sábado, 10 de junho de 2017

Crônica duma Breve Viagem: Adorável Lisboa

Na busca da fecunda subjetividade humana, expressa o belo na simplicidade da criação e da realização: a arte... Não, não é uma consciência transcendental... Sim, pode ser uma representação contemplativa... Evito designar uma projeção da verdade; cá o bailado é a presentificação da ideia na consciência de si...

Adiante, com a necessidade de reflexão, a cabeça nas nuvens, o coração sugando o brilho das estrelas, porém com os olhos fixos nos pés firmes nesse chão da mãe-terra que sustenta nossas realizações: é uma saudação à mãe-amada que nos pariu; solo fértil de inesgotável bonança... 

Adorável é a visão da estética que não busca a qualidade do meu desejo... Breve foram os dias gris no teu sagrado chão, do vento suave da tua Torre de Belém, do horizonte melancólico do teu Castelo de São Jorge... Sob o império do Sol, continuei a caminhar, para te conhecer, envolvida num universo de sensações que conduziram a expressão do meu sentir: não ousei invocar as ninfas Tágides do teu rio Tejo; no entanto consegui lembrar do tempo de Camões: ó Lusíadas, da heróica epopéia do Vasco da Gama... Foram gloriosos teus heróis, Don Sebastião... 

Agora, passado e presente se entrelaçam, sobre tua gente contemplativa, relembro o Hino de tantas vitórias: “Sobre a terra, sobre o mar... Desfralda a invicta Bandeira... À luz viva do teu céu! Heróis do mar, nobre povo... Nação valente e imortal, Levantai hoje de novo, o esplendor de Portugal!”... O hoje - tempo que já designava a percepção de tanta saudade do belo - da tua gótica tardia arquitetura manuelina, dos bancos na praça do chiado ou da praça Luís de Camões, dos históricos monumentos, do intimista sotaque que deu sabor à minha audição; folhas soltas ao vento, leve brisas de tantas sensações... No museu do fado, não consegui ouvi, com Amália Rodrigues, 'o povo que lava no rio', mas, no Mosteiro dos Jerónimos, li o Fernando Pessoa e me senti "Sê toda em cada coisa", entendi o que é pôr quanto és no mínimo que fazes... Assim compreendi a Lua do teu céu, “que em cada lago ela toda brilha, porque alta vive”... 

Subi ao Distrito de Castelo Branco, foi em Covilhã que conheci o cinza do inverno português, mesmo sem conseguir quebrar o gelo, na Serra das Estrelas, me envolvi plenamente com a intensa neve; o clima de lá me fez relembrar o ditado que diz: “o que cá se faz, cá se paga”... Não fui surpreendida por mistérios, no auge do improviso a chuva caiu pra pulverizar todo encanto, na auto estrada, de volta a Lisboa, a 120 por hora, o rádio do automóvel tocou:

“Ondas sagradas do Tejo
Deixa-me beijar as tuas águas
Deixa-me dar-te um beijo
Um beijo de mágoa
Um beijo de saudade”...

Dois meses passaram-se e tudo isso já continha o panorama generoso das saudosas lembranças das luzes de Lisboa... Etimologicamente a palavra adorável vem do latim: adorabillis, esqueço quem abrilhantou seu poder de seduzir; talvez tenha sido Diderot Lessing, em algum trecho sobre o iluminismo francês, na sua Obras Completas III, isso não importa, ela também se encaixa em mim... Adoravelmente, também esqueço a realidade, em um acordo entre o pensamento e a disposição das recordações, onde a inclinação natural invoca a magia das origens lusitana, e por não saber nominar a especialidade das minhas sensações, repito: a ti, Lisboa, a impressão sempre será adorável... Adorável é a tua expressão de pura arte... Volto pra casa sentindo a ausência da voz do fado, ouço este: 

“É meu e vosso este fado
Destino que nos amarra
Por mais que seja negado
Às cordas de uma guitarra...

Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que a recebi...

E pareceria ternura
Se eu me deixasse embalar”...

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