sexta-feira, 22 de julho de 2011

Crónica de Uma Travessia...

No romance histórico de Nélida Piñon, A república dos sonhos, uma personagen reflete sobre a possível morte de uma língua, e até propõe que uma tal morte havia sido presenciada uma vez, saindo pela boca de uma velhinha moribunda, última falante de uma língua que vai se extinguir com ela. A personagem que faz esta reflexão, uma brasileira neta de imigrantes Galegos, é apresentada como a que, em toda a família, é a que professa o maior apego à peculiar música e beleza da língua portuguesa. É como se ela, cujos avós falavam uma língua minoritária da família das línguas descendentes do Latim, sentisse na pele, e na ponta da língua, o peso que o Português tem. Em Crónica de Uma Travessia, Luís Cardoso — nascido e criado no Timor Leste - nos apresenta, entre outras coisas, a questão da língua portuguesa no contexto do seu país de origem, e reflete como esta língua servia de ponte entre os diferentes grupos culturais e lingüísticos.

Este livro, escrito com a emoção daqueles que sabem que ninguém jamais volta para casa, é um documento para a compreensão não só da importância da língua portuguesa como fator de coesão política e cultural no Timor do Leste. Luís Cardoso, com um ouvido afinado para as nuances lingüísticas de sua terra, nos dá delicados testemunhos de outras línguas que co-existiam com o Português, indicativas de cerimônias e rituais diferentes dos cristãos e europeus. Talvez, para muitas dessas línguas, este livro funciona como um testamento, uma tentativa de não desaparecer totalmente. Como não poderia deixar de ser, Crónica de uma Travessia também nos dá a oportunidade de examinar as conseqüências do colonialismo europeu em suas várias facetas. O que é fascinante é que, depois que O Timor do Leste afinal conseguiu se liberar da Indonésia, e agora tem a oportunidade de decidir qual entre todas as línguas existentes no país vai ser a língua oficial, o Português está sendo recuperado, não como a língua de opressão, mas como a língua de coesão nacional, uma espécie de língua franca que vai facilitar a comunicação entre os falantes de diversos idiomas.

E o Português tem a oportunidade, mais uma vez, de ser o que o poeta Olavo Bilac chamou, há muitos anos, a “última flor do Lácio, inculta e bela.” Esta língua, continua Bilac, é ao mesmo tempo “esplendor e sepultura.” Esperemos que, para O Timor Leste, sua retomada seja o sinal do esplendor, do renascimento, e que ajude a sepultar os anos de sofrimento de seu povo.  Eis a leitura completa...