sábado, 11 de dezembro de 2010

Os Desentendidos da Paixão...

Valho-me de Roland Barthes, em Fragmentos de um discurso amoroso (o que   está entre aspas): “O lugar mais sombrio, diz um provérbio chinês, é sempre embaixo da lâmpada”.

O apaixonado não se entende e nem se faz entender. O que diz é sempre a repetição de seu estado de encantamento, eivado de quereres que o faz patinar na tentativa da expressão de si. Nunca apreendido pelo outro. Se xinga, elogia. Se elogia, solicita. Se cobra, arde na contradição. Em silêncio, berra. Gritando, nada em a dizer. O apaixonado está dentro da lâmpada, que, complicada, o atravessa. Ele nem sempre vê a própria luz projetada no próprio entendimento e no do outro.

“’Estou apaixonado? – Sim, pois espero.’ O outro não espera nunca. Às vezes quero representar aquele que não espera; tento me ocupar em outro lugar, chegar atrasado; mas nesse jogo perco sempre: o que quer que eu faça, acabo sempre sem ter o que fazer, pontual, até mesmo adiantado. A identidade fatal do enamorado não é outra senão: sou aquele que espera”.

O apaixonado sempre espera porque nunca se sente completo, pleno, satisfeito. Está condenado a se virar com o contentamento descontente (Camões) ininterrupto de sua lúcida loucura. A paixão é saco sem fundo, mundo sem fim. É opção? Escolha dele? É arrebatamento? Seqüestro racioemocional? Sabe-se lá! E ele se culpa. Culpam-no. Mas... por quê? O que há de errado em só esperar?

“Dizem-me: esse gênero de amor não é viável. Mas como avaliar a viabilidade? Por que o que é o viável é um Bem? Por que durar é sempre melhor que inflamar?” O durar é amor estabelecido na relação. O inflamar é intensidade: nada mais característico da paixão. Ela não entende o meio-termo, certa sensatez ou maneira pensada de conduzir as coisas. O apaixonado sempre pensa pelos hormônios, nervos, vísceras, coração. Aí, não há negar: o querer é rei e manda!... Obedece quem não tem nada a perder. Foge aquele que não sabe que essa cor integra o arco-íris da vida: personalíssima, frágil, rebelde e curta demais para alienar, aparentar robustez, ser conformada ou sobejamente longa para esnobar.

Os desentendidos da paixão, “Encontro pela vida milhares de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo”. O apaixonado sabe que o mundo existe, mas o representa a seu modo. Se não se acomoda ao encantado, que se dane o mundo! Essa fase de uma relação é isto: o apaixonado e o ser da paixão. Claro! O universo não se resume aos dois.

Ele, o universo, torna-se coadjuvante. Talvez o lance seja saber lidar com a paixão. Bem conduzida, pode virar amor, o lado pé-no-chão de um encontro. Sofrer o apaixonado talvez traga contratempos. Mas se não vivê-lo, como sabê-lo? Como saber o sabor de um querer que pode ser o porto seguro de um mundo no qual dois seres constroem-se na troca, num projeto de vidas que se confundem de forma simples, doce, gentil?

Na sombria luz do sentimento, o apaixonado nem sempre a vê nessa perspectiva. Fora da sombra ou da luz, os estranhos não enxergam. Isso não é para o entendimento dos desentendidos da paixão. Eles não podem compreender.


Autor: Wilson Correia

Fonte: Internet doc  pdf