segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Velho Milenário...

Tenho as recordações de um velho milenário!
Um grande contador, um prodigioso armário, 
Cheiinho, a abarrotar, de cartas memoriais, 
Bilhetinhos de amor, recibos, madrigais, 
Mais segredos não tem do que eu na mente abrigo. 
Meu cérebro faz lembrar descomunal jazigo; 
Nem a vala comum encerra tanto morto!

— Eu sou um cemitério estranho, sem conforto, 
Onde vermes aos mil – remorsos doloridos –
Atacam de preferência os meus mortos queridos. 
Eu sou um toucador, com rosas desbotadas, 
Onde jazem no chão as modas desprezadas, 
E onde, sós, tristemente, os quadros de Boucher 
Fluem o doce olor de um frasco de Gellé.

Nada pode igualar os dias tormentosos 
Em que, sob a pressão de invernos rigorosos, 
O tédio, fruto infeliz da incuriosidade, 
Alcança as proporções da imortalidade.

Desde hoje, não és mais, ó matéria vivente, 
Do que granito envolto em terror inconsciente. 
A emergir de um Saara movediço, brumoso! 
Velha esfinge que dorme um sono misterioso, 
Esquecida, ignorada, e cuja face fria 
Só brilha quando o Sol dá a boa-noite ao dia!