segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Deste Mundo e do Outro: Inevitável Poente...

... "O sol está ali, aproxima-se do horizonte, ganha outra cor, outra dimensão, espalha na atmosfera uma luz que já não é dia - e agora temos um breve intervalo de tempo diferente, uma suspensão de vida, um minuto que não pertence ao mundo em geral, mas ao nosso mundo em particular.

(...) aproveitamos o efeito calmante daquele vagaroso extinguir de luz. É um momento em que os nossos males perdem a importância. Inscrevem-se numa grandeza cósmica, apocalíptica (cá vem a retórica de ocasião) - e tudo quanto é nosso se torna insignificante. Sai-se conformado de um pôr de sol, resignado e, de algum modo, humilde....

Simplesmente, o mesmo sol que nos levanta aos alçapões da melancolia e nos mediu com um metro demasiado curto para o nosso orgulho surge no dia seguinte, violento, agressivo, mostrando a seco e a cru as arestas vivas da nossa condição de seres desajustados, insatisfeitos, inconformados...


Então, sem a malemolência da luz arrastada, descobrimo-nos outra vez no corpo-a-corpo com a realidade – e a luta recomeça... O que doía volta a doer... pois assim seja... Aprumemo-nos na verticalidade ainda recuperável, e vamos para diante, com uma força novamente inventa no desmanchado interior das perplexidades... Tem o sol isto de bom: é mestre de todas as lições... Pai da nossa vida, companheiro, filósofo que nos conhece desde sempre, espectador de misérias e das alegrias: o Sol!...

Ele vai agora desaparecer... Até amanhã!"...

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José Saramago, daqui e daqui...