sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Cidade das Letras...

A publicação de um livro sempre envolve uma certa magia. Da matemática à literatura estamos sempre diante de um universo novo de significações. A morte de um autor e a publicação póstuma de seus trabalhos permitem ao leitor o privilégio de reinstituir a magia da vida através da linguagem.

Angel Rama nos convida, com seu livro A Cidade das Letras, a participar do universo latino-americano. Para Vargas Llosa ninguém superou Rama nestas visões de conjunto: "Não é estranho, portanto, que fosse ele que concebesse e dirigisse o mais ambicioso projeto editorial dedicado a reunir o mais representativo da cultura latino-americana. A Biblioteca Ayacucho, patrocinada pelo Estado da Venezuela". Dentro de uma perspectiva macro-histórica Rama escreveu seu livro A Cidade das Letras. Meditou sobre a história latino-americana a partir do período colonial procurando desvendar seus significados simbólicos em meio às especificidades literárias, estéticas e culturais.

Hugo Achugar refere-se no prólogo à capacidade de Rama em escapar do exercício sociológico construindo uma visão totalizante como resultado de identidades culturais. Com a chegada do colonizador tem início este trabalho. É ele que institui a cidade ordenada. A palavra-chave deste momento é a ordem. Palavra obsessiva para o rei e todos aqueles que realizam a construção do império espanhol e português. O desenho da urbis reproduzia um tabuleiro de damas onde cada edifício expressava a estrutura hierárquica. A missão civilizadora coube a cidade letrada. A classe sacerdotal soube criar um universo de signos que servissem de maneira primorosa à monarquia absoluta. A cidade, sede administrativa, fixou a norma através de seu estilo barroco. A forma e a figura expressaram o exercício do poder constituído.

 Uma sociedade marcada pelo analfabetismo sacralizava a cultura européia. A cidade barroca mantém-se como ideal. É uma imagem sempre presente mesmo para aqueles que não são seus artífices diretos. O estreito convívio com o poder, com as leis, regulamentos e proclamações instituiu a cidade escriturária. Advogados, escrivães, escreventes e burocratas da administração realizam a arte da "obscura predominância". Usaram a língua como instrumento de dominação contra o mundo "inferior". Intensificam a adesão à norma culta para limitar o acesso ao poder. A cidade escriturária encontra nos escritores de grafite uma prazerosa oposição. Com inscrições "indecorosas" ou apaixonadas cobriam as paredes das pousadas do Alto Peru: "Além das desonestidades que com carvão imprimiam as paredes, não há nem mesa nem banco em que não esteja esculpido o sobrenome e o nome a golpe de ferro desses idiotas".

Em 1870 a modernização favorecia o crescimento do circuito letrado. O desafio ao poder constituído crescia com as facilidades de divulgação criadas pelas gazetas populares. Novos grupos sociais introduzem leis de educação comum que se estendem pela América Latina. O grande ator da cidade modernizada é o conhecido self made man. Aquele homem que venceu graças ao seu esforço pessoal. O jornalista e o advogado constituem com precisão este perfil. A pólis se politiza com um estilo nacionalista de 1911 a 1930 e depois com um estilo populista de 1930 a 1972. Ao mesmo tempo o século XX latino-americano produz uma doutrina de regeneração social como um processo idealista, emocional e espiritualista que se desenvolve negando a modernização. As estruturas mentais se organizam de forma antitética desembocando na "triunfante cidade da unificação nacional".

A era da revoluções finaliza este estudo. Ela gerou a cidade revolucionada, critério de Abelardo Villegas, para analisar a profunda mudança social tanto na sociedade mexicana como na uruguaia. Alguns traços deste processo poderão ser observados também no radicalismo de Hipólito Yrigoyen na Argentina de 1916, e de Arturo Alessandri no Chile de 1920, com Getúlio Vargas desde 1930, No México com Lázaro Cárdenas, na Argentina com Perón e na Venezuela com Rômulo Gallegos. Já a revolução cubana encontraria continuidade em Salvador Allende e no sandinismo nicaragüense. Rama observa como em meio as revoluções latino-americanas sempre se concedeu considerável importância à presença dos "intelectuais nos campos de luta, quer ser trate de conselheiros privados ou de secretários que dominam a pena, quer dos burocratas sobreviventes de todas as administrações possíveis que esperam o momento em que se reclame deles os inevitáveis serviços". Afinal sempre voltamos à antiga cidade das letras. Desta cidade sobrou um pouco em todos nós: uma

Angel Rama: Fonte...