terça-feira, 11 de setembro de 2012

O Tempero da Vida...



Profa. Dra. Vitória Kachar

Título Original: Politiki Kouzina / A Touch of Spice
Gênero: Drama
Origem/Ano: GRE-TUR/2003
Duração: 108 min
Direção: Tassos Boulmetis 
 
 Fanis Iakovidis é professor de astrofísica na universidade de Atenas, na Grécia. Na infância, foi um dos milhares de turcos de origem grega convidados pelo governo a se retirarem da Turquia.  Esse é o plano de fundo; um contexto político para um (pre)texto familiar.
 
Fanis, amadurecido, em torno dos 40 anos de idade, depois de muitos anos de exílio, precisa voltar ao seu país natal por causa de Vassilis, seu avô e mentor que vive em Istambul e desenvolveu uma peculiar culinária. Essa viagem de volta desencadeia uma outra no túnel do tempo. São suscitados questionamentos existenciais em Fanis, fazendo-o rever sua forte ligação com o avô e seu elo perdido com o grande amor da sua meninice.
 
O filme “O tempero da vida” como uma paisagem de mesas recobertas de pratos de comidas de dar água na boca, lembra-nos “A festa de Babete”, um íntimo jantar com sofisticados pratos preparados com prazer e saboreados como um brinde à amizade. Ou então a fábula “Chocolate”, onde a forasteira (Juliette Binoche) com sua alquimia acrescenta condimentos afrodisíacos aos bombons, estimulando a liberação do comportamento das pessoas. E também, “Como água para chocolate”, onde emoções fortes e profundas emergem como erupções do coração.
 
Dois importantes pontos de confluência: um é o prazer de preparar e saborear a comida e o outro, a magia contida na alquimia da elaboração que torna possível a transformação do ser.
 
“O tempero da vida” nos faz sentir novamente a poética perdida no dia-a-dia. Resgata valores essenciais que se constituem na infância ao redor das relações familiares e que se tornam base para projetar o futuro do indivíduo.
 
É sob esse olhar das lembranças de Fanis que se desenrola o filme. São nas reuniões em torno de uma mesa repleta de pratos de comida onde acontecem os grandes e pequenos momentos que definem os rumos e destinos de um casal, de uma família ou às vezes, questões políticas decisivas do país. É no ambiente familiar que se constituem os princípios e valores na formação da personalidade; o destaque fica para o papel do avô. Figura símbolo de vivência pouco explorada no cinema e na televisão[1].
 
 O filme pode ser recontado a partir de um menino e o seu vínculo afetivo com o seu avô. Assim, Fanis ao rememorar sua meninice, toca na história da criança que habita cada um e com ela as lembranças que ficaram como linhas que traçamos para arquitetar a nossa existência.
 
Infância presença marcante na vida de todo adulto[2].
 
O menino, aprendiz do avô, observa e escuta atento e voraz a sabedoria contida nas entrelinhas das conversas sobre comidas e temperos que dizem muito mais do que isso. São receitas com ingredientes para condimentar a vida.
 
Vassilis é um avô exemplo para se ter na referência de mundo, na passagem das tradições e ensinamentos de uma geração à outra; o contato com as origens étnicas e culturais da árvore genealógica.
 
O avô meio mago é dono da loja de condimentos e ensina através deste universo ao seu jovem discípulo, conhecimentos construídos nas duras e sensíveis experiências de quem muito já viveu.
 
Um bruxo do bem com o seu sótão quase misterioso que só iniciados podem adentrar e conhecer.  
 
Um vendedor que oferece generosamente seus conselhos a todos os clientes para enxergarem a situação por um outro ângulo, mais amplo e cósmico, como o desenho de universo feito com os temperos.

Depois do filme ficam as perguntas: o que fizemos com a figura de avô que vive em nós? Onde estará o avô das crianças de hoje e de amanhã?