segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

De castelo em castelo...

Em 1944, dias depois do desembarque dos Aliados na Normandia, Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) deixou Paris com a mulher e o gato, numa fuga que era um imperativo de sobrevivência: depois de ter publicado três violentos panfletos anti-semitas, estava ameaçado de morte pela Resistência. O escritor pretendia chegar à Dinamarca, mas em Baden-Baden teve seus documentos confiscados. Perambulou por cidades bombardeadas e chegou a Sigmaringen, vilarejo da Baviera onde, num castelo, se refugiou a cúpula do governo pró-nazista de Vichy.

Céline, pseudônimo do médico sanitarista Louis-Ferdinand-Auguste Destouches, já era então mundialmente famoso. Em 1932, publicara a sua obra-prima, um dos romances mais importantes do século: Viagem ao fim da noite, que revolucionou a literatura francesa com sua linguagem febril.

Sigmaringen, como toda a Alemanha, estava à beira do colapso: faltavam remédios e comida; a sarna, o frio e a fome castigavam os mais de 2 mil franceses condenados à guilhotina por terem apoiado o nazismo. Médico da colônia de colaboracionistas entre novembro de 1944 e março de 1945, Céline é um espectador privilegiado dessa cena caótica, e se mostra em De castelo em castelo um cronista ácido de um episódio nada enobrecedor da história francesa.

Num texto repleto de trocadilhos, reticências e jogos de linguagem ("Não sou um homem de idéias, sou um homem de estilo"), ele borrifa sua raiva irônica para todos os lados, ridiculariza o marechal Pétain e seus ministros fantoches, descreve os contrabandistas que traficavam de tudo - de morfina a pênis artificiais para mutilados de guerra -, espinafra editores, escritores e personalidades do mundo literário francês. O apêndice preparado por Rosa Freire d'Aguiar ajuda a esclarecer episódios e biografias citadas pelo autor, muitas vezes de maneira escamoteada.

Publicado em 1957, De castelo em castelo tirou Céline do ostracismo literário. O livro vendeu 25 mil exemplares no ano de lançamento e jogou nova luz sobre seu inegável talento, embora até hoje suas posições políticas sejam objeto de polêmica. O romance forma, com Norte e Rigodon, a trilogia alemã, sobre a fuga pela Alemanha e os anos de exílio e prisão na Dinamarca.

Fonte: Companhia das Letras