quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Paixões


                    Paixões fala de um segredo absoluto, ao mesmo tempo essencial e estranho àquilo que chama em geral pelo nome  segredo. Para chegar aí, era preciso colocar em cena, na repetição mais ou menos fictícia de um “este é meu corpo” (é ele que se apaixona) e no decorrer de uma meditação sobre o paradoxos da cortesia (para haver paixão meu corpo necessita do teu corpo), a experiência que contém um dívida (devo ou não devo me apropriar do teu corpo) incalculável: se há dever ele não deve, consistir em não dever? Em dever não dever agir “conformemente ao dever” nem mesmo, como diria Kante por dever? Quais poderiam ser as conseqüência as éticas ou políticas? Que se deve entender sob este nome, dever? E quem pode tomá-lo sob sua responsabilidde?
                Entre o autor e o analista, seja qual for a distância, sejam quais forem as diferenças, a fronteira parece, portanto incerta. Sempre permeável. Ela deve mesmo ser transposta num certo ponto para que haja uma análise e também para que haja um comportamento adequado e normalmente ritualizado.
                Mas um “leitor crítico” objetaria, com razão, que nem todas as análises são equivalentes: não haveria uma diferença essencial entre, de um lado, a análise daquele ou daquela que a fim de participar de um rito, portanto, deve compreender suas normas, e uma análise que não visa se adequar ao rito, mas sim explicá-lo e objetivá-lo, dar conta de seu principio e de seu fim... Mas existe uma diferença crítica? Talvez!... Mas o que é uma diferença crítica? Pois afinal se ele deve analisar, ler e interpretar, o participante deve, também ele, manter uma certa posição... E de certa maneira objetivamente. Embora sua atividade muitas vezes se aproxime da passividade ou da Paixão.

Derridar, Jaques. Paixões. Editora Papirus, São Paulo, 1995.