terça-feira, 11 de maio de 2010

Reverbera o rio no translúcido

                                                                                            Antoni Guansé

                                          VII
Reverbera o rio no translúcido volume dos teus olhos
a água é uma canção de espaço num copo pequeno
e uma gota de leite desce do teu seio como um sopro cheio
instinto de destilar a seiva por qualquer poro mesmo alheio
o rio marginal decorre em teus olhos foz
um percurso de beijo a que os meus lábios compõem um sabor de
flor

nos teus lábios o sangue vibra muito de muito dentro de nós
e expande o doce mundo que o contém quente e para mim
és sempre a estrela fixa e descida a iluminura retida
o fluido que as idades antigas transpiraram hoje vertida
vestes molhadamente o que te capto solícito e bebo
e a tua pele é uma viagem por ninguém nunca antes concebida
num dedo

e em mim sinto-te vestida do que és de despida
cosmonauta homonauta que te preenche o teu hélio secreto
amor da vida que te habita o total calor completo
de insecto

muito mais que um rio o rio se te resume em piscina
olhos abertos erectos química composição que te fascina
e eu álamo de ti vegetal verde veia pulsada que te resina
e fez
a água é uma porção breve infinita na mulher síntese que és
minha mina.


(in Cynthia)
«O Surrealismo na Poesia Portuguesa», Série Antologias
Organiz., pref. e notas de Natália Correia
Lisboa: Publicações Europa-América, 1973


(FONTE: Poetas Apaixonados – Poesia de Amor de autores portugueses)