domingo, 28 de novembro de 2010

Toda uma Vida

Toda uma Vida, de Henrique Monteiro (uma edição Dom Quixote), parece um livro simples, mas não é. Pode dizer-se que é simples porque é fácil de ler, mas, por outro lado, é extremamente profundo. É um romance que nos envolve logo desde as primeiras páginas, quer pela atmosfera, quer pelas personagens – a protagonista é fortíssima (carrega 88 anos de vivências), mas há secundárias também com um peso enorme, nem que tenham aparecido numa única página. Aliás, este é um livro sobre ausências, pelo que, algumas das personagens, mesmo mortas, têm uma força que atravessa todas as páginas da obra.

A morte é uma das constantes de Toda uma Vida. A velha protagonista perdeu dez pessoas que lhe eram queridas e enquanto vai recordando os episódios com elas vividas monta um puzzle que, no final, bem poderia ser um quadro fundamental do século XX. A velha é espanhola, e passou pela guerra civil (onde perdeu pai e irmãos) e pela Segunda Guerra Mundial, tendo fugido primeiro para Biarritz, depois para Lisboa. Só que este não é um livro sobre refugiados de guerra, é um livro sobre pessoas e suas relações, sejam elas familiares, amorosas ou de amizade.

Toda uma Vida poderia até ser classificado com uma grande crónica de opinião, ou um conjunto de crónicas de opinião, pois a narradora/protagonista não se coíbe de dar os seus “palpites” sobre os mais variados temas, desde a inevitável guerra, à homossexualidade, passando por comportamentos sociais e, inevitavelmente, pela velhice e pela vida dos idosos. O interessante é que se trata de uma mulher muito flexível, pois não tem problemas em aceitar (e relatar) as suas próprias mudanças de opinião, muitas das vezes fomentadas pelo evoluir do tempo e da sociedade.

Tudo é relatado numa linguagem simples por Henrique Monteiro. Simples e bela, acrescente-se. As descrições do pensamento da protagonista, assim como das paisagens e dos “mundos” por onde ela vai passando/vivendo, envolvem irremediavelmente o leitor, que se sente transportado para os locais do enredo, quase todos em frente ao mar – o mar, assim como a morte, é outra das presenças constantes de Toda uma Vida, seja ele o mar de Biarritz, das Rias Baixas, na Galiza, ou da Senhora da Rocha, no Algarve.

Assim, pode dizer-se que é um romance de três “Ms”: Morte. Mar. Mulheres. Recomenda-se a sua leitura em frente ao mar. Não propriamente na praia, antes naquelas pequenas povoações que vivem de e para o mar. Se o fizer, vai sentir-se em casa.


Fonte: Porta-Livros