sábado, 30 de abril de 2011

Sobre a Defesa da Beleza...


     Óleo sobre tela, Les Bords du fleuve Sebou -Ferdinand-Victor-Eugène Delacroix 
O que eu sei é que muita gente por aí sente o que eu sinto. Eles concordam comigo que a beleza importa, que a profanação e o niilismo são crimes e que deveríamos encontrar um modo de exaltar nosso mundo e dotá-lo de uma significação mais do que mundana.

Para o bem e para o mal, eu sou identificado pelas elites britânicas como a pessoa com quem se pode contar para defender o indefensável e que se pode permitir defender o indefensável, mesmo em uma televisão estatal (quer dizer, a BBC), desde que a defesa seja suficientemente diluída por outros defendendo o óbvio. No código oficial, "indefensável" quer dizer "conservador", enquanto que "óbvio" quer dizer "liberal-esquerdista". Assim sendo, quando a BBC me pediu para participar de uma série de televisão sobre a beleza, esperava-se que eu sustentasse que uma tal coisa realmente existe, que não é só uma questão de gosto, que ela está ligada ao nobre, àquilo que se deve aspirar e ao que há de sagrado em nossos sentimentos, e que a cultura pós-moderna, que enfatiza a feiúra, o desalento e a profanação, é uma traição a um chamado divino. Então, foi isso o que eu disse, já que, afinal de contas, era para isto que eles estavam me pagando. Para alcançar o equilíbrio que a BBC é obrigada por seu regimento a apresentar, dois outros programas foram encomendados, reafirmando as ortodoxias. Eles afirmaram que a arte não tem a ver com a beleza, mas com a originalidade e a originalidade quer dizer você se exibir com a língua (ou algum outro órgão apropriado) para fora.

Em "Por que a beleza importa", eu falei um pouco sobre arte, mas estava mais preocupado em chamar atenção para o lugar da beleza na vida cotidiana -- nas maneiras, nas roupas, na decoração de interiores e em edifícios vernaculares comuns. Eu critiquei tanto a arquitetura funcional de concreto e vidro, que destruiu cidades em todo o mundo, quanto as maneiras egocêntricas que fizeram o mesmo com a vida doméstica. Tentei explicar por que os filósofos do Iluminismo acompanharam Shaftesbury ao colocarem a beleza no centro do novo código de valores seculares. Para Shaftesbury, Burke, Kant, Schiller e seus seguidores, sugeri eu, a beleza era o caminho de volta para o mundo que eles estavam perdendo, com a perda do Deus cristão -- o mundo do sentido, da ordem e da transcendência, que deve ser constantemente emulado neste mundo se quisermos que nossas vidas sejam verdadeiramente humanas e verdadeiramente plenas de significado. E afirmei em seguida que desde as piadas pueris de Marcel Duchamp, repetidas reiteradas vezes em toda mostra de faculdade de graduação em artes na Grã-Bretanha, um hábito de sarcasmo e profanação tinha se apoderado do exercício das artes visuais.

Por isso, os artistas britânicos de hoje - pelo menos os reconhecidos pela cultura oficial - não têm muito mais a nos mostrar além do quanto são repulsivos. Me parecia óbvio que a pintura de Delacroix mostrando sua cama por fazer, na Maison Delacroix, em Paris) era uma verdadeira obra de arte, que mostra algo sobre a condição espiritual humana, enquanto que a famosa cama de Tracey Emin, na galeria Tate Modern, em Londres) é só uma cama desarrumada. Podemos deduzir, pela visão desta cama, um bocado a respeito da pessoa que a desarrumou, mas isto não a distingue de nenhum outro entulho deixado no rastro de uma vida humana. O sentido superior que é a meta da arte -- o sentido que mostra por que a vida importa -- é algo que esta cama não alcança nem tem como meta.

Eu recebi mais de 500 e-mails de telespectadores, todos eles, exceto por um, dizendo: "Graças a Deus alguém está dizendo o que é preciso ser dito," metade deles acrescentando, "mas como é que deixaram você dizer isso na BBC?"  Enquanto isto, os colunistas juntaram-se em bandos para lamentar o caráter triste, anômalo e reacionário do pobre Scruton, e agradecer à BBC por mostrar o absurdo e o anacronismo das opiniões do professor, já bem idoso. Waldemar Januszczak, que fez um outro dos filmes da série sobre a beleza, preparou um verdadeiro libelo para assassinato de caráter no Sunday Times, a fim de aconselhar a seus leitores, antes da exibição de meu filme, a desconsiderarem o que quer que eu pudesse tentar lhes dizer.

O episódio foi, para mim, revelador e instrutivo a respeito de meu país e sua cultura. Eu não digo que meu filme tivesse qualquer outro mérito além de sua honestidade. Mas ele gerou provas esmagadoras de que sua visão da arte e da estética é compartilhada por muitos espectadores britânicos e que a cultura oficial não está só divorciada destas pessoas, mas é profundamente hostil ao que elas acreditam, o que elas sentem e ao que elas aspiram. A arte niilista de nossa época é repassada ao povo britânico como uma reprimenda, que ele deve aceitar com toda humildade e em um espírito de desculpas por ter querido algo de "superior." Não há nada de superior , esta é a lição a ser aprendida com a Arte Jovem Britânica, e com as pilhas de lixo sem nexo que ela manda para nossos museus e galerias. Só podemos entender a condição humana, ela nos diz, se adotarmos uma postura de grosseria e confrontação e se pusermos a língua para fora.

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