sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Voltando à Vida...

Hoje, acordei de um Sonho, não exatamente aquele sonho que costumamos ter ao dormir, ou até mesmo aquele Sonho que alimentamos, durante toda uma vida, para nutrir nossas esperanças no viver, às vezes, até faço confusão com algum  fenômeno ótico... O meu Sonho, sempre foi diferenciado (um pouco multicultural, humanista, feminista, romântico, idealista etc.), ele é formado através duma fenomenologia ou uma visão de ótica, talvez... Pensei em recorrer às leituras sobre mitos e lendas, para compreender melhor o que dizem os estudiosos sobre a fenomenologia, no entanto eles também me confundem... Refleti sobre o meu primeiro livro de contos de fadas, presenteado por minha mãe (aos sete anos de idade) para eu deixar de ler os livros de bang-bang (os bolsilivros de faroeste que muitos tratavam das histórias políticas de Estado, mas eu adorava deixar minha tarefa  escolar de lado para lê-los)...

Aí foi quando me lembrei do inconsciente coletivo formulado por Carl Jung, que trata do efeito da ideologia duma cultura sobre a formação individual...; questiono-me: será que as ideologias dos contos de fadas nutriram e continuam a alimentar meus sonhos?... Não, talvez não seja exatamente isso, mas não consigo encontrar a resposta, pois isto implica tantas outras ideologias absorvidas pelo inconsciente coletivo e inseridas, enquanto cicatrizes, no meu viver para além dos contos de fadas...

Como, por exemplo, as ideologias sócio-políticas que vamos absorvendo, ao longo de nossas vidas, nos bancos educacionais: da antropologia ganhei uma marca sobre as divergências entre as sociedades matriarcais e patriarcais, pois de acordo com as teórias  antropólogicas de Mogan, e outros antropólogos, a sociedade matriarcal era aquela onde uma parte, se não a totalidade dos poderes legais dependiam da organização e do governo da família, cujas propriedades e heranças estavam sob o poder das mulheres, porém veio o patriarcado fundamentando-se na agricultura masculina, que substituiu a agricultura feminina da enxada (uma invenção revolucionária das mulheres), onde o conhecimento do processo da fecundação e do papel desta desempenhado pelo poder do homem contorna a separação definitiva das tarefas e das funções conforme o sexo; outra cicatriz profunda, em mim, é a da filosofia com seus clássicos intelectuais cheios de dramas, como Montaigne, o maior representante renascentista do ceticismo, pois sou tão cética quanto os sofistas do século V a.C (Xenófanes, Protágoras), daquele pensador ficaram-me as marcas das melancólicas dúvidas existenciais...

Porquanto quero concluir com a última marca ideológica, em meu ser Mulher, deixada pela formação política do Brasil colonizado... Entretanto lembrei que as dores dum sonho acordado não pertencem somente a minha pessoa; é uma longa história que vem de longe, e não são tão somente as mulheres que têm seus sonhos dilacerados pelas infâmias das injustiças... Recordei algumas leituras sobre Victor Hugo que foi exilado por ter se insurgido contra as intenções ditatoriais de Napoleão III... Ele foi um notável escritor com uma produção de obras-primas memoráveis; Os Miseráveis (1862), por exemplo, deixou Victor Hugo para a História, e depois que a França se tornou pacificada, ele foi considerado o símbolo da cultura, da humanidade e do Romantismo... A ver vamos: ainda há um rastro de Esperança...

Enfim, em nome do meu ser Rosa, sensibilizo-me com a história de vida daquela que – para mim – representa, em sofrimento e na vitória de seus sonhos, o nome da mulher brasileira: Cora Coralina!... Ela ficou conhecida por ter descoberto a poesia em sua velhice, publicou seu primeiro livro aos 76 anos... Foi pouco reconhecida pela literatura de sua época, nunca teve o incentivo no campo literário, escrevia escondida, além de ter sido muito julgada pela família por ter fugido para viver com um homem que já havia sido casado; ao ficar viúva trabalhou como vendedora de livros, e ao voltar para sua cidade, sobreviveu de doceira e assume o papel de poetisa... Enquanto mulher Cora Coralina nos incentiva à uma busca incessante em nosso interior, e nos dar a sabedoria de espalhar a felicidade partindo do que temos guardado em nosso Ser Mulher... Com o seu poema Não Conte pra Ninguém, ela ilumina-nos com uma bela contradição de ser e estar, um descontente e, ao mesmo tempo, o contente que sempre se encaminha à nossa frente:

Eu sou a velha
mais bonita de Goiás.
Namoro a lua.
Namoro as estrelas.
Me dou bem
com o rio Vermelho.
Tenho segredo
como os morros
que não é de adivinhá.
Tenho um amor
que me espera
na rua da Machorra,
outro no Campo da Forca.

Gosto dessa rua
desde o tempo do bioco
e do batuque.
Se você quiser, moço,
vem comigo:
Vamos caçar esse ouro,
vamos fazer água — loucos
no Poço da Carioca,
sair debaixo das pontes,
dar que falar
às bocas de Goiás.
Já bebi água do rio
na concha da minha mão.
Fui velha quando era moça.
Tenho a idade de meus versos.
Acho que assim fica bem.
Sou velha namoradeira.
Lancei a rede na lua,
ando catando as estrelas.

E, para afirmar a mulher forte que pulsa dentro de nós, veremos o poema Todas as Vidas com uma intensa sabedoria da simplicidade cotidiana:

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.

Finalmente, através destes poemas desejo representar as inquietudes que assolam o meu ser, e se a volta à realidade é uma tristeza ou uma alegria, não sei!... Mas a verdade mesmo é que ainda não cheguei a uma definição sobre o efeito do meu sonho (vivo e acordado) enquanto marca do inconsciente coletivo ou um fenômeno ótico, porém farei uma detalhada apreciação, posteriormente, ao descrever melhor aquilo que penso sobre as fábulas, os mitos, as lendas numa reapresentação pós-moderninha...

Todavia, traçarei os seguintes passos, para uma posterior definição, sobre a fenomenologia do meu sonho acordado, Voltando à Vida II: a) entender osMitos Gregos contados por Jean-Pierre Vernant; b) ainda com este ensaísta, descrever a relação entre Mito e Política, e por fim; c) detalhar a formação histórica da Amazônia através das Lendas regionais...