segunda-feira, 11 de abril de 2011

A Dupla Chama: Amor e Erotismo...

"Haveria de fato diferenças assim tão sutis (pelo menos aos olhos dos menos atentos) entre amor e erotismo?... Ou seriam tão tênues e requintadas essas diferenças que só mesmo a fina sensibilidade do grande poeta poderia captá-las e sobre elas meditar de forma apaixonada, mas nem por isso menos sábia?”...

Durante esses longos-saborosos dias olhando a chuva cair sem cessar com um copo de vinho ao lado: vez ou outra eu ia à janela para deixar os pingos d’água deslizar sobre o rosto, e senti a suavidade do vento que se aproximava depois de longe balançar incessantemente as árvores... Para acompanhar o ritmo desses dias, que se passaram muito lentamente, busquei refúgio na música, e vasculhei alguns livros em busca de poesia, ou uma leitura que cominasse com o ritmo dos dias melancólico, encontrei logo em minha frente uns fragmentos de antigas leituras que novamente ( mais uma vez) instigou meu desejo de liberdade, assim de novo questionei-me através das palavras do mexicano Octavio Paz, onde dedica-se, neste livro, “com o irretocável e deslumbrante ofício de sempre, a deslindar o que denomina de ‘A Dupla Chama’, ou seja, o enigma das relações, entre a liberdade e o destino que formam o nó do amor... Nó, este, feito de contrários em contínua transformação: a liberdade escolhe a escravidão; a fatalidade se transforma em escolha voluntária; a alma é corpo o corpo é alma... Pois é: logo de início é destacado as afinidades entre erotismo e poesia, o primeiro é uma metáfora da paixão; a segunda, uma erotização da linguagem; mas a relação entre amor e poesia não é menos e nem mais íntima: é o que nos têm dito os poetas sobre o amor e não é menos precioso e profundo que as meditações dos filósofos.”

Na Dupla Chama está a ampla e fascinante visão cultural e humanística do amor, e do erotismo através dos tempos; numa prosa poética e envolvente e plena de revelações e nexos luminosos – como por exemplo, a natureza subversiva do amor: doce e ao mesmo tempo um perturbador fenômeno que tanto tem afetado o Homem e a trajetória civilizacional... O subversivo aqui tem um sentido saudável, pois ao amar, renunciamos à nossa própria soberania, mas esta autonegação traz a grande contrapartida, a aceitação do outro... O Outro não é a sombra, e sim uma realidade carnal e espiritual!”...

E, afinal, o que nos acrescenta Octavio Paz sobre a poesia?... Com as palavras dele: “A realidade sensível sempre foi para mim uma fonte de surpresa, e também de evidências: aludi à poesia como um testemunho dos sentidos. Testemunho verídico; suas imagens são palpáveis, visíveis e audíveis. É verdade, a poesia é feita de palavras enlaçadas que emitem reflexos, vislumbres e nuances: o que ela nos ensina são realidades ou ilusões? Rimbaud disse: “Et j’ai vu CE que l’bomme a cru voir”, é a fusão do ver e crer. Na conjunção dessas duas palavras está o segredo da poesia e de seus testemunhos: aquilo que nos mostra o poema não vemos com nossos olho da matéria, e sim com os do espírito.

A poesia nos faz tocar o impalpável e escutar a maré do silêncio cobrindo uma paisagem devastada pela insônia. O testemunho poético nos revela outro mundo deste; o mundo outro que é este mundo. Os sentidos, sem perder seus poderes, converte-se em servidores da imaginação e nos fazem ouvir o inaudito e ver o imperceptível. Não é isso, afinal, o que acontece no sonho e no encontro erótico?... Tanto no sonho como no ato sexual abraçamos fantasmas. Nosso parceiro tem corpo, rosto, nome, mas sua realidade, precisamente no momento mais intenso do Abraço, dispersa-se em uma cascata de sensações que, por sua vez, dissipam-se.

Há uma pergunta que se fazem todos os apaixonados e que condensa em si o mistério erótico: “Quem é você?” Pergunta sem resposta... Os sentidos são e não são deste mundo. Por meio deles, a poesia ergue uma ponte entre o ver e o crer... Por essa ponte a imaginação ganha corpo e os corpos se convertem em imagens... A relação entre erotismo e poesia é tal que se pode dizer, sem afetação, que o primeiro é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal: ambos são feitos de uma oposição complementar”...

Continuação... breve...

PAZ, Octavio. A Dupla Chama: Amor e Erotismo. Editora Siciliano, São Paulo, 1994.