quinta-feira, 28 de outubro de 2010

VOTE 77 NO REFERENDO DA HORA ...

Estamos às vésperas do referendo que decidirá sobre o “fuso horário” do Acre. Um país ou uma unidade política qualquer, pode ter horários determinados não condizentes com sua localização no Planeta. Isso ocorre quando o lugar tem um território pequeno; quando sua extensão leste/oeste é estreita, sendo maior no sentido norte sul, ou quando o governo é autoritário e muda os horários conforme suas conveniências econômicas ou políticas. Em qualquer das situações quem paga mais caro pelas mudanças é a população, que tem de estudar, trabalhar, descansar etc. em horários, às vezes, não tão apropriados.

O Acre faz parte de um país imenso tanto no sentido leste-oeste quanto norte-sul. Por isso, nossas variações temporais são tão comuns, se considerarmos o sentido leste-oeste, nos horários diversificados que temos, assim como são comuns as variações climáticas com as temperaturas mais frias e mais quentes quando tomamos com referência o sentido norte-sul.

Tenho visto muita gente na rua, nos bairros, nas igrejas, em todos os lugares, discutindo como ficará o fuso horário do Acre após o dia 31 de outubro.

Primeiro temos de desfazer uma confusão de termos: “fuso horário” e “horário local”. Vamos primeiro entender que o “fuso horário acreano” sempre foi o mesmo, pois ele é dado pela localização do Acre no Planeta, e isto não pode ser mudado por força de uma lei. Portanto, o “fuso horário” nosso é e sempre será o mesmo, isto é, o quarto fuso horário brasileiro ou o quinto fuso em relação à linha de Greenwich.

O que foi mudado no Acre foi nossa “hora legal”. A mudança se baseou em parâmetros que desconsideram o fator natural de nossa localização e a forma da população pensar sobre o assunto. Podemos dizer que foi uma medida errada cientificamente e socialmente arbitrária. Por este motivo defendo o retorno ao antigo e legítimo horário acreano. E justifico cada um dos argumentos:

- O fuso horário de um lugar é um fenômeno de sua localização geográfica no Planeta. Existem profissionais, como geógrafos e cartógrafos, que são especialistas nessas áreas, que vivem no Acre, e foram totalmente ignorados pelo “atropelo do poder e da vaidade” que o autor da lei que mudou a hora do Acre, acreditou ter. Portanto, o primeiro ponto que saliento: o desrespeito para com as ciências da área geográfica e cartográfica e com toda a comunidade acadêmica em geral.

- Nosso organismo reage de forma diferente conforme as variações temporais diárias. Sendo assim, temos mais disposições para dormir à noite e fazer atividades diversas durante o dia. Portanto, o “relógio biológico” de cada humano está vinculado à sua condição de localização no Planeta. Porém, quando mudou o horário do Acre, o então senador Tião Viana (PT-AC), autor da lei, não considerou como a mudança afetaria as condições biológicas das pessoas, com repercussões diretas, inclusive, na saúde de cada acreano.

- A sociedade acreana ao longo de sua formação acostumou com a hora de fuso horário dado por sua localização. Uma mudança de horário, ou qualquer outra que um dia venha a ser feita, caso envolva a sociedade como um todo, tem que ser aceita por todos. Como vivemos num estado democrático, é bom que as autoridades aprendam que a consulta popular apenas reforça os seus propósitos conforme os anseios de seus representados. Isso deveria ser uma prática comum numa sociedade democrática.

- A localização do Acre fez desse território o Estado mais ao oeste do Brasil. Estamos distantes da faixa litorânea Atlântica, onde situam-se as áreas economicamente mais dinâmicas do país. Na época da mudança do horário, argumentavam que este novo horário iria ajudar o “Acre a aproximar mais do Brasil”. Nisso há pontos críticos. Apesar de distante espacialmente do centro, o Acre é Brasil desde 1903. A distância não é um fenômeno que justifica a importância de um lugar. Nos Estados Unidos da América, os centros políticos principais também estão no litoral Atlântico (New York e Washington, por exemplo), mas o estado mais rico daquele país é a Califórnia, que está no litoral Pacífico, em fuso horário diferente. Por isso, a localização do Acre é distante do oceano Atlântico, mas é a porção do território nacional que mais se aproxima do Pacífico. Daí, esta localização que aparentava ser um limitador pode ser um potencial importante para nosso desenvolvimento.

- Diziam as mudanças seriam necessárias para viabilizar o funcionamento bancário, para o horário de programas televisivos e para o comércio. Resultado: os bancos mantiveram o horário, os programas de televisão continuam sendo assistidos por todos, inclusive, nossas crianças (que agora dormem mais tarde). Ao comércio até que serviu para as negociações telefônicas, porém hoje, diante da tecnologia existente, as transações comerciais e financeiras podem ocorrer praticamente em qualquer horário. Também o comércio, em Rio Branco, passou a abrir em horários variáveis -algumas lojas às 7 horas, outras apenas às 9 horas. Até as escolas passaram a iniciar as aulas às 7h30. Sabem por que houve essas adequações de horário interno ao Acre? Porque se seguíssemos o novo horário, as pessoas não chegariam no tempo determinado, mas sim no tempo de seu relógio biológico, que está regulado pelo velho horário ignorado pelo senador. Isso demonstra que o costume das pessoas, de todos nós vivendo em sociedade, onde somos os agentes que preenchem a realidade, inclusive, o mercado consumidor, é que dinamiza a realidade. Então esta mudança não nos serviu.

Dizem as propagandas em defesa do sim que: “já se acostumou, por que mudar?” Será que já acostumamos ou estamos sendo obrigados a nos adequar? Não se desfaz algo construído em 100 anos e se reconstrói em apenas um ano. É bom que pensemos nisto.

Com a economia globalizada, o tempo econômico é ágil. A distância temporal torna-se cada vez mais virtual. As principais bolsas de valores do mundo funcionam em fusos horários diferentes é nem por isto as cidades onde se situam tiveram que adequar seus horários ao de New York, de Londres ou de Tóquio. Então a quem interessou a mudança do horário acreano? Este é um ponto para refletirmos e não cair perante vaidades individuais.

Defendo “o não” à mudança e o retorno ao horário real, por uma questão de defesa ao estado democrático, pelo respeito à opinião do povo acreano, pelo acerto científico de nossa hora. No dia 31, escolha 77.


Por Silvio Simione da Silva,  professor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre.

Fonte: Blog Altino Machado