terça-feira, 11 de maio de 2010

Sucedem-se os dias húmidos por dentro da minha espera...

                                                            Alcides Baião, Contorcionistas, 1999
Sucedem-se os dias húmidos por dentro da minha espera
adio o arco-íris o salto montês da cabra que trago no peito
grande a náusea perfuma a dor dos verões suspensos cegos
se aquece a alma erguida na ponta dos pés do desassossego

arredondam-se as estações neste gesticular incerto de índio
largo coração galego esqueço-me com coisas livres minúsculas
vermes róseos longos braços barcos à deriva que tenho do mar
spreito a fundo as horas que me separam do jazigo ou berço
de boca amarga à gargalhada empreendo a lágrima lúcida
solar se verte o sangue no circo dos ágeis dedos de não voar

queria-me eu apto e louro com olhos de maçã cheios de amor
já pestanejo as emoções seguintes que se anunciam verdes
no chegar do veado friorento que vem comer as ervas litorais
dobro-me à mulher à página ao morto inesperado e para quê?


in «Paicina», (Poesia e Prosa),
Lisboa: Quadrante [Distrib.], 1977

(FONTE: Poetas Apaixonados – Poesia de Amor de autores portugueses)