domingo, 6 de junho de 2010

Robin Hood - Emoção e suspense

Romance e relações sociopolíticas revigoram a trama de Ridley Scott...

Quase todas as versões artísticas da lenda de Robin Hood usam, como pano de fundo para as peripécias do herói, o período em que o rei inglês Ricardo Coração-de-Leão esteve sequestrado, e a Inglaterra tinha como regente o príncipe João (que viria a ser apelidado, pejorativamente, de João-Sem-Terra). Robin Hood, de Ridley Scott, situa a lenda um pouco depois, quando a morte de Ricardo levou João ao trono. A modificação sutil carrega um discurso político.
                       
Nas versões mais comuns, temos a Inglaterra de Ricardo como uma espécie de paraíso da justiça, interrompido pela tirania de João, mas que poderia ser reconquistado com o retorno do rei. Em Robin Hood, encontramos uma sociedade que pode escolher entre o autoritarismo mais brando e heróico de Ricardo e o autoritarismo mais violento e covarde de João – e a única alternativa aos dois é a imposição de limites à coroa inglesa. O filme é uma fábula sobre essa alternativa, que os livros de história conhecem como a Carta Magna, a declaração das “liberdades” dos barões ingleses e das obrigações e limites da monarquia, que até hoje é a base da constituição britânica.
Scott não faz um filme histórico, mas ficção que se apropria de alguns fatos e personagens históricos. Não quer nos contar a história da Idade Média, mas refletir sobre a nossa. As “liberdades” de que a Carta Magna tratava eram, na essência, privilégios dos barões. Robin Hood fala de direitos como os de hoje. Comete fraude histórica – aquelas “liberdades” medievais são uma espécie de avós dos nossos direitos fundamentais, que antes de nascerem tiveram também, como antepassados, as liberdades burguesas das revoluções do século 18. Mas comete essa fraude, constrói sua ficção numa verdadeira e emocionante aula de boa política.
Robin Hood contrapõe duas visões de mundo radicalmente distintas. Numa, a dos reis, a sociedade é hierarquizada, a riqueza se funda na exploração do trabalho alheio, as mudanças nas relações de poder só ocorrem por meio da violência. Na outra, a do povo, as lideranças ocorrem pela nobreza e a competência das pessoas, e não pelo nascimento ou a posição social; a riqueza vem do trabalho que alia pessoas de todas as classes sociais, nobres, clérigos, plebeus; e a mudança na relação de poder é inspirada num ideal de justiça e realizada na lei. Pode ser utopia; mas nos tempos de divisão que vivemos hoje, assistir à possibilidade, mesmo que ficcional, desta utopia produz um sentimento redentor. 

E o melhor é que Ridley Scott constrói seu bom discurso político com bom cinema. A batalha final, se é quase uma impossibilidade militar (um bom estrategista, como Felipe Augusto, rei de França, nunca desembarcaria suas tropas numa praia cercada de falésias, onde seus soldados seriam presas fáceis para as flechas inimigas) e uma inverdade histórica (na verdade, foi João-sem-terra quem tentou um catastrófico desembarque na França), é um deslumbramento cinematográfico – desde O senhor dos anéis que não víamos cenas de batalha tão bem filmadas, editadas, sonorizadas. A história de amor entre Robin (Russell Crowe) e Marion (Cate Blanchett) é de linhagem rara, herdeiras de Beatrice e Benedek no Muito barulho por nada de Shakespeare – um romance maduro, marcado pela rispidez e o sarcasmo antes de desabrochar. No meio de tudo isso, e de paisagens magníficas, fotografia deslumbrante e reconstituição de época eficiente, Robin Hood oferece momentos de grande emoção e suspense.

(FONTE: Divirta-se)