sábado, 10 de outubro de 2009

Quando não se Entende a Paixão!...

                   
                      Recorro à Roland Barthes, em Fragmentos de um discurso amoroso, para justificar o que estar entre aspas a seguir: “O lugar mais sombrio, diz um provérbio chinês, é sempre embaixo da lâmpada”.
                     O apaixonado não se entende e nem se faz entender. O que diz é sempre a repetição de seu estado de encantamento, eivado de quereres que o faz patinar na tentativa da expressão de si. Nunca apreendido pelo outro. Se xinga, elogia. Se elogia, solicita. Se cobra, arde na contradição. Em silêncio, berra. Gritando, não quero representar aquele que não espera; tento me ocupar em outro lugar, chegar nada tem a dizer. O apaixonado está dentro da lâmpada, que, complicada, o atravessa.
                     Ele nem sempre vê a própria luz projetada no próprio entendimento e no do outro. “’Estou apaixonada? – Sim, pois espero.’ O outro não espera nunca. Às vezes atrasado; mas nesse jogo perco sempre: o que quer que eu faça, acabo sempre sem ter o que fazer, pontual, até mesmo adiantado. A identidade fatal do enamorado não é outra senão: sou aquele que espera”.
                     O apaixonado sempre espera porque nunca se sente completo, pleno, satisfeito. Está condenado a se virar com o contentamento descontente (Camões) ininterrupto de sua lúcida loucura. A paixão é saco sem fundo, mundo sem fim. É opção? Escolha dele? É arrebatamento? Seqüestro rácio-emocional? Sabe-se lá! E ele se culpa. Culpam-no. Mas... por quê? O que há de errado em só esperar? “Dizem-me: esse gênero de amor não é viável. Mas como avaliar a viabilidade? Por que o que é o viável é um Bem? Por que durar é sempre melhor que inflamar?” O durar é amor estabelecido na relação. O inflamar é intensidade: nada mais característico da paixão. Ela não entende o meio-termo, certa sensatez ou maneira pensada de conduzir as coisas.
                     O apaixonado sempre pensa pelos hormônios, nervos, coração. Aí, não há o que negar: o querer é rei e manda! Obedece quem não tem nada a perder. Foge aquele que não sabe que essa cor integra é o arco-íris da vida: personalíssima, frágil, rebelde e curta demais para alienar, aparentar robustez, ser conformada ou sobejamente longa para esnobar. “Encontro pela vida milhares de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonada me designa a especialidade do meu desejo”.
                     O apaixonado sabe que o mundo existe, mas o representa a seu modo. Se não se acomoda ao encantado, que se dane o mundo! Essa fase de uma relação é isto: o apaixonado é o ser da paixão. Claro! O universo não se resume aos dois. Ele, o universo, torna-se coadjuvante.
                      Talvez o lance seja saber lidar com a paixão. Bem conduzida, pode virar amor, o lado pé-no-chão de um encontro. Sofrer o apaixonado talvez traga contratempos. Mas se não vivê-lo, como sabê-lo?                
                      Como saber o sabor de um querer que pode ser o Porto Seguro de um mundo no qual dois seres constroem-se na troca, num projeto de vidas que se confundem de forma simples, doce, gentil? Na sombria luz do sentimento, o apaixonado nem sempre a vê nessa perspectiva. Fora da sombra ou da luz, os estranhos não enxergam. Isso não é para o entendimento dos desentendidos da paixão. Eles não podem compreender que paixão também é desejo e que logo o amor virá.

(Autor: não conheço)