Tenho as recordações de um velho milenário!
Um grande contador, um prodigioso armário,
Cheiinho, a abarrotar, de cartas memoriais,
Bilhetinhos de amor, recibos, madrigais,
Mais segredos não tem do que eu na mente abrigo.
Meu cérebro faz lembrar descomunal jazigo;
Nem a vala comum encerra tanto morto!
— Eu sou um cemitério estranho, sem conforto,
Onde vermes aos mil – remorsos doloridos –
Atacam de preferência os meus mortos queridos.
Eu sou um toucador, com rosas desbotadas,
Onde jazem no chão as modas desprezadas,
E onde, sós, tristemente, os quadros de Boucher
Fluem o doce olor de um frasco de Gellé.
Nada pode igualar os dias tormentosos
Em que, sob a pressão de invernos rigorosos,
O tédio, fruto infeliz da incuriosidade,
Alcança as proporções da imortalidade.
Desde hoje, não és mais, ó matéria vivente,
Do que granito envolto em terror inconsciente.
A emergir de um Saara movediço, brumoso!
Velha esfinge que dorme um sono misterioso,
Esquecida, ignorada, e cuja face fria
Só brilha quando o Sol dá a boa-noite ao dia!