sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Estava enfermo e me visitastes...

A pastoral dos enfermos pertence à mais lídima tradição do Cristianismo desde os inícios. Encontramos reflexos na carta de São Tiago: "Algum de vós está doente? Mande chamar os anciãos da Igreja e que estes orem, depois de tê-lo ungido com óleo em nome do Senhor" (Ti 5, 14). E a prática da Igreja primitiva atualizava, no fundo, o sermão escatológico de Mateus. No dia do juízo, quando o Filho do homem vier na sua glória, dirá às pessoas que visitaram os enfermos: "estava doente e me visitastes e com tristeza dirá aos que não visitam nunca os doentes o contrário: "estava doente e na prisão e não me visitastes". Todos conhecemos o jogo de surpresa de que o texto se reveste - quando Senhor te visitamos? – e Jesus responde identificando-se com os doentes (Mt 25, 31-46).

Até aqui as palavras da Escritura. Não soam injunção exterior que se nos impõe. Elas desvelam o interior das pessoas que visitam e são visitadas. Há uma beleza dos dois lados. Levam-se aos enfermos o óleo da graça e a palavra do conforto. Eles se alegram com a presença de pessoas de Igreja que chegam até eles com cantos, com a leitura da Escritura. São oásis de graça.

A cultura em relação à visita aos doentes tem modificado muito nos últimos tempos por força das transformações sociais. Fatores absolutamente fora do nosso alcance configuram nova situação. Refletir sobre ela ajuda-nos a ir ao encontro de saídas criativas.

Na cultura familiar tradicional, o hospital representava solução de emergência e última instância por breve tempo de modo que a casa permanecia o lugar privilegiado da visita aos enfermos. Famílias numerosas possibilitavam revezamento entre os filhos ou parentes no cuidado diário de enfermos ou anciãos.

A vida moderna em que homem e mulher trabalham fora dificulta presença contínua de algum parente junto ao enfermo. Daí a solução fácil do hospital ou do asilo. E quando isso acontece, o provérbio popular nos alerta: "longe dos olhos, longe do coração". E assim muitos corações se esfriam, se esquecem e lá estão os doentes entregues à triste solidão.

Acrescente-se ainda a sobrecarga de trabalho que a vida atual impõe a todos. Depois de 8 horas na labuta, sem contar aquelas perdidas no transporte público ou nos engarrafamentos cotidianos, as pessoas voltam exaustas para casa. Como ter energia ainda para cuidar de enfermos?

Quanto mais difícil se torna esse mister, tanto mais heroísmo exige das pessoas. Ainda existem anjos da guarda que cuidam com carinho e desvelo os parentes fragilizados.

A doença e a idade provocam duplo efeito. Abrem e fecham os corações paradoxalmente. A fragilidade em que se encontra a pessoa dispõe-na para receber mensagens de conforto e esperança. A fé cristã tem o maravilhoso anúncio pascal. Por mais trágica que seja a situação em que o enfermo esteja, Deus se mostra propício como aquele que se põe a seu lado na luta contra o mal físico e espiritual. Ele é o primeiro interessado a consolar quem se aflige com as dores e fraquezas. E Deus consola de duas maneiras. Por meio de nossas palavras humanas e por uma presença misteriosa dele no íntimo do ser humano. As visitas se tornam verdadeiros sacramentos. Sinais visíveis da graça invisível de um Deus atuante.

Às vezes o efeito da doença é oposto. A pessoa se fecha no mutismo, na solidão. Não deseja visita nenhuma. Sofre porque ela é a vítima. Diz-se a si mesmo: “por que eu? por que não podia ser outro"? Somam-se revolta, inveja, ressentimento. Projeta a raiva sobre outras coisas, pessoas. Torna-se difícil lidar com o paciente nesta fase. As palavras de consolo podem soar como anestésico sem efeito a longo prazo.

Nesse momento, requer-se tato pastoral. Antes de abordar o enfermo, mergulhemos um instante em Deus e peçamos-lhe a palavra adequada. À medida que nos aproximamos com essa transparência divina, com a gratuidade de quem só deseja o bem, há esperança de que o coração se abra. Nada como um olhar de bondade, uma voz de acolhida, uma palavra de compreensão. O risco são os lugares comuns, os discursos feitos que repetimos sem convicção e sem unção.

Ouçamos para concluir a São João que nos fala da unção, do Espírito que nos dá a palavra verdadeira de consolo aos irmãos necessitados: ”A unção, que dele recebestes, permanece em vós e não necessitais de ninguém para vos ensinar. Pois como a unção vos ensina tudo e é verdadeira e não mentirosa, permanecei nele conforme ela vos ensinou (1Jo 2, 27). No Espírito a nossa palavra será verdadeira.

Por João Batista Libâno

Fonte: Dom Total