quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Lendas...

A exuberância da Amazônia permeia a imaginação no mundo inteiro e exerce forte fascínio sobre todos, provocando cobiça internacional desde que o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón visitou o estuário do Rio Amazonas, em 1500, por ele chamado Santa Maria de la Mar Dulce. Quarenta anos depois, outro castelhano, Francisco de Orellana, desceu esse majestoso rio até o Oceano Atlântico, atravessando a mais misteriosa floresta já conhecida pelos europeus, vivenciando um embate histórico com um grupo de índios aguerridos de cabelos longos, que julgou ser as legendárias Amazonas da Capadócia. Esse episódio épico não apenas chamou a atenção do mundo civilizado para a terra recém-descoberta, como determinou a derivação do nome desta região, estendido para o rio que a corta e para a floresta que a envolve.

A Região Amazônica voltou a ser foco das atenções do Velho Mundo com a divulgação da lenda do Eldorado, uma cidade onde existiam prédios feitos de ouro maciço, ruas cravejadas de pedras preciosas e tesouros inimagináveis. A lenda era antiga, contada pelos índios aos espanhóis na época da conquista do Peru (1524-1538), dando conta de uma grande cidade dourada próxima à nascente do Rio Caroni (Venezuela), o que provocou cobiça, atraindo aventureiros e corsários para o Novo Mundo. O inglês Sir Walter Raleigh foi um deles, que logo saiu na busca da legendária Manoa (1595), cidade por ele descrita à Coroa inglesa. Em 1616, o explorador britânico fez uma segunda expedição à Venezuela em busca do sonhado Eldorado, que nunca encontrou, a não ser o Rio Orenoco, o Salto Angel (Parekupa-meru) e a região do Parima, no atual Estado de Roraima.

A lenda del hombre dorado também contaminou a ambição de Pedro de Alvarado, Diogo D´Almagro, Diogo Ordaz e do alemão Federman, que em vão se lançaram de corpo e alma em busca de Manoa. Esse fascínio redobrou com a descoberta das ricas minas de prata de Potosi (1545), em território boliviano, que garantiu 15 anos de produção anual média de 266 toneladas do minério aos espanhóis. Voltaire falou do Eldorado em sua obra Cândido, como 100 anos antes (1667) o poeta inglês John Milton também o fizera no antológico Paraíso Perdido. O mito do Eldorado só começou a sair do campo do imaginário quando o pesquisador Roland Stevenson, autor do livro Uma Luz nos Mistérios Amazônicos (Manaus, 1994), apresentou argumentos da existência de um extinto caminho pré-colombiano para o lago do El Dorado, Manoa ou Parime, identificado por ele em um lavrado próximo a Boa Vista, Roraima.

Histórias fantásticas sobre a região acompanham os relatos de frei Gaspar de Carvajal, o primeiro cronista da Amazônia (1542), que não mediu palavras para elogiar as riquezas e belezas encontradas na viagem rio-abaixo de Orellana, assim como Cristobal de Acuña (1641), escriba da expedição de Pedro Teixeira a Quito, no Equador (1636-1638), viagem inversa do trajeto feito por Orellana no século anterior, além de Ivo d’Evreux e Alonso de Rojas que falaram em “campos que parecem paraísos e suas ilhas jardins...”, ao se referir ao Rio das Amazonas. As maravilhas relatadas motivaram os portugueses para a conquista da região do Rio Negro, no século XVII, cujas primeiras penetrações iniciaram em 1645, com Bartolomeu Barreiros de Ataíde, que trazia ordem expressa do então governador do Maranhão e Grão-Pará, Luiz Magalhães, para descobrir o legendário Rio do Ouro, pretensamente existente nesse território.

Com o mesmo fascínio que contagiou os escribas históricos da colonização regional, famosos cientistas e literatos do naipe de Alexandre von Humboldt, Carlos Maria de La Condamine, Von Martius, J. B. Spix, Jacques Huber, Theodor Koch-Grünberg e tantas outras personalidades se envolveram com a magia dessa exuberante terra cheia de contradições e maravilhas, divididas entre os conceitos de inferno e paraíso verde, tão bem registrados por Euclides da Cunha (Um Paraíso Perdido – Ensaios Amazônicos) e por outros ilustres visitantes. Charles Fredricks (1844), Felipe Augusto Fidanza (1870), George Huebner (1862-1935) e Silvino Santos (1886-1970) foram os primeiros fotógrafos que materializaram a exuberância regional por meio de imagens que ganharam movimento e cor com Jacques Cousteau e outros agentes da sétima-arte.  

Mas foi o seu superlativo natural o mote principal da atração para a região, em especial o seu grande manancial de lendas, o tempero cultural que deu mais encanto à vastidão de floresta, rios e biodiversidade da Amazônia, algumas genuínas devido a pouca influência estrangeira, outras vindas de fora, mas incorporadas pelo dinamismo cultural do folclore regional. Todas elas igualmente belas e inspiradas na imensidão das matas virgens, onde o índio justifica o misterioso e o inexplicável através do imaginário, lendas essas que ainda permanecem vivas até hoje e permeiam o mesmo habitat, situações e fenômenos em que as gerações presentes receberam dos primitivos habitantes da região, mesclados entre a realidade e a fantasia. A própria existência do Rio Amazonas, o grande e misterioso caudal da região é explicada pelo enredo de um idílio proibido entre a Lua e o Sol.

