domingo, 31 de julho de 2011

Comboios Portugueses: Um guia Sentimental...

                                                                  Almeida Junior - Moça lendo em Itú
«Quando o longo corpo do comboio se põe em movimento sabe-se que o destino está fora das nossas fronteiras, e que poucos são os passageiros que viajam neste trem que não se destinam ao estrangeiro. Cedo será o Entroncamento, as paisagens banais, se o viajante viaja na Linha do Norte, entre Lisboa e Porto, e depois a Pampilhosa. A partir daqui, o Sud-Express começa a ser mais Sud-Express, pois só parará de novo em Mangualde, passando sobre Vila Franca das Naves como se não fosse com ele (e é, porque Vila Franca das Naves parece um lugarejo arrancado a outro mapa, de outro continente, entreposto de passageiros para Douro e Beira Alta). Eis então a Guarda. É esta a diferença: se fosse Verão, quando tivéssemos passado pela Barragem de Aguieira, teríamos visto o brilho das águas com o Sol descendente, se fosse o Sol a mover-se. Mas Março é ainda cedo para essa iluminação. A Aguieira fica já muito para trás, antes de Mangualde. Porém, a Guarda, seja Inverno ou Verão, aparece-nos sempre escura diante do Sud-Express, sendo daí a pouco tempo a fronteira de Vilar Formoso.

 (…) Há esticões nas carruagens: experimentam-se os freios. Os meus companheiros de viagem ameaçam dormir, e eu não quero, de modo nenhum. Um esticão mais forte, o apito da locomotiva, o arranque. Agora vai vagaroso o comboio, muito lento até chegar a Salamanca e, depois, a Valladolid. Quando se avistam as terras de Burgos é quase dia. Vitória em pleno País Basco, apanha-nos a querer o pequeno-almoço. A ele vamos, se valer a pena. Quando, depois de S. Sebastián, chegamos a Irún, é sem dar conta que entramos em França por Hendaye — e vamos aos passaportes, pois claro. Vamos dizer aos Franceses que estamos só de passagem, até Paris. Depois se verá. «Y que va usted a ver?» pergunta-me o último ferroviário espanhol. «A ver como vuelve el tren, claro», digo eu. Nem acredita, chama-se Zuque. (…)

Descaracterizado, o Sud-Express, aquele que em Portugal tem o nome de Sud-Expresso, e que é o comboio da emigração. Más condições de viagem, pouco apoio aos viajantes. Em querendo ir para Paris ou para o resto da Europa de comboio, o melhor é fazer a ligação por Madrid «y te coges el Puerta del Sol, no?, ese que va de Chamartín por la noche. No es malo el tren, eso me lo digo yo». Mas eu queria um comboio portugués. «Ah, eso es difícil, hay que pasar por nosotros. Le puedes hacer un protesto, a tu rey, a los reyes de Portugal…». Mas em Portugal não temos réis. «Como no hay reyes? Eso es difícil de entender…»

F. J. VIEGAS, «O Sud-Express», in Comboios Portugueses: um guia sentimental, Lisboa, Círculo de Leitores, 1988, pp. 179-181...

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