domingo, 17 de julho de 2011

Uma Viagem à Índia...

Gonçalo M. Tavares dispensa maiores apresentações: entre poemas, contos e romances, o jovem escritor português, nascido em 1970, já publicou mais de vinte títulos, a maioria dos quais, com efeito, já se acha traduzida em todas, ou quase todas, as chamadas línguas de cultura. Não espanta nada, pois, que o considerem de fato um prodígio, algo como, com o perdão da metáfora óbvia, um Cristiano Ronaldo das letras contemporâneas, e lhe atribuam prêmios e mais prêmios mundo afora.

De todos os seus livros, porém, nenhum, até agora, pode comparar-se com o recém-lançado Uma viagem à Índia, que é, seguramente, uma das mais audazes e ambiciosas empresas de que se tem tido notícia, no universo em geral monótono e pasteurizado da literatura 'global'.

A obra, basicamente um diálogo com Os Lusíadas, de Luís de Camões, e com Ulisses, de James Joyce, conta a viagem indiana de Bloom, que sai de Lisboa em busca de "sabedoria/ e esquecimento". E com isso de "sabedoria e esquecimento", caro leitor, começam os problemas.

O mais sério deles, com efeito, - talvez mesmo o único - não está na trama, que é de fato muito bem bolada, nem nas alusões mais ou menos explícitas a alguns autores de cabeceira, e muito menos, enfim, na inconteste perícia narrativa do autor: o problema principal está no estilo, na língua, no tom escolhido por Tavares. A impressão que tive foi que a sua prosa poética - ou poesia prosaica -, justamente elogiada nos outros livros, em Uma viagem à Índia deixa um pouco a desejar, ficando aquém do esperado.

Um título que remete a Camões e a distribuição das palavras no branco da página não bastam: para que fosse um poema, a obra de Tavares teria de emanar aquela tensão, aquele magnetismo, aquela, digamos, 'luz' que brilha em todo grande poema, mesmo nos mais longos, e que Pound tão bem sintetizou na fórmula Dichten=condensare. Em muitos trechos, porém, em vez de fundi-las, Uma viagem à Índia fica a meio caminho entre poesia e prosa, isto é, nem tão pungente quanto a 'pura' poesia, e nem tão exato quanto a 'mera' prosa. "Mas Tavares não quis compor um poema!", me dirá, talvez, um dos seus muitos admiradores. Ao que eu responderia que, pra saber se quis ou não quis, teríamos de perguntar pra ele - mas, deixando de lado a sempre fantástica elucubração de possíveis intenções, o fato é que o livro está, sim, dividido em versos e estrofes e cantos. E, na condição de poema, deixa a desejar.

Como quer que seja, o que Tavares tentou foi um tour de force, foi uma verdadeira façanha literária, cuja ousadia e ambição importam mais, a meu ver, que os seus eventuais tropeços, e mostram que a épica, em pleno séc. XXI, está mais viva do que nunca. Isso, em si, já não é um feito? Parabéns a Gonçalo M. Tavares, um "barão assinalado".

*Érico Nogueira é poeta e tradutor, autor de Dois (2010) e O livro de Scardanelli (2008). Escreve semanalmente no Ars poetica, blogue de poesia.