plano maquiavélico” de passar um tempo morando na Ilha da Conceição, em Niterói, onde passou férias inesquecíveis em 2000, para escrever uma história brasileira.  Eis aqui a continuação da leitura...