Nascido na Cordilheira dos Andes, descendo entre misteriosas regiões semeadas de florestas, o Rio Amazonas, que ao longo de seu curso recebe os nomes Tunguragua, Marañon, Apurímac e Solimões, morada da Iara e da Cobra Grande, berço da Vitória Régia, leito onde o boto seduz as cunhãs, rio que invade o mar quilômetros adentro e o enfrenta com pororocas bravias. Esse manancial de águas não surgiu do acaso, mas do grande amor que se tornou impossível para que o mundo sobrevivesse e fizesse nascer o rio mais caudaloso da Terra, o maior em extensão, formado pela bacia hidrográfica mais volumosa do planeta, ultrapassando os sete milhões de quilômetros quadrados, grande parte ocupada por selva tropical.

Conta a lenda que a Lua vestia-se de prata e o Sol de ouro, sendo eles donos da noite e do dia, respectivamente. Apesar do amor ardente entre ambos, o mundo acabaria se os dois se unissem em casamento, pois o Sol queimaria a terra e nem mesmo o choro triste da Lua apagaria suas chamas. Mesmo apaixonados um pelo outro, eles se separaram, obviamente tristes. A Lua não poderia se casar com o Sol porque também amava a Terra e não queria vê-la arder, pois sabia que nem chorando dilúvios de lágrimas conseguiria apagar o fogo do Sol, que as evaporaria antes de chegar ao chão.

Desesperada, a Lua preferiu salvar o mundo e separou-se do amado astro-rei, chorando de saudades durante todo um dia e toda uma noite. Suas lágrimas escorreram pelos morros sem fim até chegar ao Oceano Atlântico, mas este embraveceu-se ao receber tanta água, não permitindo que elas se misturassem com as dele. Algo inusitado então aconteceu, tão estranho quanto fenomenal: as lágrimas da Lua escavaram um imenso vale entre serras que se levantaram entre os planaltos Central e das Guianas, barrado pela Cordilheira dos Andes, fazendo aparecer um imenso rio que mais tarde se chamou Amazonas, o rio-mar de Vicente Yáñez Pinzón, cujo nome deriva da lenda das pretensas mulheres guerreiras da mitologia grega, que a expedição de Orellana acreditou combater em 1540.

O amor também faz parte da lenda dessas supostas Amazonas caboclas, chamadas pelos indígenas de Icamiabas (mulheres sem marido), que também se prendem ao Muiraquitã, amuleto encantado feito geralmente de pedrinhas verdes em forma de sapo, que tem o poder de fazer feliz para sempre aquele que o possuir. A existência do poderoso talismã vem das lendárias noites de amor que as Icamiabas concediam uma vez por ano aos índios Guacaris, em grandes festejos, escolhidos para a propagação da raça de mulheres. Se dessa união nascesse um filho homem, esse seria logo sacrificado. A lenda mais comum sobre os verdadeiros Muiraquitãs diz que eles são filhos da Lua, retirados do fundo de um imaginário lago denominado Espelho da Lua (Iaci-uaruá), na proximidade das nascentes do Rio Nhamundá, perto do qual habitavam as índias Icamiabas.

Para os povos primitivos tudo na natureza tinha uma razão de ser, nada estava ao léu, em especial os astros celestes, que eram consagrados. Os índios adoravam a lua, considerado o astro mais belo no céu e o maior objeto de desejo na Terra, ao qual era atribuído poderes de cuidar de todos os vegetais e dar amor e felicidade eterna. Certo dia, uma bela índia chamada Naiá, encantada com todas essas histórias, sonhava que a Lua escolhia as moças mais bonitas das tribos para transformá-las em estrelas que brilhariam para sempre no céu. Tal qual as demais cunhãs, Naiá também desejava ser escolhida pela Lua e se tornar uma estrela no céu. Todas as noites, em vão saía a fim de ser vista por ela. A jovem já não dormia mais, passando a noite andando nas cercanias da taba, tentando despertar a atenção do satélite terrestre. E nada...

Uma noite, porém, cansada de esperar, resolveu chegar até à Lua, o que fez durante dias e noites, com a maior obsessão. Passou então a correr atrás de Jaci, subindo os montes mais altos, percorrendo as planícies mais extensas, buscando as árvores mais esbeltas no afã de tocá-la. Tudo em vão. Desolada, debruçou-se sobre um lago para chorar, quando viu a figura da Lua refletida em suas águas límpidas, acreditando que Jaci tinha ficado com pena dela e descido do céu para buscá-la. Vendo a Lua tão perto, a índia não resistiu, jogou-se na água para tocá-la, mas o reflexo se desfez e a pobre moça morreu afogada.

Jaci, a Lua, comovida diante do sacrifício da jovem, resolveu transformá-la em uma estrela diferente daquelas que brilham no céu, uma majestosa planta chamada Vitória-régia, que passou a ser “a lua ou a estrela das águas”, como a ela se referem alguns ribeirinhos. Curiosamente, as flores dessa planta só se abrem durante a noite e tem uma flor de perfume ativo, cujas pétalas são brancas ao desabrocharem e se tornam rosadas quando os primeiros raios do Sol aparecem.

Fonte: Amazon View