domingo, 4 de janeiro de 2015

Trópico de Capricórnio...

Trópico de Capricórnio faz parte daquela lista de livros que desejo ler, mas ainda não foi possível comprá-lo, enquanto isso vou me contentando com os comentários pescados no Google:  "Como cenário, a Paris entre guerras; como definição, as palavras do próprio autor: 'Isto não é um livro... É libelo, é calúnia, difamação'…, como prefácio, uma declaração de Ralph Waldo Emerson simplificando: 'Estes romances cederão lugar, pouco a pouco, a diários ou autobiografias… E assim a vida se transforma em arte nas letras do pai da geração beat, Hanry Miller ... 

Nascido no Brooklyn em 1891, Henry Valentine Miller representa um ponto de virada na literatura mundial, uma influência para autores como Allen Ginsberg, a geração hippie, beatnick e sua obsessão por liberdade sexual, viagens e boemia'... Henry influenciou esses poetas 'marginais' até na forma autobiográfica de escrever já que em seus livros ele é o personagem principal, mas suas histórias não são totalmente reais, são uma mistura de ficção e realidade num tipo de Bukowski mais elaborado e surrealista"... 

A História dos Meus Infortúnios...

Muitas vezes o coração dos homens e das mulheres é excitado, assim como confortado, nos seus desgostos, mais pelo exemplo do que pelas palavras... Portanto, porque também conheci algum consolo graças a conversas tidas com alguém que foi disso testemunha, estou agora decidido a escrever acerca dos sofrimentos originados pelos meus infortúnios, para os olhos de alguém que, embora ausente, é em si mesmo e sempre um consolador... Faço-o para que, ao comparardes os vossos desgostos com os meus, possais descobrir que, em verdade, os vossos não são nada, ou no máximo são insignificantes, e assim consigais suportá-los mais facilmente...

No trolley ovariano...

Uma vez entregada a alma, segue-se tudo com uma certeza infalível, mesmo no meio do caos... Desde o princípio nunca foi outra coisa senão caos: era um fluido que me envolvia, que eu aspirava através das guelras... Nos substratos, onde a Lua brilhava firme e opaca, o ambiente era suave e fecundante; por cima disso, reinavam a selva e a desarmonia... Não tardei a ver em tudo o oposto, a contradição, e entre o real e o irreal a ironia, o paradoxo... Era o meu próprio pior inimigo... Não havia nada que desejasse fazer que me importasse de não fazer... Já em criança, quando não me faltava nada, queria morrer: queria render-me porque não via sentido nenhum em lutar... Sentia que nada seria provado, comprovado, acrescentado ou subtraído pelo facto de continuar uma existência que não pedira...

Todos quantos me cercavam eram falhados, ou, se não eram falhados, eram ridículos...Especialmente os bem-sucedidos. Os bem-sucedidos chateavam-me ate às lágrimas. Era compreensivo até ao exagero, mas não era a compreensão que assim me tornava... Era uma qualidade puramente negativa, uma fraqueza que desabrochava à simples vista da miséria humana... Nunca ajudava ninguém coma esperança de que isso servisse para alguma coisa; ajudava porque não era capaz de proceder de outro modo... Querer mudar o estado das coisas parecia-me vão, inútil; estava convencido de que nada mudaria, a não ser que se verificasse uma mudança de intenções, e quem poderia modificar o coração dos homens?... De vez em quando, um amigo convertia-se, o que me causava vómitos... Tinha tanta necessidade de Deus como Ele de mim, e costumava dizer para comigo que, se havia Deus, me encontraria com Ele calmamente e Lhe cuspiria na cara...

O irritante era que, ao primeiro rubor, as pessoas costumavam tomar-me por bom, amável, generoso, leal e fiel... Talvez possuísse essas virtudes, mas se possuía era por ser indiferente: podia me dar ao luxo de ser bom, amável, generoso, leal, etc., porque estava isento de inveja... A inveja era a única coisa de que nunca tinha sido vítima... Nunca invejei nada nem ninguém... Pelo contrário, só senti compaixão por tudo e todos...Desde o princípio que me devo ter treinado para não querer nada com muita veemência...

Desde o princípio que fui independente, de uma maneira falsa. Não tinha necessidade de ninguém porque queria ser livre, livre para fazer e para dar só de acordo com os meus caprichos. Mal esperavam ou exigiam alguma coisa de mim, recusava e daí não arrancava... Foi essa a forma que a minha independência assumiu... Por outras palavras, fui corrupto, fui corrupto desde o princípio...

(...) Mais tarde, quando já era crescido, ouvi dizer que tiveram um trabalhão para me tirar do útero... Compreendo perfeitamente que assim fosse. Incomodar-me para quê? Para quê sair de um lugar agradável e quentinho, de um nicho acolhedor, onde tudo me era oferecido gratuitamente?...

A minha mais antiga recordação é do frio, da neve e do gelo nas aletas, da geada nos vidros das janelas e do suor gelado das paredes verdes da cozinha... Porque vivem as pessoas em agrestes climas das zonas temperadas, como erradamente lhes chamam?... Porque são naturalmente idiotas, preguiçosas, naturalmente cobardes...

Até cerca dos dez anos nunca imaginei que existissem países «quentes», lugares onde não era preciso suar para ganhar a vida nem tremer de frio e fingir que isso era tónico e revigorante... Onde há frio há pessoas que se esfalfam a trabalhar e que, quando têm filhos, lhes pregam o evangelho do trabalho - o que, no fundo, não é mais do que a doutrina da inércia (...) Perfilhavam todas as ideias erradas que jamais têm sido expostas... Entre elas contava-se a doutrina do asseio, para já não falar da da honradez (p. 11): Daqui...